Novo Centro Administrativo de SP: Lições para Lugares à Prova de Futuro

Renderização do projeto do novo Centro Administrativo de São Paulo, mostrando edifícios modernos cercados por áreas verdes com árvores e espaços abertos, inseridos no contexto urbano da cidade.

O governo do estado de São Paulo anunciou um ambicioso projeto estimado em R$ 5 bilhões para construir sua nova sede administrativa no Campos Elíseos, bairro central da capital paulista. O projeto promete não apenas revitalizar a região, como valorizá-la para atrair investimentos imobiliários no entorno e, assim, transformar a área em um novo polo no coração da cidade. 

Gostando ou não (para deixar claro: não gostamos), quando cidades de importância global como São Paulo lançam empreitadas desta proporção, muitos outros lugares observam e, frequentemente, aplicam soluções semelhantes sem o devido filtro de escala e conexão com sua realidade. Antes de qualquer coisa, projetos como este são uma oportunidade para refletir, em tempo real, sobre o que pode funcionar ou não na criação de lugares adaptáveis e à prova de futuro

Nesse contexto, é preciso questionar: o projeto do novo centro administrativo do governo paulista está preparando a cidade para lidar com as incertezas do amanhã ou apenas dando uma nova roupagem para abordagens ultrapassadas e incapazes de criar valor à longo prazo? 

6 desafios cruciais para o projeto do novo Centro Administrativo de SP 

Para responder a essa pergunta, calçamos as lentes da antifragilidade para analisar os aspectos fundamentais do projeto e identificamos seis pontos que merecem atenção especial: 

1. Falta de participação: O projeto, que prevê a remoção de 600 famílias, foi desenvolvido sem a participação ativa de moradores, comerciantes e entidades não só da área diretamente afetada como do seu entorno. A população local também não teve a oportunidade de dialogar de forma significativa com os agentes públicos responsáveis pela execução das remoções. 

Mesmo aqueles que conseguiram realizar o cadastro, não receberam garantias concretas de atendimento habitacional adequado, isto é, não sabem para onde vão, quando vão e em quais condições. Essa falta de transparência e participação são posturas que aumentam a insegurança jurídica dos atingidos e a desconfiança popular em relação ao projeto. 

2. Impactos socioeconômicos: O governo planeja ocupar o Palácio dos Campos Elíseos, onde hoje funciona o Museu das Favelas, um equipamento simbólico e culturalmente relevante para cidade. O projeto também prevê uma esplanada para criar um “percurso desobstruído e convidativo” que exigirá a desativação do Terminal Urbano Princesa Isabel, por onde circulam 18 linhas de ônibus essenciais que conectam o centro da cidade a áreas mais afastadas. 

Na medida em que não está claro se o museu continuará aberto após a implementação do novo centro administrativo, nem quais serão as alternativas de operação das 18 linhas que passam pelo Terminal Princesa Isabel, é inevitável questionar se a valorização do projeto ocorrerá às custas de quem vive e circula no bairro. 

3. Impactos imobiliários: Ao buscar “valorizar” a região, o projeto visa atrair maior interesse do setor imobiliário para a construção de novos empreendimentos habitacionais, voltados principalmente para a classe média. Na prática, essa nova oferta tende a elevar os valores de aluguéis residenciais e comerciais, tornando a permanência no bairro economicamente inviável para moradores de baixa renda e pequenos comerciantes que mantêm negócios na área e no entorno.  

Dessa forma, o processo de valorização pode acabar excluindo justamente aqueles que historicamente deram vida e identidade ao Campos Elíseos. Ou seja, a remoção não se limitará “apenas” às 600 famílias que residem nas quadras a serem desocupadas.  

4. Sem retrofit: Projetos que promovem demolições em larga escala costumam fragmentar o território não apenas na paisagem e na arquitetura, mas também nos laços comunitários e sociais que sustentam a vida local. No caso do Campos Elíseos, existem diversos edifícios já construídos e integrados à malha urbana que poderiam ter sua infraestrutura adaptada para novos usos, reduzindo impactos ambientais, sociais e culturais. 

Em vez de derrubar casas para construir prédios, o foco poderia estar em promover um retrofit dos imóveis abandonados ou subutilizados que já fazem parte do tecido urbano da região. Além de preservar a memória local, essa abordagem fortaleceria a identidade do bairro, em vez de apagá-la em nome de um desenvolvimento que, conforme pontuado acima, pode excluir quem já pertence ao lugar. 

5. Desconexão com o futuro do trabalho: Cada vez mais, as relações profissionais dispensam a necessidade de presença física em escritórios, acompanhando uma tendência global de expansão do trabalho remoto. Diante desse cenário, surge uma questão crucial: quantos dos 22 mil funcionários previstos para ocupar os novos prédios do centro administrativo permanecerão em regime 100% presencial nos próximos anos e décadas?  

Além de correr o risco de nascer obsoleto frente às transformações no mundo do trabalho, o projeto pode contribuir para um novo esvaziamento da área em um futuro não tão distante. Investir em estruturas físicas massivas, sem considerar a flexibilidade e a mobilidade que o futuro exigirá, pode ser um passo em falso em um mundo que avança a passos largos rumo à desterritorialização. 

6. Ausência de sustentabilidade: Uma das justificativas apresentadas para a construção da nova sede é a redução dos custos de manutenção dos imóveis que atualmente abrigam as funções administrativas do governo. Contudo, este argumento não considera os custos ambientais e econômicos da desativação das sedes atuais, nem os resíduos gerados pela demolição dos edifícios existentes na área do projeto e os impactos ambientais gerados pela construção civil em obras desta dimensão. 

A ausência de soluções sustentáveis e ambientalmente conscientes em um projeto para o centro de uma cidade já tão densamente ocupada e carente de iniciativas que equilibrem desenvolvimento e preservação ambiental, vai na contramão de um esforço global de cidades cada vez mais comprometidas em reduzir impactos, especialmente tendo em vista a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. 

Da PPP aos 4Ps: três projetos que sinalizam que o futuro das cidades precisa de pessoas envolvidas 

Frente a todas essas fragilidades, o projeto da nova sede administrativa perde a oportunidade de posicionar a cidade e o estado de São Paulo como modelos de adaptação aos movimentos de transformação urbana já em curso. Em diferentes partes do mundo, experiências atentas a eventos como as mudanças climáticas, os fluxos migratórios e a digitalização do trabalho – para citar apenas alguns dos mais conhecidos – têm respondido de forma assertiva aos desafios e sinais que o futuro já está emitindo para nós. 

O ponto em comum dessas respostas bem-sucedidas está na integração das pessoas aos processos. Cada vez mais, as populações urbanas desejam fazer parte de projetos que conectem inovação às suas necessidades e fortaleçam o senso de pertencimento.  

Em outras palavras, o modelo de parcerias público-privadas (PPP) já não é suficiente. É preciso adicionar um novo “P” a esse processo – o “P” de Pessoas. 

Os três cases a seguir ilustram como parcerias para a adaptação urbana podem ser lideradas tanto pelo público como pelo privado e, por que não, pelas pessoas também:  

1. Kensington Market Community Land Trust (Toronto, Canadá): A história do bairro Campos Elíseos é semelhante à de bairros antigos em grandes cidades: uma trajetória de glamour, abandono e “revitalização”. Da sua criação pela elite cafeeira no século XIX à transformação em refúgio de trabalhadores e migrantes marginalizados, o bairro hoje flerta com a promessa de uma nova valorização, mesmo que isso custe o deslocamento forçado de quem habita e trabalha no bairro há muito tempo.  

Até alguns anos atrás, esta era a história e o destino de Kensington Market, bairro central de Toronto, mas a comunidade local encontrou uma rota alternativa através do modelo de Community Land Trust (CLT), conceito que foca na aquisição de terras doadas ou compradas por organizações comunitárias para atender às necessidades e prioridades dos moradores e comerciantes locais.  

Geridas por moradores, stakeholders e poder público, os CLTs colaboram diretamente com a comunidade para planejar e decidir o uso da terra, priorizando a garantia de habitação acessível, proteção da especulação imobiliária e manutenção da identidade local sem deslocar moradores e comerciantes. 

 Grupo de moradores em frente a um prédio no Kensington Market, Toronto, segurando uma faixa com os dizeres 'Community Owned Kensington', representando a iniciativa comunitária de preservação local.
FOTO: KENSINGTON MARKET COMMUNITY LAND TRUST 

2. Capital Europeia Verde (Nantes, França): Enquanto muitas cidades lutam para conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, Nantes emergiu como um modelo de transformação urbana verde através de um amplo programa de retrofit residencial. Com a missão de melhorar a eficiência energética de seu parque imobiliário envelhecido, a gestão municipal desenvolveu uma abordagem inovadora que combina tecnologia, inclusão social e participação comunitária. 

A estratégia previa retrofit em 3.500 residências, com foco em domicílios de baixa renda, através de uma plataforma que conecta proprietários, profissionais e autoridades. As intervenções incluem isolamento térmico, implementação de energias renováveis e sistemas de gestão energética inteligentes, e fazem parte de uma série de políticas ambientais que renderam à cidade o título de “capital europeia verde”.  

Ao priorizar a participação de moradores e oferecer financiamento acessível, Nantes demonstra como a gestão pública pode liderar projetos de grande escala de forma inclusiva, melhorando a qualidade de vida na cidade sem comprometer a permanência da população ou sua identidade arquitetônica. 

Casal andando de bicicleta ao longo do rio em Nantes, França, com esculturas circulares modernas ao fundo, representando o compromisso da cidade com sustentabilidade e espaços urbanos acessíveis
FOTO: LA CITÉ – NANTES 

3. Instituto Porto Seguro (Campos Elíseos, São Paulo): A natureza das empresas que operam no mercado imobiliário é buscar o lucro acima de qualquer coisa, mas a Porto Seguro demonstrou que o setor privado também pode ser um agente de transformação urbana positiva. No coração do próprio bairro Campos Elíseos, a seguradora investiu na restauração de diversos imóveis, incluindo um casarão histórico de 1895, não apenas preservando o patrimônio arquitetônico, mas também criando espaços de convivência e cultura para a comunidade local. 

Muito além de um retrofit, o projeto inclui parcerias com organizações sociais e culturais que ajudaram a transformar o espaço em um centro de atividades gratuitas para a população, incluindo oficinas, exposições e eventos. Esta iniciativa não só recuperou edifícios históricos da cidade, como criou oportunidades de desenvolvimento social e econômico para os moradores do entorno.  

Uma prova de que se o objetivo é realmente valorizar o bairro, até mesmo o investimento privado pode contribuir sem demolir o patrimônio histórico e envolvendo a comunidade em vez de deslocá-la ou removê-la. 

Fachada de edifício histórico restaurado em Campos Elíseos, São Paulo, cercado por árvores e com prédios modernos ao fundo, destacando a preservação do patrimônio arquitetônico.
FOTO: BLOG DA PORTO SEGURO 

Lições do Novo Centro Administrativo de SP para pensar lugares à prova de futuro 

O caso do novo centro administrativo do governo paulista mostra que, mesmo com grandes investimentos, ninguém está imune a tomar decisões que podem se tornar obsoletas rapidamente, sobretudo quando elas não consideram as reais necessidades das partes envolvidas, nem a urgência de tornar os lugares adaptáveis para as transformações que o futuro certamente trará.  

A chave reside em colocar as pessoas no centro do processo, conforme as experiências bem-sucedidas mundo afora confirmam. Lugares à prova de futuro e antifrágeis são construídos quando cada decisão é tomada de forma compartilhada e equilibrando necessidades imediatas com uma visão de longo prazo. 

Como projetos de transformação urbana podem fortalecer comunidades e identidades, em vez de deslocá-las e apagá-las? De que forma tecnologias emergentes e práticas sustentáveis podem ser integradas à criação de espaços mais adaptativos? Mais importante do que encontrar respostas é aprender a conviver com essas (e com outras) perguntas. A lição é clara: é preciso ir além do pensamento linear tradicional e adotar uma visão de desenvolvimento verdadeiramente orientada para o futuro. 

Artigo escrito em colaboração por Emannuel Costa e Camila Kato.

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-URBAN-FUTURES-REPORT-Regenerativo-Banner-1024x427.png

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.

Explorando os Futuros dos Lugares: O Que é e Como Aplicar o Place Strategic Foresight© 

Uma paisagem futurista e iluminada ao anoitecer, destacando estruturas altas e brilhantes semelhantes a árvores artificiais com iluminação dourada e vermelha. Essas estruturas têm copas compostas por padrões geométricos e metálicos, lembrando uma fusão entre natureza e tecnologia. Ao fundo, vê-se um grande edifício moderno com um design icônico de três torres conectadas no topo por uma estrutura horizontal. O céu azul contrasta com a iluminação vibrante da cena urbana, criando uma atmosfera de inovação e arquitetura visionária.

Desde que o ser humano começou a sonhar com o amanhã, tentamos prever o que teremos pela frente. Das profecias dos oráculos gregos às simulações mais modernas com inteligência artificial, o futuro sempre nos fascinou e desafiou. Mas e se, em vez de tentar prever um único futuro (lembrando que o futuro não só é imprevisível como plural), pudéssemos explorar vários cenários e nos preparar para cada um deles? É aqui que entra o conceito de Place Strategic Foresight©. 

O que é Place Strategic Foresight©? 

Em linhas simples, o Place Strategic Foresight© é a aplicação do pensamento prospectivo(foresight) às cidades, regiões e países. Novamente, não se trata de previsão, e sim, de exploração, propondo ferramentas para imaginar futuros alternativos e criar estratégias para que os lugares não apenas sobrevivam, mas prosperem em diferentes cenários, ao mapear possibilidades e construir opcionalidades — soluções que garantam antifragilidade e adaptação a incertezas. 

Este conceito nasce da interseção entre três disciplinas: place branding, placemaking e strategic foresight. Enquanto o place branding foca em consolidar a identidade de um lugar e sua comunicação com o mundo, o placemaking cria experiências reais e tangíveis para as pessoas nos espaços-públicos/ coletivos. O strategic foresight adiciona a capacidade de pensar no longo prazo, explorando múltiplos futuros potenciais. Juntas, essas abordagens transformam a forma como entendemos os desafios e as oportunidades dos lugares. 

De onde vem essa ideia? 

O estudo dos futuros é antigo. Ele remonta às utopias do Renascimento e à Revolução Científica, mas ganhou fôlego no século XX, impulsionada por figuras como Gaston Berger e Alvin Toffler. No entanto, o Place Strategic Foresight© deriva do Futurismo Estratégico (Strategic Foresight), que surgiu como resposta às incertezas do mundo contemporâneo, marcado pelo conceito VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo). Ao aplicar essa ferramenta a lugares, criamos uma abordagem mais contextualizada e colaborativa. 

Como funciona? 

O Place Strategic Foresight© segue etapas bem definidas, começando pelo entendimento profundo do lugar — sua identidade, cultura, vocações e desafios atuais. Esse trabalho inicial, desenvolvido através do place branding, forma a base para os próximos passos. 

1. Mapeamento do ambiente incerto: Aqui, é feita uma coleta ampla de sinais fracos e fortes, tendências e incertezas que podem impactar o lugar. Sinais fracos são aqueles indícios iniciais de grandes transformações, enquanto sinais fortes já são mais evidentes e amplamente reconhecidos. 

2. Análise dos sinais: Os dados coletados são decantados, classificados e interpretados para identificar oportunidades e ameaças. 

3. Criação de cenários: São explorados diferentes futuros baseados nos sinais e tendências identificados. Esses cenários podem incluir desde futuros absurdos e improváveis até os plausíveis e preferíveis. 

4. Backcasting: Este processo inverte a lógica do planejamento tradicional. Em vez de partir do presente para o futuro, é feito um recuo dos futuros desejáveis até o presente, identificando os passos necessários para alcançá-los. 

5. Implementação de estratégias: Baseando-se nas visões criadas, são definidos fatores críticos de sucesso e planos de ação. Isso inclui opções flexíveis para lidar com as incertezas do caminho. 

Conexões com Place Branding e Placemaking 

O Place Strategic Foresight© potencializa o place branding ao fornecer um arcabouço para projetar a identidade de um lugar não apenas com base no presente, mas também nos futuros potenciais. Por exemplo, ao identificar cenários preferíveis, é possível alinhar a narrativa de uma marca-lugar com as aspirações da comunidade e as tendências globais. Além disso, o foresight agrega maior resiliência ao place branding, preparando a marca-lugar para responder às dinâmicas imprevisíveis do mundo contemporâneo. 

No caso do placemaking, o Place Strategic Foresight© enriquece a criação de experiências tangíveis. A partir dos cenários projetados, é possível planejar lugares que não apenas atendam às demandas atuais, mas também sejam adaptáveis para as necessidades futuras. Por exemplo, um parque pode ser planejado para funcionar como espaço de lazer hoje e como refúgio climático em um cenário de aquecimento global. Assim, o foresight e o placemaking trabalham juntos para criar lugares que sejam relevantes, dinâmicos e preparados para vários futuros. 

Benefícios para o setor público 

O Place Strategic Foresight oferece ferramentas poderosas para governos municipais, regionais e nacionais. Cidades podem antecipar demandas de infraestrutura, como habitações mais resilientes ou sistemas de transporte sustentáveis. Destinos turísticos, por sua vez, podem planejar experiências que alinhem atrativos naturais às expectativas do visitante contemporâneo. 

A participação comunitária é essencial nesse processo, garantindo que as soluções não apenas reflitam as prioridades dos governantes, mas também as aspirações da população. 

Benefícios para empreendedores imobiliários 

Para o mercado imobiliário, o Place Strategic Foresight© é uma ferramenta essencial na criação de bairros planejados. Em vez de construir com base apenas nas demandas atuais, os empreendedores podem projetar de forma a atender a futuras demandas de sustentabilidade, mobilidade e qualidade de vida. 

O resultado da junção de place branding, placemaking e Place Strategic Foresight© é a criação de lugares “à prova de futuro”. 

Exemplos de impacto na prática 

  1. Regiões rurais em transformação: Ao usar Place Strategic Foresight©, é possível identificar formas de integrar tecnologias verdes para fortalecer economias locais e evitar a migração em massa. Isso também ajuda a preservar a identidade cultural dessas regiões. 
  1. Centros urbanos densos: A aplicação do P.S.F em megacidades pode orientar soluções para problemas de mobilidade e habitação, priorizando espaços verdes e edifícios multifuncionais. 
  1. Destinos turísticos inovadores: Um exemplo seria uma região que se posiciona como destino ecológico ao integrar práticas de turismo sustentável alinhadas a cenários futuros. 

Uma abordagem essencial para o século XXI 

Em última análise, o Place Strategic Foresight© é sobre antifragilidade, mas também sobre aspiração. Ele nos ajuda a navegar as incertezas do presente com um olhar otimista e estruturado para o futuro, garantindo que lugares estejam prontos para os desafios e possam aproveitar as oportunidades que estão por vir.  

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-Relatorio-Africa-Banner-1024x512.png
Pensar dessa forma, é adotar a incerteza como premissa projetual. 

Pense no futuro como um leque de possibilidades — algumas assustadoras, outras empolgantes. O Place Strategic Foresight© nos oferece as ferramentas para explorar esse leque e moldar os lugares de acordo com os futuros que queremos ver e protegê-los daquilo que eles poderiam se tornar. 

Hospitalidade para além da simpatia como percepção da marca-lugar.

Rua movimentada em Osaka, Japão, com a icônica Torre Tsutenkaku ao fundo, cercada por letreiros vibrantes em japonês, lojas tradicionais e restaurantes. O cenário colorido inclui estátuas e murais chamativos, enquanto pedestres caminham e exploram o ambiente urbano animado.

We don’t speak English 

A frase escrita, em letra cursiva, na primeira página de um simpático restaurante em Osaka rendeu um jantar que harmonizou o umami da culinária japonesa com o que eu, pessoalmente, considero o principal ativo do país: a hospitalidade e portanto a marca do lugar.  

  1. Osaka e o restaurante simpático 
Rua movimentada em Osaka, Japão, iluminada por letreiros neon vibrantes e fachadas coloridas de restaurantes e lojas. A cena noturna mostra pedestres caminhando, turistas tirando fotos e um ciclista passando, enquanto a icônica estátua dourada de Billiken e diversos elementos tradicionais japoneses decoram o ambiente.
Osaka, Japão

Era noite, 5 graus que passavam despercebidos diante do desejo de desvendar Osaka. Afinal, seriam só quatro dias para absorver toda a enxurrada de informações visuais, auditivas, culturais e por aí vai. 

Tinha sido um dia intenso. Eu, Caio e Luiza estávamos exaustos, porém totalmente entregues àquela instigante cidade. Caminhávamos aleatoriamente em direção ao hotel, com a missão de encontrar um lugar para comer e, finalmente, voltar para dar uma “morridinha” até o novo amanhecer. Foi então que nos deparamos com uma portinha e, do lado de fora, um cardápio num cavalete. Nos aproximamos e, num rápido passar de olhos, conseguimos identificar: tonkatsu, omelete… Perfeito! 

Entramos em um passo manso e fomos recebidos pela típica saudação vinda de trás do balcão (sim, ao entrar em qualquer estabelecimento no Japão, você é recebido com um sonoro “Irasshaimase” em uníssono). Mas, desta vez, foi dita por uma única pessoa, que atendia um único cliente sentado à sua frente. 

Fomos encaminhados para uma das duas mesas alojadas no fundo do restaurante e, enquanto tirávamos os casacos, já fomos fisgados pela névoa quente que exalava o cheiro de comida boa. 

O mesmo senhor que nos saudou nos trouxe a água (sempre cortesia em qualquer restaurante), as toalhinhas umedecidas para limpar as mãos e o cardápio. 

  1.  Hospitalidade in natura 
Cardápio artesanal de um restaurante japonês, feito com páginas de papel kraft plastificadas, contendo fotos dos pratos, descrições escritas à mão em diferentes idiomas e preços em ienes. As mãos de duas pessoas folheiam o cardápio, que apresenta opções como peixe cru fatiado e peixe cozido com acompanhamentos.

Ah, o cardápio… Esse me levou diretamente aos tempos de escola, quando colecionava papel de carta. Tínhamos uma pasta onde colávamos os papéis e seus envelopes em uma base de cartolina ou papel kraft, protegíamos com plástico e enfeitávamos com letras e desenhos coloridos. O cardápio era exatamente assim, mas, no lugar dos papéis de carta, estavam fotografias impressas de cada prato, com a descrição escrita à mão, em letras coloridas e enfeitadas. Logo na primeira página, uma frase se destacava do resto: We Don’t Speak English

A frase era quase um pedido de desculpas, e o que vinha a seguir (as fotos, os desenhos e todo o capricho) era uma forma de compensação pelo hipotético desconforto que nós, turistas, poderíamos sentir. 

  1. Cidade turística não é sinônimo de hospitalidade 

Agora convido vocês a um exercício (que fizemos ali naquela noite enquanto escolhíamos os pratos): se estivéssemos em Paris e pegássemos um cardápio com a mesma frase escrita, como ela seria interpretada? 

A conclusão é óbvia e seria validada pela primeira bufada do garçom ao esperar um de nós fazer o pedido. 

Isso nos faz refletir sobre a tal hospitalidade, tão propagada por diversas capitais e cidades turísticas. Toda cidade adora proclamar aos quatro ventos que é hospitaleira, mas de que hospitalidade estamos falando? E, principalmente, como ela se manifesta em cada lugar? Certamente não existe apenas um tipo de hospitalidade, e, certamente, existem cidades que definitivamente não são hospitaleiras, como é o caso da tão cobiçada Paris. 

  1. Hospitalidade singular 

No Japão, a hospitalidade não está no sorriso escancarado, no abraço ou na simpatia exagerada. A hospitalidade está simplesmente em como a cidade funciona:  

  • Nas konbinis onipresentes, que te entregam tudo o que você precisa – de comida a um kit de higiene básico.  
  • Nos didáticos mockups de pratos na porta dos restaurantes, que acabam com a barreira da língua.  
  • Nos banheiros públicos que são mais dignos do que o da nossa própria casa.  
  • Na cultura desse povo 
  1. Pequenos gestos de grande impacto. 

Em qual capital do mundo um taxista correria o risco de parar o trânsito para avisar a turista distraída que seu gorro caiu no chão? A experiência foi tão impactante que, por alguns segundos, fiquei ali, segurando o gorro resgatado e pensando: isso é a marca desse lugar. 

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-URBAN-FUTURES-REPORT-Regenerativo-Banner-1024x427.png

Essas experiências positivas e autênticas contribuem por alavancar a indústria do turismo em números galopantes.  

Em março do ano passado o país bateu um record ao receber quase 3,1 milhões de visitantes, o maior número mensal desde o início dos registros, em 1964.  

O Japão nos deu uma aula prática de tudo o que sempre falamos aqui na consultoria: a marca de um lugar é o sentimento que temos em relação a ele, e esse sentimento é único, singular. 

Nos despedimos do Japão com a certeza de que o que vivemos lá só poderia – e só poderá – ser experimentado lá. 

P.S.: Passei a viagem inteira procurando um letreiro gigante com um I Love Tóquio, mas não achei… 

Foto de capa: Caio Esteves.

O caso “Emilia Pérez” e a relação com senso de pertencimento e futuros das cidades.

Imagem promocional do filme "Emilia Pérez", tema central do artigo sobre autenticidade e representatividade para criar lugares à prova de futuro

Apontado como o principal rival de “Ainda Estou Aqui” nas diversas premiações internacionais de cinema, o filme “Emilia Pérez” acabou se tornando um estudo de caso sobre autenticidade, representatividade, senso de pertencimento e, principalmente, como não abordar a identidade de um lugar. 

Inicialmente aclamado por críticos mundo afora, o longa-metragem e seus responsáveis se envolveram em polêmicas nas últimas semanas, que provocaram uma série de reações negativas, principalmente entre latino-americanos. A ponto de a própria Fernanda Torres, indicada ao Oscar de melhor atriz por “Ainda Estou Aqui”, vir à público pedir aos brasileiros que não desrespeitassem o trabalho de Karla Sofía Gáscon, protagonista de “Emilia Pérez” que também está indicada.  

Mas como uma discussão aparentemente restrita ao universo do cinema e suas premiações se relaciona diretamente com place branding e futuro das cidades? 

Emilia Pérez: um retrato controverso 

Muitas vezes, obras cinematográficas são mais do que mero entretenimento, especialmente quando se propõem a contar histórias e transmitir mensagens, baseadas em memórias e ideais. Este parecia ser o caso de “Emilia Pérez”, um musical cuja trama se passa no México e conta a jornada de uma narcotraficante trans que, ao se aposentar, realiza cirurgias de afirmação de gênero e passa a buscar justiça pelos desaparecidos da violência do tráfico, da qual era participante. O enredo que, à primeira vista, aborda temas relevantes está se consolidando como um exemplo de falta de autenticidade. 

À medida que o filme foi acumulando prêmios e indicações, diversas avaliações negativas começaram a surgir sobre a profunda desconexão entre a obra e a realidade que ela tenta retratar, não só da crítica especializada, mas principalmente de espectadores latino-americanos.  

Os principais pontos de crítica 

Em outras palavras, a comunidade que detém a memória dos desaparecidos, parte tão importante na história mexicana, não se reconheceram na narrativa apresentada. Dentre os principais problemas apontados sobre o filme neste sentido, destacam-se: 

  1. México, mas não no México: “Emilia Pérez” foi filmado nos arredores de Paris, e não no México. A escolha se deve ao fato do próprio diretor do filme (Jacques Audiard) ser francês e preferir trabalhar com sua equipe habitual
  1. Pesquisa superficial: Audiard também é responsável por outras polêmicas. Em uma entrevista, confessou não ter dedicado muito tempo pesquisando sobre o México antes de rodar o filme, pois acreditava “já conhecer o suficiente” sobre o país. Mais recentemente, afirmou que “o espanhol é um idioma de pobres e imigrantes”
  1. México, mas sem mexicanos: Falta de mexicanos na equipe de produção e, principalmente, no elenco. Questionado sobre isso, Audiard tentou justificar a escolha de atrizes não-mexicanas por questões financeiras
  1. Diálogos não-naturais: Consequentemente, há um entendimento compartilhado entre falantes nativos de espanhol de que as nuances de fala nos diálogos entre os personagens não soam natural para os mexicanos, o que ajuda a entender porque o filme foi mais bem recebido pelo público que não fala espanhol. 
  1. Falta de sensibilidade: Uma das principais insatisfações dos mexicanos é a maneira leviana que o filme retratou os desaparecimentos relacionados ao narcotráfico, um assunto extremamente sério e sensível na história do país. Além disso, organizações LGBTQIAP+ também manifestaram críticas à maneira superficial que a realidade e a luta da comunidade trans foi retratada

A resposta da comunidade 

Evidentemente, a sequência de más decisões e declarações infelizes não poderia resultar em outra coisa, senão uma profunda crítica à falta de representatividade e à maneira que o filme tratou assuntos tão sensíveis para o povo mexicano.  

Uma resposta criativa dada por eles veio na forma de um curta “Johanne Sacreblu”, que satirizou “Emilia Pérez” mostrando como seria se um grupo de mexicanos fizesse um musical sobre a França, abordando todos os estereótipos deste país sem responsabilidade e sem nenhum francês no elenco. 

Grupo de pessoas fantasiadas com roupas e maquiagens típicas da cultura francesa, acenando bandeiras da França em uma calçada, em clima festivo
Foto: Youtube Camila D. Aurora (Camiileo) 

Senso de pertencimento: o que aprender com “Emilia Pérez” para criar lugares à prova de futuro 

O caso “Emilia Pérez” transcende o cinema para ilustrar uma situação que serve na mesma medida para produtores de Hollywood, gestores públicos, empreendedores imobiliários, e qualquer um que queira trabalhar com lugares e memória: as pessoas são e serão, sempre, o ponto de partida e o ponto de chegada. Nenhum projeto pode ser concebido ou implementado sem o envolvimento ativo da comunidade. Como afirma Caio Esteves, em seu livro “Place Branding”: 

“No place branding a identidade se torna ainda mais importante e consideravelmente mais complexa: sem identidade não existe place branding.” (ESTEVES, 2016) 

Pensar em lugares como os autores de “Emilia Pérez” é pensar de fora para dentro, sem considerar a comunidade e seus ativos, sentimentos e percepções. É muito provável que as pessoas não se sintam parte, nem se reconheçam no projeto. Os lugares dependem de comunidades com senso de pertencimento forte para poderem estar preparados para os mais incertos futuros. 

Ao escolher diretor, elenco e equipe não-mexicanos, o projeto “Emilia Pérez” falha desde sua concepção e resulta em um filme desconectado da realidade e da memória de um povo. Se a falta de autenticidade passou batida por parte da crítica americana e europeia, certamente a comunidade latino-americana, que entende a dor de não ser ouvida e reconhecida, percebeu e decidiu se pronunciar sobre o assunto nas redes sociais e em veículos de mídia tradicional. 

Para compreender um lugar, é preciso ouvir as pessoas do lugar. Do contrário, o resultado será sempre retratos superficiais e não-autênticos. “Emilia Pérez” é um lembrete de que participação e engajamento da comunidade sobre quem se fala não é opcional. Sem ela, não há senso de pertencimento. E sem pertencimento compartilhado, projetos e lugares são frágeis e poucos preparados para lidar com os futuros. 

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-Relatorio-Africa-Banner-1024x512.png

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.

Cidades Comestíveis: Um Futuro para as Cidades? 

Cidade comestível de Andernach, pessoas andando entre as plantações que estão integradas aos jardins da cidade.

O conceito de Cidades Comestíveis (Edible cities) é uma abordagem inovadora para o planejamento urbano, propondo que a produção de alimentos seja integrada à paisagem e ao cotidiano das cidades. Essa ideia não se limita a hortas comunitárias; ela visa transformar os espaços urbanos em sistemas produtivos que promovam a soberania alimentar, a resiliência climática e a proximidade entre as pessoas e os recursos naturais. 

Um dos grandes diferenciais da proposta das Cidades Comestíveis é o incentivo e valorização da participação comunitária nas práticas de agricultura urbana, da reutilização de recursos locais (como resíduos orgânicos e água) e da criação de espaços verdes que melhoram a qualidade de vida urbana. Essa abordagem articula-se com a atual proposta de infraestrutura verde urbana que vem repensando a forma de ligar áreas recreativas e Soluções Baseadas na Natureza (SBN). 

O que são Soluções Baseadas na Natureza (SBNs)?  

SBNs são originalmente definidas como soluções que são inspiradas e apoiadas pela natureza e que simultaneamente proporcionam benefícios ambientais, sociais e econômicos e ajudam a construir resiliência. 

As referências de iniciativas de Edible Cities apresentam como ponto chave o envolvimento direto e duradouro das práticas produtivas com os cidadãos em processos sociais. Cria um senso de pertencimento, na medida em que sua participação vai desde a concepção conjunta (co-criação) até a co-implementação e co-gestão a longo prazo desses espaços verdes produtivos, que estão em constante evolução/transformação (Säumel et al., 2019). 

O impacto das mudanças climáticas torna-se cada vez mais evidente e exige soluções que unam a produção de alimentos, a preservação ambiental e a qualidade de vida nas cidades. Ainda mais visto que atualmente, aproximadamente 80% da população brasileira vive em áreas urbanas, e a urbanização continua a crescer em ritmo acelerado em todo o mundo, com projeções de que todas as regiões do planeta se tornem ainda mais urbanizadas até 2050 (FAO, 2018). Como pensar o futuro cada vez mais urbano?  

A agricultura urbana, ao aproximar a produção de alimentos dos consumidores, reduz significativamente as emissões de carbono associadas ao transporte de longa distância. Além disso, a incorporação de vegetações comestíveis em espaços públicos promove a regulação climática local, melhora a permeabilidade do solo, reduz o impacto de enchentes, aumenta a biodiversidade e proporciona uma conexão mais direta entre os moradores e o meio ambiente. As Cidades Comestíveis, surgem como uma abordagem integradora, capaz de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e melhorar as condições urbanas.  

A Alemanha é uma das precursoras na sistematização do conceito “Edible Cities”, combinando inovação, políticas públicas e pesquisa interdisciplinar para integrar a produção de alimentos a estratégias urbanas sustentáveis.  

Andernach 

Um exemplo inspirador desse modelo é a cidade de Andernach, na Alemanha. Desde 2010, Andernach transformou áreas ornamentais em plantações de frutas, legumes e ervas, abertas à colheita gratuita pela população. Essa iniciativa integra a produção de alimentos ao tecido urbano, criando um ciclo de benefícios que se estende por várias dimensões: 

  1. Sustentabilidade e Clima: Andernach reduz emissões, melhora a qualidade do ar e transforma áreas urbanas em sumidouros de carbono. 
  1. Proximidade e Resiliência: A produção local de alimentos torna a cidade mais auto suficiente e menos vulnerável a crises climáticas e interrupções na cadeia alimentar. 
  1. Inclusão e Comunidade: O livre acesso aos alimentos fortalece a equidade, promove um senso de pertencimento e engaja a população em práticas sustentáveis. 

Duas mulheres comendo morangos colhidos dos jardins comestíveis da cidade.
Fonte: https://www.andernach-tourismus.de/en/andernach/the-edible-town

  1. Educação e Conscientização: As plantações se tornam espaços pedagógicos, aumentando a conscientização sobre o impacto das escolhas alimentares na crise climática. 
  1. Saúde Pública e Qualidade de Vida: Promove o consumo de alimentos frescos e saudáveis, enquanto transforma os espaços públicos em áreas de convivência e lazer. 

Andernach não apenas exemplifica o potencial transformador das cidades comestíveis, mas também serve como um modelo de como os centros urbanos podem se adaptar para enfrentar as mudanças climáticas. Essa iniciativa demonstra que cidades podem ser protagonistas na construção de um futuro mais sustentável e conectado, onde os alimentos são produzidos perto de onde as pessoas vivem, promovendo resiliência, qualidade de vida e uma nova relação com o ambiente. 

O caso de Andernach nos desafia a repensar a cidade como um organismo vivo, capaz de alimentar não apenas seus habitantes, mas também o equilíbrio entre sociedade e natureza. 

Fonte: SÄUMEL, I.; REDDY , S.E.; WACHTEL, T. Edible City Solutions — One Step Further to Foster Social Resilience through Enhanced Socio-Cultural Ecosystem Services in Cities. Sustainability, 11(4), 972. 2019. 
FAO.(2018-a). Transforming food and agriculture to achieve the SDGs: 20 interconnected actions to guide decisionmakers. FAO.https://www.fao.org/documents/card/en/c/I9900EN/ 
Foto de capa: https://urbangreenbluegrids.com/projects/the-bible-city-andernach/

Juventude e futuros: Qual é a preocupação e como está sendo solucionada? 

“Vista aérea de um grupo de estudantes uniformizados caminhando em um ambiente escuro e urbano, com iluminação parcial no chão.

Quem nunca ouviu que os jovens são o futuro da nação? É uma fala muito comum, mas será que, ao fazer essa afirmação estamos pensando em quais são as possibilidades de futuro e se estamos preparando a juventude para eles?  Primeiro é importante entender quem compõem a juventude, quais lugares ocupam e como se percebem (ou são percebidos) na sociedade.  

A juventude é definida em três etapas: 1) jovem adolescente, são aqueles de 15 a 17 anos; 2) jovens jovens, de 18 a 24 anos; e por fim 3) jovens adultos, de 25 a 29 anos. Diferente da noção de criança e adolescente instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em que é analisado o desenvolvimento psicológico dos indivíduos, a noção sobre juventude se relaciona também com aspectos sociais e econômicos, ou com a ideia de que são responsáveis e possuem certo nível de independência, ou seja, estão passando pelo processo de amadurecimento e reconhecimento de si na sociedade, ou seja, estão encontrando seu lugar no mundo. 

Mas de que maneira as guerras, crises econômicas e climáticas e todo o senso de escassez e incertezas afetam a juventude?  

“Com o avanço da pandemia, a situação se tornou ainda mais grave, ampliando os índices de jovens sem oportunidades de trabalho e também da evasão escolar, com uma parcela significativa da população sofrendo impactos em seu processo educacional. Todo este contexto tem forte influência no desenvolvimento da população jovem. Caso este cenário não seja revertido, o Brasil vive o risco de ter uma geração perdida e pode desperdiçar a oportunidade de alavancar o seu crescimento utilizando como força motriz a maior população de jovens da sua história” 

Abramo (2024) nos mostra que existe uma ausência de perspectiva de futuro para os jovens que é percebido pelos nem nem (nem estuda, nem trabalha). Basicamente, o que analisamos é um esgotamento da juventude que, se quer, consegue vislumbrar um futuro e sonhar com mudanças significativas e positivas em seu contexto social. 

Em contrapartida, existe uma parcela da juventude sendo capturada pelos conselhos de coachs e pela ideia de que o enriquecimento é fácil, que seguir com os estudos não é uma boa ideia, que o pensamento consegue transformar realidades e que as universidades não servem pra nada, afinal ninguém ganha dinheiro enquanto está estudando, mas gasta com mensalidade, materiais, alimentação, transporte etc. 

Ou seja, temos grupos opostos e que não dialogam. Assim como as políticas públicas pensadas para a juventude porque elas não conseguem compreender as mazelas, dúvidas e incertezas que os assolam. Pelo contrário, existe uma tentativa resolver os prováveis problemas do futuro com ideias do passado e do presente. 

E, de que maneira esse abismo geracional se apresenta? 

Infelizmente, a dificuldade de diálogo entre as gerações é muito comum porque existe um apego ao passado, a ideia de que a vida precisa continuar como sempre foi. Então quando as ideias e o modo de fazer se transformam ou se adaptam à novas necessidades há uma descrença. 

Desta maneira, a juventude consegue se colocar em diferentes lugares, mas não necessariamente é respeitada e têm suas opiniões validadas em todos eles, a ausência ou a pouca experiência prática em certas situações é utilizada como justificativa para deslegitimar as percepções e ideias dos jovens, porque a experiência o know-how pra algumas pessoas é mais importante e legítimo do que o conhecimento teórico ou científico. 

Por isso é tão comum, em alguns momentos ouvirmos que a juventude está perdida, que os jovens não trabalham como antes, que não se importam com nada ou o famoso “na minha época era diferente”, mas é importante ter em mente que as demandas atuais também são diferentes. 

Desejar que os comportamentos se repitam seria um grande erro! 

O excesso de telas, todas as crises (ambiental, climática e econômica) e todas as revoluções tecnológicas são exemplos de situações que se transformaram em problemas gravíssimos e afetam toda a população, em todas as idades. Essas mudanças evidenciam que as vivências, necessidades e problemas de hoje não são os mesmos do passado e tentar resolver os problemas dos futuros com soluções do passado não faz sentido, em especial para crianças e jovens que serão mais afetadas. 

A ausência da juventude na elaboração de projetos e políticas públicas escancaram a gravidade da situação. 

Temos como exemplo a Reforma no Ensino Médio, uma proposta muito interessante porque tenta aproximar a escola e seus conhecimentos das vivências e realidades da juventude. Entretanto, as disciplinas eletivas não geram interesse na juventude, os profissionais da educação não receberam o preparo pras disciplinas que são ministradas, a carga horária não se adequa a realidade de jovens da escola pública, existe uma diminuição da carga horária das disciplinas ‘normais’ e em cidades pequenas com uma ou duas escolas de ensino médio não há poder de escolha. 

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é Posts-Glossa%E2%95%A0urio-Banner-1024x427.png

Sendo assim, o abismo com a juventude aumentou. 

Por fim, é importante pensar a juventude e os futuros com um olhar ampliado. É essencial que tenhamos em mente que os futuros serão habitados mais pela juventude que por nós, portanto eles precisam, pelo menos, idealizar as múltiplas possibilidades que os aguardam e ser parte atuante nos processos. 

Referências: ABRAMO, Helena. Políticas Públicas de Juventude: reconstrução em pauta. Mapas e caminhos de políticas públicas de juventude: qual é a bússola de reconstrução? Ação Educativa, São Paulo, 2024 
Foto de Capa: Pixabay.

A Geração Beta vem aí: como criar lugares à prova de futuro para eles?

Geração Beta usando óculos de Realidade Aumentada em ambiente urbano futurista, ilustrando a fusão entre mundo físico e digital nas cidades do futuro

A partir de 2025, testemunharemos a emergência de uma nova geração que desafiará tudo o que entendemos sobre comportamento urbano, identidade e pertencimento: a Geração Beta. Nascidos entre 2025 e 2039, estes indivíduos constituirão 16% da população global até 2035 e não apenas serão os responsáveis por conduzir o mundo para o próximo século, mas também os primeiros a viver em um mundo onde a distinção entre físico e digital simplesmente não existirá.

Imagine um cotidiano em que:

· A inteligência artificial e a realidade aumentada são tão naturais quanto uma ligação telefônica.

· Viver simultaneamente nos mundos físico e digital é a norma, não a exceção.

· As interações sociais fluem naturalmente entre espaços tangíveis e virtuais sem nenhuma sensação de ruptura.

Diante deste cenário, uma pergunta crucial se impõe: que tipos de lugares precisamos construir para acolher essas novas formas de interação e pertencimento de uma geração que habitará simultaneamente o físico e o digital?

Do analógico ao digital: rumo à Geração Beta

Como um millennial nascido nos anos 80, minha experiência de vida sempre abrangeu duas realidades complementares, porém distintas. A infância foi 100% analógica: para conversar com amigos, era preciso combinar um encontro com alguma antecedência ou tentar a sorte de ir, meio de surpresa, à casa de alguém e tocar a campainha. Já enquanto adolescente, testemunhei e fiz parte da revolução das comunicações e das redes sociais: através de Orkut, MSN e até mesmo mensagens SMS, era possível socializar por horas sem sair de casa ou marcar encontros presenciais com maior assertividade e precisão de tempo.

A revolução da internet foi determinante para a minha geração, mas a linha entre o físico e o virtual sempre foi clara. Agora, para a Geração Beta, essa distinção será obsoleta. Navegar entre realidades será tão instintivo quanto um pássaro alterna o voar e o pousar.

Esta mudança não diminui a importância do espaço físico. Pelo contrário, adiciona novas camadas à nossa compreensão de identidade e comunidade. A questão é: como preparar nossos ambientes urbanos para essa nova realidade?

4 Cenários para Cidades da Geração Beta

É uma pergunta impossível de responder de maneira prescritiva, porque como dizemos por aqui, pensar no futuro singular é pensar no passado. No entanto, podemos explorar alguns cenários bastante iminentes, com base em tudo que sabemos por enquanto. Longe de ser uma lista definitiva, aqui estão algumas possibilidades principais:

1. Flexibilidade como Norma

Esqueça a hegemonia da funcionalidade do espaço. Em vez disso, os lugares serão definidos por sua capacidade adaptativa, ou seja, pela habilidade de se reinventar continuamente, conforme as demandas das comunidades que os habitam. Parece algo muito disruptivo agora, mas para os Betas, esse será o mínimo esperado de um espaço verdadeiramente útil e relevante: menos funções pré-determinadas e mais possibilidades de uso e exploração.

2. Cotidiano Aumentado

Se a premissa de comportamento da Geração Beta é transitar fluidamente entre os mundos físico e digital, precisamos assumir de partida que as experiências em realidade aumentada estarão muito além de smart glasses individuais e totens interativos em espaços públicos: as cidades deverão responder em tempo real às necessidades, emoções e interações de seus moradores e visitantes. A questão não é se viveremos em um mundo aumentado, mas como utilizaremos esta tecnologia para criar espaços tão responsivos quanto as possibilidades digitais que os envolverão.

3. Pertencimento Desterritorializado

Os Betas serão a primeira geração para quem o senso de pertencimento não poderá ser medido apenas pelo limite territorial do bairro e da cidade. O melhor amigo poderá estar a um oceano de distância física e, no entanto, ser tão parte do dia a dia quanto um colega de turma da escola presencial (se é que ela ainda vai existir nos moldes como a conhecemos hoje…). Essa mudança de paradigma incide em, desde já, pensar nos lugares menos como pontos num mapa e mais como destinos de comunidades intencionais.

4. Sustentabilidade Integrada

Quando os Betas chegarem à fase adulta, uma das pautas globais em alta será a comemoração do centenário da Conferência de Estocolmo (1972), considerada o primeiro grande fórum de discussão ambiental da história. Até lá, a sustentabilidade não será mais um ideal em debate, mas a própria essência do modo de vida urbano. Para essa geração, a incorporação de tecnologias regenerativas nos ambientes construídos deverá ser tão óbvia quando a necessidade de um projeto hidráulico ou elétrico.

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-URBAN-FUTURES-REPORT-Regenerativo-Banner-1024x427.png

O segredo reside em ser adaptável aos futuros incertos

Mas, se todos esses cenários são incertos por definição, a própria ideia de preparar lugares para lidar com futuros diferentes não é paradoxal?

Não, porque como dissemos, o objetivo não é prever ou prescrever cada detalhe do futuro (aliás, o nome disso é futurologia, e definitivamente essa não é a especialidade da casa!!!), mas trabalhar a capacidade de adaptação e antecipação do lugar frente às incertezas.

Mais do que a promessa de uma mudança demográfica e comportamental, a chegada da Geração Beta é uma oportunidade e um convite para reavaliarmos como estamos projetando e interagindo com os lugares que habitamos. Quanto mais cedo um bairro, cidade ou região entender sua posição neste processo e agir, mais preparado estará para lidar com as muitas incertezas e crises que aparecerão pelo caminho.

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.

Foto de Capa: Pixabay.

A tecnologia e o nosso percurso pela cidade.

Pessoa encostada em parede usando o celular ao lado de placa de ingressos em Berlim.

Nossas preferências por livros, filmes, séries, comida e até amigos são facilmente disponibilizados pelas já não tão novas tecnologias. A Amazon nos diz o que ler, o Facebook com quem falar, o Netflix o que assistir, o iFood o que comer, o Tinder, bom… deixa o Tinder pra lá…

Esse aparente conforto – afinal agora temos uma enorme quantidade de opções na ponta dos dedos – traz embarcadas duas questões:

1) Será que só devemos nos relacionar com quem pensa da mesma forma que a gente, ou dentro de padrões de comportamento pré-definidos, ainda que por nós mesmos?

2) Será que estamos consumindo apenas conteúdo e informações que tenham sintonia com nossos pontos de vista?

A impressão crescente é que tudo se tornará “personalizado” em um futuro próximo. Não devido às nossas próprias escolhas, mas a compreensão “artificial” (a.i ) das nossas escolhas.

As aspas nunca significaram tanto: personalizado X artificial, embora ambos, no limite, sejam artificiais. Ao que parece perderemos um pouco a nossa capacidade de escolha, imersos em um perímetro cada vez mais estreito daqueles que se comportam como nós.  Numa perspectiva Naisbittiana, o mundo será cada vez mais touch, à medida que for mais tech. De tech não entendo muito, me interessa o touch.

Discutindo exatamente sobre esse assunto e como me incomodava a ideia de não controlar o espectro das minhas interações imaginei um cenário um tanto assustador. E se esse mesmo efeito/fenômeno guiasse nossas ações na cidade em que vivemos ou naquela que estamos visitando? Na verdade ele já nos guia de alguma forma. Aplicativos como o Waze nos dizem por onde dirigir e Maps da vida nos dizem por onde andar, aparentemente visando a facilidade e a otimização do percurso.

Pensar na otimização dos percursos é pensar que nos movemos pela cidade como mero cenário, como uma espécie de obstáculo que nos separa de onde queremos chegar. 

Impossível não comparar esse aspecto extremamente racional com conceitos mais orgânicos como a psicogeografia ou a teoria da deriva, ou de forma ainda mais ampla com o flâneur Benjaminiano (Baudelariano, na verdade, embora tenha sido imortalizado por Walter Benjamin).

O mais curioso é que provavelmente o antídoto para o racionalismo dos algoritmos, que tratam a cidade, como uma espécie de máquina de viver, no melhor estilo da Carta de Atenas (manifesto-guia da arquitetura e urbanismo modernistas criado em 1933, que gerou, entre outras distorções a cidade de Brasília) também se encontre no modernismo, de Baudelaire, Allan Poe e do próprio Benjamin.

O termo psicogeografia foi definido por Guy Debord, ainda nos anos 50 e está ligado ao comportamento lúdico- construtivo que se opõe às noções clássicas de viagem e passeio (Debord, 1958).

Uma ou várias pessoas que se lançam à deriva renunciam, durante um tempo mais ou menos longo, os motivos para deslocar-se ou atuar normalmente em suas relações, trabalhos e entretenimentos próprios de si, para deixar-se levar pelas solicitações do terreno e os encontros que a ele corresponde.”

Claro que existem necessidades diferentes para momentos diferentes, nem sempre você quer “experimentar” o caminho. Às vezes a eficiência é o seu objetivo, ou como chegar mais rápido do ponto A ao ponto B e nem sempre, você terá o espírito observador, descobridor. O flâneur por sua vez é o errante, o observador, e o flanar, a “Gastronomia do Olho” como disse Balzac.


A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no movimento, no fugido e no infinito. Estar fora de casa, e contudo, sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais que a linguagem não pode definir senão toscamente.” – Baudelaire, 1863

É importante compreendermos que a experiência na cidade vai, ou poderia ir, muito além do pragmático, do racional e do otimizado. É claro que para isso é preciso que a cidade também ajude. Já foi dito que uma cidade vibrante deve oferecer uma surpresa a todo o instante durante o percurso, o que nos aponta para a necessidade de uso misto, fachada ativa, lotes menores, vida em comunidade, com mais oportunidades de interação e descoberta.

Sobre a humanização dos espaços, o arquiteto Martín Marcos, referencia Jane Jacobs ao dizer que se quisermos cidades projetadas para o futuro, devemos voltar a olhar o espaço público como o coração da vida moderna, “repensar a rua, a praça, o parque, a arborização e a paisagem urbana, aquela que nos permita humanizar o espaço público e experimentar o encontro, o intercâmbio e a diferença.”

Para Jane Jacobs a rua é uma autêntica e complexa instituição social onde aprendemos a socializar e construir comunidade. Um projeto que foi inspirado nela, é o Jane Walk´s em que caminhadas são organizadas de forma colaborativa, por qualquer pessoa interessada em guiar o passeio. Esse projeto começou no Canadá em 2007, e desde então acontece em várias cidades ao redor do mundo. 

O andar pela cidade pode ser um exercício estético, poético, literário, meditativo. Nesse sentido, é preciso se desconectar, ainda que por alguns instantes da tecnologia, do tech, e se reconectar ao entorno, ao touch, para então seguirmos adiante.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.
Foto de Capa: Caio Esteves.

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-Relatorio-Africa-Banner-1024x512.png

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.

Economia criativa e inovação para criar lugares melhores para se viver.

Pessoas convivem em espaço urbano com vegetação densa e mobiliário público moderno, em ambiente vibrante de cidade.

Durante muito tempo, acreditou-se que o turismo era a única forma legítima de “marcar” um lugar — uma ideia que priorizava o hardware dos lugares, isto é, seus aspectos físicos.

Era necessário que o lugar fosse “belo” para que pudesse ser trabalhado. Em outras palavras: se a sua cidade não tivesse o apelo visual do Rio de Janeiro, de Paris, de Amsterdã ou de Estocolmo, estaria condenada ao ostracismo ou à condição de destino “alternativo”. Na lógica de então, tudo girava em torno do turismo. Ou o lugar era destino — e de preferência, um destino belo — ou simplesmente não era.

Levaram-se anos e algumas crises econômicas globais para que essa visão começasse a mudar. Hoje se compreende que o turismo é apenas um dos vetores possíveis — e não o único — para que um lugar se consolide como uma marca-lugar.

Inovação e criatividade como vetores de desenvolvimento

Neste artigo, destacamos um vetor cada vez mais relevante — talvez menos glamouroso do que o turismo, mas potencialmente mais eficiente: a inovação.

Sim, essa palavra tão usada quanto pouco explicada. Um conceito que parece servir a tudo e a todos, como se inovação fosse uma promessa universal de sucesso — seja qual for o setor.

Mas, afinal, qual é o papel da inovação dentro da cadeia da economia criativa? Qual a relação disso com os lugares? E, antes de tudo: o que é exatamente a economia criativa?

Segundo o caderno de inovação da FGV/EASP, economia criativa é “o conjunto de negócios baseados no capital intelectual, cultural e na criatividade, gerando valor econômico”. De acordo com a mesma fonte, o Brasil possui hoje cerca de 243 mil empresas formais nesse setor, empregando quase 1 milhão de pessoas e representando 2,7% do PIB. Um número nada desprezível.

O termo “economia criativa” foi cunhado no Reino Unido e ganhou força com o livro de John Howkins, Creative Economy: How People Make Money from Ideas (2001).

“A economia criativa abrange todo o ambiente de negócios que existe em torno da indústria criativa, aquela baseada em bens e serviços criativos.”
— Ana Carla Fonseca

O Manual de Oslo define inovação como:

“A implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou de um novo processo, método de marketing ou método organizacional nas práticas de negócios, no ambiente de trabalho ou nas relações externas.”

Talvez a definição mais clara e aplicável esteja no UK Innovation Report:

“Inovação é a exploração bem-sucedida de novas ideias.”

Ou seja, não basta ter uma boa ideia — ela precisa ser viável, colocada em prática e gerar impacto econômico ou social.

Mas o que tudo isso tem a ver com os lugares?

Place branding é o processo que identifica vocações, amplia identidades e fortalece os lugares a partir da perspectiva das pessoas. Um de seus resultados concretos é a clareza sobre quais são os vetores possíveis de crescimento econômico de um lugar.

Um caso quase sempre citado é o Vale do Silício. Alguns afirmam que sua origem remonta ao início do século XX, com os laboratórios ligados ao rádio. Nos anos 1940/50, o reitor da Universidade de Stanford incentivou professores e ex-alunos a abrirem suas próprias empresas — muitas delas nascidas no próprio campus. A universidade funcionava como âncora do lugar que viria a se tornar o epicentro global da inovação.

Mas o fator decisivo por trás do sucesso do Vale não foi sua localização geográfica ou atributos físicos. O que fez a diferença foram as pessoas, as ideias e uma vocação muito bem articulada, capaz de se reinventar ao longo do tempo — do rádio à tecnologia digital.

O posicionamento original, voltado à tecnologia de ponta, nasceu de forma top-down — o reitor escolheu quais empresas queria ali. E deu certo.

Mas hoje, a pergunta que se impõe é:
são as marcas que validam o Vale, ou é o Vale que valida as marcas?
Talvez essa distinção nem importe. O fato é que o lugar se tornou tão relevante que basta estar lá para se considerar inovador. E isso o torna, inegavelmente, uma marca-lugar forte. O “lugar da inovação”.

Construir um lugar de inovação

Inovação não é um elemento isolado. Pouco adianta ter algumas poucas empresas inovadoras em um lugar se o ecossistema ao redor não favorece seu desenvolvimento. Por outro lado, esse ecossistema pode ser construído.

A partir de uma vocação identificada com profundidade — mapeando o potencial local, as demandas regionais e as necessidades da comunidade — é possível estruturar um polo de inovação. Nesse processo, o placemaking se torna uma ferramenta essencial.

“Placemaking é um conceito criado pela ONG Project for Public Spaces (PPS) para definir processos colaborativos de desenho de lugares públicos, considerando os desejos e necessidades das comunidades locais.”

Há uma ligação evidente entre ecossistemas inovadores e juventude. Não que apenas jovens inovem — mas a juventude é, por natureza, mais propensa à disrupção, ao questionamento e à experimentação. Além disso, as novas gerações exigem cada vez mais equilíbrio entre propósito e bem-estar. Isso exige que os lugares de inovação não sejam enclaves fechados, mas sim ecossistemas urbanos integrados.

A Apple pode ter optado por um campus autocentrado. Mas para a maioria das empresas criativas, a conexão com a cidade é vital. Criar lugares públicos de qualidade, espaços de encontro e convivência, é também uma forma de expressar propósito e gerar identificação com a comunidade.

Inovação e cidade: o caso 22@Barcelona

Um exemplo de como inovação e lugar se encontram de forma sistêmica é o projeto 22@Barcelona — que transformou 200 hectares de zona industrial em um distrito de inovação, com infraestrutura de ponta, espaços flexíveis e uso misto.

O projeto está alinhado com a visão de “Barcelona, Cidade do Conhecimento”. Mesmo sendo um destino turístico consolidado, a cidade investiu em novos vetores de desenvolvimento. O 22@ é um reflexo dessa ambição estratégica.

Entre os destaques:

  • Incentivo a atividades baseadas em talento;
  • Redução de deslocamentos casa-trabalho;
  • Espaço urbano desenhado para as pessoas — não para os carros;
  • Prédios tecnológicos convivendo com crianças brincando de amarelinha;
  • Âncoras culturais como o Museu del Disseny e a Torre Agbar.

Conclusão

Como em tudo que envolve cidades, não existe uma única solução. Não se trata apenas de arquitetura, nem apenas de mobilidade, nem só de políticas públicas.

Inovação e economia criativa são vetores reais de desenvolvimento. E talvez estejam entre os mais relevantes para construir cidades mais resilientes — ou melhor, antifrágeis, como propõe Caio Esteves.

O conceito de parques tecnológicos — historicamente isolados — perde força diante da emergência das cidades inovadoras, mais conectadas com o tecido urbano, onde usos se misturam e a vida pulsa.

A pergunta que fica é:

O que esse lugar tem de único enquanto lugar?
A inovação que você busca é importada, ou nasce das singularidades que já existem aí?

Queremos ser o Vale do Silício de algum lugar?
Ou queremos construir, a partir do que somos, os lugares futuros que precisamos?

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é MR-URBAN-FUTURES-REPORT-Regenerativo-Banner-1024x427.png

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.

Aeroportos e o senso de lugar

Área interna de aeroporto com praça central e lojas ao fundo.

Se você viaja constantemente de avião, entre um tira e põe de sapatos, laptops e cintos, o vai e vem das malas com rodinhas que levam tudo o que está pela frente, você provavelmente se pergunta: por que diabos os aeroportos são sempre iguais?

Não interessa em qual região do Brasil se está, o ambiente do aeroporto sempre é genérico, sem personalidade. Essa falta de personalidade confere aos aeroportos, do Brasil e do mundo, em sua maciça maioria, um status de “não lugares”.

O termo lugar, que vem do latim localis, de locus, é algo totalmente corriqueiro no nosso dia a dia. “Não lugar”, por sua vez, é um termo desconhecido por grande parte de nós. Mas o que faz, de um lugar, um lugar?

Para a geografia humanista, em especial para Tuan, “O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado, quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar”.

“Dessa forma podemos dizer que lugares são espaços com significado atribuído pelo homem, portanto só existem lugares quando existem pessoas” (ESTEVES, 2016).

Lugares e não lugares

Essa discussão sobre lugares, espaços e não lugares é essencial quando falamos de senso de pertencimento, senso de lugar e, claro, de place branding.

O conceito do “não lugar” foi chamado por Edward Relph de “placelessness”. Para Marc Augé, os não lugares não apresentam carga simbólica, significado suficiente, sendo lugares genéricos, que poderiam estar em qualquer parte, em outro contexto.

No livro Place Branding, sugeri um experimento hipotético que chamei de “efeito sonâmbulo”. Nele, eu refletia sobre a possível dissonância cognitiva naqueles que, acostumados a viagens constantes a trabalho e por questões que envolvem convênios entre empresas, hospedam-se sempre na mesma cadeia de hotéis. Se extremarmos esse pensamento, podemos imaginar uma dificuldade de se entender em que cidade o viajante se encontra, uma vez que os quartos são religiosamente iguais, algo que, inclusive, é uma proposta de valor dessas cadeias internacionais, a “não surpresa”.

Isso mostra que não lugares são, antes de tudo, lugares sem alma, não reconhecíveis, lugares onde você corre o risco de não saber onde está.

Para mim, a melhor definição de não lugar veio de Gertrud Stein, escritora e poetisa americana, que, ao se referir à cidade da sua infância, Oakland, escreveu em sua obra chamada “A Autobiografia de Alice B. Toklas“:

THERE IS NO THERE THERE, ou NÃO EXISTE LÁ LÁ

A ideia de uma “alma do lugar” não é exatamente nova. “Genius loco” é um termo latino que se refere ao “espírito do lugar”, objeto de culto na religião romana, e aparece por volta de 27 a.C. Posteriormente, o geógrafo Christian Norberg-Schulz, retomou o termo para definir uma abordagem fenomenológica da relação entre identidade e lugar, tornando o conceito mais palatável para o mundo atual.

Será que os aeroportos estão fadados a serem não lugares para sempre?

Quando pensamos em aeroportos, do que lembramos imediatamente?

Das filas na imigração, da chatice de tirar sapatos, laptops, cintos, do stress de perder o voo, isso tudo quando você não pertence ao seleto grupo dos que simplesmente morrem de medo de aviões.

Além do vai e vem desenfreado e do benefício específico de ser a maneira mais rápida de ir do ponto A ao ponto B, os aeroportos têm vocações ainda inexploradas pela maioria das cidades do mundo.

“Um aeroporto é o primeiro ponto de contato e ao mesmo tempo a última memória de um destino.”

Pensando a partir dessa perspectiva, os aeroportos têm o potencial de criar uma relação clara entre o lugar onde estão inseridos e os visitantes que passam por ele, isso sem contar a possibilidade dos próprios aeroportos se tornarem destinos propriamente ditos.

Se puxarmos pela memória, veremos que de alguma forma isso já foi uma verdade, em um passado não tão distante. Basta lembrar o “passeio” de paulistanos, por exemplo, onde a graça era ver os pousos e decolagens no aeroporto de Congonhas.

Claro que esse fascínio não existe mais, uma vez que os aeroportos se tornaram tão banais quanto as rodoviárias, sem o glamour de outros tempos, mas ainda assim alguns aeroportos no mundo já começaram a entender e retomar essa nova/velha vocação do aeroporto como destino.

O aeroporto Changi, em Singapura, por exemplo, tem uma piscina na cobertura do hotel localizado no Terminal 1. Isso mesmo, uma piscina onde você, viajante, pode dar uns mergulhos vendo os aviões. Claro que não é de graça.

Outros aeroportos, como os da Escandinávia, trabalham de forma bastante eficiente a gastronomia local em suas áreas de alimentação e compras, uma das formas de comunicar a cultura local, além de criar áreas de repouso, uma vez que várias pesquisas apontam que passageiros mais relaxados têm propensão a gastar mais nos aeroportos.

Ou seja, começou-se a entender a necessidade de se criar uma experiência para os usuários dos aeroportos, que inclusive devem mudar de nome, de usuários para “hóspedes” ou “convidados”, como sugere o artigo do Place Brand Observer.

E no Brasil?

Por aqui, tratamos os aeroportos realmente como não lugares, não os diferenciamos uns dos outros, temos as mesmas praças de alimentação genéricas, independentemente da região em que estivermos, não contamos nada da nossa cultura local nesse importantíssimo “ponto de contato” entre visitantes e possíveis visitantes, uma vez que podemos estar no aeroporto unicamente para uma conexão de um voo mais longo.

Infelizmente, ainda não é possível compartilhar de elementos da cultura local em nenhum dos aeroportos brasileiros, mas, afinal, como fazer isso?

Uma resposta senso comum diria: “Design!” Sim, design de experiência.

A questão que trago é anterior, pois antes dessa experiência é preciso entender o que esse lugar representa, qual a sua singularidade (sempre ela), e essa é uma função do Place Branding.

A compreensão dessa singularidade é o argumento necessário para o desenho de uma experiência memorável nos aeroportos. Experiência que cria desejo, deixa saudade, que serve como uma espécie de portal entre diferentes culturas, de área de descompressão entre a realidade genérica das companhias aéreas e a cultura local que se descortinará a poucos passos.

É preciso olhar para os aeroportos como pontos de contato essenciais para as marcas-lugar e, mais do que isso, para a marca-Brasil (sim, essa mesmo que ainda não existe).

Engana-se quem acha que esse movimento é exclusivo do governo federal ou da Infraero, pois ele cabe também às companhias aéreas, que podem e devem criar experiências mais memoráveis para seus “convidados”, como por exemplo, conectando sua cultura de origem à experiência da companhia aérea, afinal, o que a Latam, Azul e Gol promovem do Brasil na experiência de seus voos internacionais?

Se olharmos a quantidade de pousos e decolagens nos aeroportos internacionais do país, poderemos ter uma dimensão da oportunidade perdida. Se somarmos só São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, tivemos 70.646.490 passageiros, só em 2016, segundo a estatística da Infraero.

Quantos deles se sentiram atraídos pelo lugar onde pousaram? Ou melhor, será que pousaram mesmo em um lugar

Mas qual seria o futuro possível dos aeroportos?

Sob a perspectiva do place branding, os aeroportos poderiam ser, além de destinos propriamente ditos, um equipamento de comunicação da singularidade dos lugares onde eles estão inseridos.

Dessa forma, seria possível criar experiências memoráveis para os usuários, principalmente quando levamos em conta o tempo gasto na espera de um voo ou conexão. Essa espera, além de mais agradável, poderia despertar a curiosidade dos passageiros por aquele destino ou, ainda, criar uma transição agradável entre o aeroporto e a cidade, entre a cultura do visitante e a cultura local.

Esse movimento se daria através do design das instalações, permanentes e temporárias, além de uma curadoria atenta às características singulares da cidade/região do aeroporto. No aeroporto Schipol, vemos quiosques dos museus vendendo todo o tipo de souvenirs de Van Gogh e cia, e, em contrapartida, o que oferecemos nos nossos? Será que encontramos JBorges para vender em Recife? Athos Bulcão em Brasília? É possível apreciar a “baixa gastronomia” carioca no Santos Dumont ou no Galeão?

Se os aeroportos são uma espécie de ponte entre destinos, eles também poderiam, ou melhor, deveriam, conectar culturas e, com isso, promover destinos.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.
Foto de Capa: Caio Esteves.

Se você está pensando em como tornar seu lugar mais preparado para o futuro, com estratégia, identidade e participação real, podemos começar essa conversa. Saiba mais sobre a N/ Lugares Futuros ou entre em contato.