Se o enraizamento é uma necessidade da alma, o desenraizamento é uma doença social

A amplitude do O Futuro das coisas sempre me surpreendeu. Não raro, algum leitor me contacta nas redes sociais e comenta sobre um artigo recente ou compartilha e me marca ou ainda me encontra em algum evento e comenta sobre meus textos nesse espaço. Mas o que mais me surpreende mesmo é quando amigos de longa data me chamam para falar sobre determinado artigo assim que é publicado. De verdade, não entendo como pessoas que me conhecem há tanto tempo, ainda, tem tempo para ler as bobagens desse colunista, extremamente nichadas, que interessam a um número reduzidíssimo de leitores, mas que esse time editorial insiste em manter em seus quadros.

Um desses casos aconteceu precisamente no último artigo que falava sobre indicações geográficas e desterritorialização. Nutro um minúsculo número de amigos, pelos quais não tenho só um enorme carinho, mas principalmente admiração. São tão poucos que nem preciso citá-los. Claro que admiro um monte de gente, mas infeliz ou felizmente não os conheço pessoalmente, até porque, a cada dia fica mais difícil separar autor e obra e muitas vezes é melhor não conhecer seus ídolos de perto.

Foi justamente uma dessas amigas que me chamou para uma conversa após o artigo citado, conversa essa que de tão instigante, resultou nesse presente texto. O trabalho dela que envolve mulheres refugiadas e o senso de pertencimento diante da situação limite do refúgio foi nosso ponto de partida, nada mais desterritorializado do que isso.

Numa rápida pesquisa no site da ACNUR, agência da ONU para refugiados, conseguimos entender o quão crítica é a situação e, ao mesmo tempo, imaginar a possibilidade de agravamento ao levarmos em conta as mudanças climáticas em curso. Pouco menos de noventa milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas, e dessas, mais de vinte e sete milhões são refugiados, onde metade deles tem menos de 18 anos.

Talvez, ao pensarmos em refugiados, lembremos automaticamente da Síria, que de fato representa 27% (6,8 milhões de pessoas) da origem dos refugiados. Surpreendente, a segunda colocada nesse ranking é nossa vizinha Venezuela com 18% dos refugiados (4,6 milhões de pessoas). No Brasil, no início de 2023 abrigávamos mais de 65.000 pessoas reconhecidas como refugiados, em sua maior parte venezuelanos (dados entre 2011 e 2021), seguidos por sírios e congoleses.

Ao longo da nossa conversa buscávamos entender como se dá a territorialidade durante processos de refúgio e abrigamento. Sempre é preciso lembrar que um lugar é feito de pessoas e, portanto, pelo grupo que habita determinado território. Se o lugar é feito pelas pessoas, qual seria então o problema do refúgio ou do abrigamento?

Deixando as óbvias dificuldades materiais, temos uma série de impactos a  observar. Nesse ponto, não deixava de pensar numa autora que me foi apresentada após uma palestra que dei em Belo Horizonte, por uma pesquisadora que tinha se debruçado sobre o tema para sua tese de doutorado, e me fez uma resenha quase tão boa quanto o próprio livro. Tratava-se de Simone Weil, escritora e filósofa francesa da primeira metade do século XX e seu trabalho derradeiro chamado “O Enraizamento”. Como sempre, pego emprestado aquilo que me faz sentido e, com isso, deixo de lado as características mais esotéricas e religiosas que envolvem o pensamento weiliano. Entre o que me faz sentido, encontro o que considero o cerne do seu livro, algo que ela chama de “Necessidades da Alma”, que completariam as necessidades físicas, porém com maior dificuldade de reconhecimento uma vez que não tinham relação direta com o corpo.

“O primeiro estudo a fazer a ser feito é o das exigências que são para a vida da alma aquilo que são as exigências do alimento, do sono e do calor para a vida do corpo. Deve-se tentar enumerá-las e defini-las. Não se pode confundi-las com os desejos, os caprichos, as fantasias, os vícios. Deve-se também distinguir o essencial do acidental. O homem carece não de arroz ou de batatas, mas de alimento; não de lenha ou de carvão, mas de calor. O mesmo com as exigências da alma: deve-se reconhecer as satisfações diferentes, mas equivalentes, que respondem às mesmas exigências.” (WEIL, p. 17)

As necessidades da alma, para Weill são: ordem, liberdade, obediência, responsabilidade, igualdade, hierarquia, honra, castigo, liberdade de opinião, segurança, risco, propriedade privada, propriedade coletiva e verdade, além do enraizamento.

“O enraizamento é talvez a exigência mais importante e ignorada da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. Um ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos presságios do porvir. Participação natural, isto é, suscitada automaticamente por lugar, nascimento, profissão e ambiente. Todo ser humano precisa ter múltiplas raízes.” (WEIL, p. 65)

Por motivos óbvios, o interesse para esse artigo recai sobre os conceitos de enraizamento e desenraizamento, que podemos, de várias formas, compará-los às ideias de territorialização e desterritorialização e ainda apontar para uma terceira hipótese como a reenraizamento, assim como falamos de reterritorialização. Se o enraizamento é uma necessidade da alma, o desenraizamento, por sua vez, é uma doença social. Entre os três tipos de dezenraizamento, o chamado “desenraizamento geográfico e nação”, é o mais relevante para esse artigo.

Hoje, todos os franceses sabem o que perderam desde quando a França naufragou. Sabem disso como sabem o que falta quando não se come. Sabem que uma parte da sua alma está tão colada à França que, quando a França lhes é tirada, permanece colada, como a pele a um objeto tórrido, e assim é arrancada. Há, portanto algo a que está colada uma parte da alma de cada francês, a mesma para todos, única, real embora impalpável, e real à maneira das coisas que se podem tocar. Desse modo, o que ameaça a França de destruição – e em certas circunstâncias uma invasão é uma ameaça de destruição – equivale à ameaça de uma mutilação física de todos os franceses, e dos seus filhos e dos seus netos, e dos seus descendentes a perder de vista. Pois há populações que nunca convalesceram de uma conquista sofrida.” (WEIL, 2001, p. 182).

Se os refugiados são, por definição, pessoas desterritorializadas, será seu destino também o dezenraizamento? Acredito que não. Da mesma forma que Weil separa as necessidades do corpo das necessidades da alma, é preciso esse tipo de atenção aos movimentos migratórios involuntários.

É absolutamente compreensível que organizações humanitárias usem a “lente” das necessidades do corpo como abordagem objetiva, afinal, é preciso garantir que as pessoas estejam vivas e, portanto, alimentadas e saudáveis antes de qualquer outra coisa. A questão desse processo também levantada pela filósofa francesa é que a falta dos elementos que compõem as necessidades da alma, podem influenciar diretamente na saúde física das pessoas, e levá-las ao que chamou de “malheur”, palavra sem correspondente em português mas que comumente é traduzida como infelicidade mas sem a capacidade de absorver toda a carga filosófica embarcada no termo weiliano.

O enraizamento, ou melhor, o reenraizamento, ouso dizer, se dá a partir da cultura. Após a lente da necessidade física é preciso usar a lente da cultura, da identidade. Gosto da ideia da cultura como um patrimônio social. O Antropólogo inglês Edward Tylor definiu cultura como “um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e todas as produções dos homens em sociedade”. Quanto a identidade, numa abordagem mais contemporânea, temos Stuart Hall e seu sujeito pós-moderno, sem identidade fixa ou permanente, que se molda ao seu tempo:

“…. sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas…” (HALL, 2006)

Embora Hall nos dê algumas dicas sobre como o homem contemporâneo tem uma maior capacidade (e necessidade) de adaptação, ainda precisamos entender como fazê-lo quando esse processo é involuntário. No que se refere aos refugiados, minha hipótese é que os campos de refugiados funcionem como o Metaxo platônico, também utilizado por Weil, mas com a grafia metaxuMetaxo ou metaxia é algo com função de meio, intermediário ou conectivo. Proponho essa reflexão menos na forma transcendental usada por Weil, mas como intermédio entre dezenraizamento e reenraizamento, ou se preferirem, nos termos deleuze-guattarianos, mais comuns nos meus artigos, desterritorialização e reterritorialização.

Para que os abrigamentos possam servir de metaxo, a lente da cultura e da identidade precisa estar presente e ter a mesma importância da abordagem fisiológica. Para que isso aconteça é preciso parar de pensar unicamente na macroescala, absolutamente compreensível frente ao tamanho do problema e entender, mais uma vez, que a microescala, nesse caso não a escala do indivíduo, mas a escala da cultura, em forma de grupo, é tão importante quanto.

Os grupos recém-chegados podem exercer sua cultura e identidade no novo agrupamento, teoricamente provisório? Existem as condições necessárias para tal? Não adianta adotarmos os radicalismos e abraçarmos ideias como “já tem abrigo e comida, querem mais o que?”. Bastaria o conceito básico de humanidade para contrapor esse argumento, mas como vimos ao longo desse artigo, talvez, o completo desenraizamento mate as pessoas da mesma forma que a fome ou a doença, só que com requintes de crueldade, dada a sua lenta e invisível velocidade.

Se a comida e o abrigo são o hardware, a cultura e a possibilidade de exercê-la são mais do que o software, são o próprio peopleware, lembrando que hardware são elementos físicos e imóveis de um lugar, o software é o conjunto de atividades que ocorrem no lugar e o peopleware a cultura e identidade do lugar, baseado em quem o habita, ainda que transitoriamente. É preciso entender o caráter provisório e emergencial dos abrigamentos, mas é preciso entender também o caráter permanente da cultura, ainda que essa perenidade reflita apenas as dimensões mais profundas dos seres humanos, e como isso é capaz de impactar-nos e como sem isso podemos estar saudáveis fisiologicamente, mas completamente desprovidos daquilo que ao fim e ao cabo, nos torna humanos.

Referências Bibliográficas

HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 2006.
Weill, Simone. O Enraizamento. Belo Horizonte. Âyné, 2022

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/se-o-enraizamento-e-uma-necessidade-da-alma-o-desenraizamento-e-uma-doenca-social/)
Foto de Capa: ACNUR/Georgina Goodwin.

Marcas-lugar e Indicação Geográfica num Mundo Desterritorializado

Toda vez que alguém pergunta o que faço, típica pergunta que só acontece em São Paulo, eu fico numa enorme saia justa. Se falar minha atuação, onze em cada dez pessoas farão cara de interrogação; se tentar sair pela tangente, acabo colaborando com a confusão que há anos trabalho para esclarecer. Na falta de uma tradução satisfatória, usamos no Brasil o termo Place Branding, que se não bastasse o anglicismo um tanto irritante, já vem carregado por si só de uma série de confusões históricas. O termo place, passada a barreira da língua, torna-se o menor dos males, a coisa encrenca mesmo quando chega no branding, aí vira a festa do caqui, publicidade, design, marketing, logotipo, desenhinho, corzinha, letrinha, e pronto, temos a tempestade perfeita.

Da mesma forma que branding não é, e nem nunca foi, publicidade ou design ou mesmo marketing, place branding trilha o mesmo caminho comum. A cada determinado espaço de tempo somos atingidos por um termo, um neologismo, uma reinvenção, que se tornam queridinhas de público e crítica. Vimos isso acontecer com enorme impacto no design: nail designcake designdesign de sobrancelha. O design foi tão aceito na sua importância que hoje tudo é design. Ainda que muita coisa de fato seja design, essa massificação do termo talvez, penso eu, tenha trazido mais problemas do que benefícios para os profissionais da área. 

Antes de tudo é preciso entender que branding (que vem do ato contínuo de construir marcas e já explicita, no próprio nome, que uma marca é um “ser” vivo, em constante adaptação, evolução) é uma ideia, um ativo intangível associado (originalmente) a determinada empresa/ marca/ produto ou serviço. Isso já foi extensamente discutido no mercado, na academia e até na mídia e hoje é relativamente fácil, ainda que não saibamos exatamente o nome ou a expertise, entender o que uma marca representa.

Todos nós estamos cercados por marcas. Você está lendo esse texto num computador, ou num dispositivo qualquer, produto de uma marca. Talvez você o ame, talvez você o odeie, mas dificilmente, hoje em dia, você terá uma relação de indiferença. Pode ser aquele último modelo de notebook que você deu um gás danado pra conseguir comprar ou aquele laptop velho do seu trabalho que te empurraram porque você chegou por último na empresa em tempos de trabalho híbrido e sobrou para você, o fato é que a marca desse computador tem impacto (sofre e promove) sobre essa sua sensação.

Se hoje essa relação entre pessoas e marcas é de fácil percepção, quando falamos dos lugares isso fica ainda mais claro, mesmo que você até agora nunca tenha parado para pensar, que um lugar pode ser (e quase sempre é, quer queiramos ou não) uma marca. Ao pensar em algum lugar do mundo com o qual você se identifica – ou acredita que se identificaria –, automaticamente saberá dizer o que aquele lugar representa, pelo menos para você. Aqui, faço uma pergunta que vai diferenciar automaticamente o place branding de todo o resto. Esse lugar com o qual você se identifica, você sabe qual o logotipo dele? Aliás, você sabe se ele sequer tem um logotipo? Sabe qual o slogan? Quais as ações promocionais? Não, claro, afinal nada disso tem importância quando falamos de lugares.

Esse sentimento que temos em relação a determinado lugar é o que chamamos de marca-lugar (place brand) e no fundo, o place branding trabalha continuamente para fortalecer ou desenvolver esse sentimento, partindo da identidade, ou seja, da própria comunidade. Todas as ações de promoção, venda, divulgação e até construção são subsequentes, afinal se a marca-lugar é resultado e resultante da identidade do lugar, nada mais óbvio do que o alinhamento de todas as ações em torno dessa marca-lugar.

Por isso me causa estranheza quando vejo, continuamente, ações de promoção de marca-lugar serem divulgadas como a própria marca-lugar. Recentemente, a discussão tem se concentrado na relação entre I.G (indicação geográfica) e marcas-lugar. Antes de aprofundarmos na relação entre os termos, precisamos entender o que é uma I.G. Segundo o governo brasileiro:

O registro de Indicação Geográfica (IG) é conferido a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de os distinguir em relação aos seus similares disponíveis no mercado. São produtos que apresentam uma qualidade única em função de recursos naturais como solo, vegetação, clima e saber fazer (know-how ou savoir-faire). O que é Indicação Geográfica? Como obter o registro? — Ministério da Agricultura e Pecuária (www.gov.br)

A definição é muito clara, inclusive no próprio nome, ao limitar a indicação geográfica ao território específico, seja através dos recursos naturais disponíveis, seja através do saber fazer local. Aqui, precisaremos aprofundar a discussão e fazer algumas bifurcações conceituais. Comecemos pela mais óbvia: se uma marca-lugar é o sentimento que mantemos por determinado lugar, a indicação geográfica, através de seus produtos e serviços pode contribuir significativamente para esse sentimento desejado por estrategistas e gestores dos lugares. Exemplos disso são abundantes. Lugares idílicos como a Toscana envolvem, em seu “pacote de ativos”, uma produção vinícola reconhecida mundialmente. As pessoas continuariam amando a Toscana, suas belas paisagens e cultura abundante sem os reconhecidos vinhos Brunellos e Chiantis Clássicos? Provavelmente. Tudo isso ajudou a fortalecer os sentimentos em relação a esse lugar? Sem a menor sombra de dúvida.

Dito isso, podemos concluir que as indicações geográficas estão inseridas no universo do que podemos chamar de ativação de marca-lugar, sendo uma estratégia importantíssima para a divulgação, promoção e fortalecimento das cidades e regiões, mas não se trata, em momento algum, da marca-lugar em si.

Uma marca-lugar, deveria ser muito mais abrangente e plural do que uma determinada produção (material ou imaterial) por mais relevante que essa produção possa ser. Continuando no mesmo exemplo podemos facilmente comprovar que muito além dos vinhos D.O.C (Denominazione di Origine Controllata) toscanos, a região conta com outros produtos e outros ativos incrivelmente relevantes, como por exemplo, todo o patrimônio cultural e artístico do Renascimento presente em sua capital Florença.

Se a indicação geográfica fosse a marca-lugar toscana, Leonardo DaVinci, Dante e Donatello, entre tantos outros, estariam de fora desse sentimento, e, portanto, dessa marca-lugar. Parece absurdo? E ainda tem as paisagens, a arquitetura, a gastronomia… A Toscana, e provavelmente toda a Itália, é um exemplo bastante grandiloquente, mas poderia ser o Brasil. Imaginou se fossemos só o “Café do Brasil”? Onde estariam nossa arte, cultura, comportamento, música, dança, arquitetura, criatividade, inovação? O café, assim como tantos outros produtos tangíveis e intangíveis nos posicionam mundo afora, mas eles não são o Brasil propriamente dito.

Agora que ficou claro a importância das indicações geográficas da mesma forma que esclarecemos que marca-lugar e I.G, embora umbilicalmente conectados, são coisas diferentes, cada um com sua importância, podemos ir adiante para um face mais complexa do assunto. Indicações geográficas, se referem, por definição, ao território, como vimos na citação do governo federal. O território é, por sua vez, um tema central na discussão do place branding, especialmente no mundo pós pandemia.

Muito se discutiu, e escrevi extensivamente aqui mesmo no O Futuro das Coisas, sobre a função do território nas marcas-lugar, ou melhor, o que seria o território após a pandemia. Sempre fui crítico ao termo marca-território, ao entender que uma marca-lugar, pode e deve ir muito além do seu território. O conceito delleuzi-guattariano de desterritorialização foi acelerado, atualizado diante da crise sanitária. Era preciso, definitivamente, pensar em formas de levar a experiência de uma marca-lugar para além do seu território, uma vez que ninguém, durante um período incerto, poderia visitá-lo, independente do motivo ou objetivo.

Países e cidades mais maduros, do ponto de vista do place branding, correram para desenvolver ações que levassem seus ativos para um mundo agora preso dentro de quatro paredes, foi o caso de Helsinki e das Ilhas Faroé, entre outros.  A desterritorialização é um processo de essencial compreensão para as cidades e países contemporâneos, ou seja, imaginar formas de levar uma experiência autêntica para além de seu território em uma postura mais ativa do que a passividade tradicional de apenas publicitar o lugar à espera de visitantes ou compradores de determinado produto, serviço ou destino.

E aí, voltamos às indicações geográficas. Como elas funcionam num mundo desterritorializado? Se a primeira impressão pode ser a de que seria algo fora do seu tempo, já que o território em si aparentemente perdeu um pouco da sua importância (claro que menos para o turismo e mais para a atração e retenção de talentos por exemplo) me parece que o caminho pode ser justamente o oposto.

I.Gs fortes e conectadas com a marca-lugar podem amplificar a identidade dos lugares e levá-los para muito além de suas fronteiras. A palavra-chave aqui é justamente a conexão, entre território e marca-lugar, não como sinônimos, mas como complementos. Se na desterritorialização precisamos, de todas as formas, fortalecer nossa identidade de lugar, ainda que distante de nossa origem, uma boa estratégia de I.Gs, autênticas e relevantes, podem contribuir de forma significativa para o sucesso dos lugares. O contrário é igualmente verdadeiro, marcas-lugar fortes alavancam indicações geográficas ao ponto de encontrarmos um “dilema Tostines”.

Será que as I.Gs são fortes porque vêm de marcas-lugar fortes, ou as marcas-lugar são fortes porque tem I.Gs (ainda que não formatadas estrategicamente) fortes? A resposta, é uma outra pergunta: Isso interessa?

Se as estratégias de promoção e fortalecimento de uma marca-lugar devem ser alinhadas e uníssonas quanto ao conceito, não faz muita diferença para um lugar a forma como sua percepção é criada, se pela cidade, país ou estado, ou se por algum ativo tangível ou intangível que nos impactou direta ou indiretamente. Essa soma de dimensões capazes de criar sensações poderosas nas pessoas é o que chamamos de marca-lugar. Essa impressão criada a partir de várias dimensões, quando atrelada aos países, costuma ser chamada de Soft Power, forma de influência na percepção de terceiros através de características culturais e de identidade (entre outras) que se opõe ao Hard Power simbolizado pelo poderio militar e pela economia/PIB, mas nesse caso específico, já é assunto para outro artigo.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/marcas-lugar-e-indicacao-geografica-num-mundo-desterritorializado/)
Foto de Capa: Visit Faroe Islands

Uma Vida com Sentido nos Lugares que Habitamos

Venho sistematicamente escrevendo nesse espaço sobre a questão urbana e inevitavelmente sobre o futuro das cidades. Hoje, a pedidos, farei algo um pouco diferente. Refletirei sobre como poderiam ser as cidades no futuro.

Com meus dotes limitadíssimos de futurista, especialidade da qual tenho enorme simpatia e o prazer de uma interlocução com experts, deixarei os carros voadores autônomos, cyber humanos e metaverso para eles e me prenderei às questões urbanas e, por que não, mundanas (se bem que do famigerado metaverso eu serei obrigado a falar).

Muito provavelmente a cidade do futuro já começou a ser desenhada ao enfrentarmos a pandemia da covid-19, pelo menos como ela seria diante de um momento de ruptura como vivemos a partir de 2020.

Não é preciso grande pesquisa para, rapidamente, pensarmos em modelos de cidades que um dia foram “do futuro”. Vale lembrar que um modelo de cidade, é, na verdade, um modelo de sociedade, ou pelo menos deveria refletir seus anseios e necessidades.

 O futuro já foi o verde das “cidades-jardim” de Howard no final do século XIX; o progresso da “cidade moderna” da Carta de Atenas, de Le Corbusier e Cia; e, agora, parece ser o tal metaverso, muito bem descrito por Stephenson no romance cyber-punk Snow Crash de 1992 e ainda um tanto superficialmente explicado por Mr.Mark na empresa agora chamada, vejam só, Meta.

Se você, leitor e leitora, já se deparou com algum dos meus textos, sabe o quanto me preocupa a ideia de um mundo das máquinas, como uma mistura de Matrix com o robô Sophia e sua ironia assustadora, envoltos numa ideia aterrorizante onde a tecnologia sobrepuja a humanidade ao invés de trabalhar com ela. Na verdade acho que esse meu imaginário se formou quando vi Tron ( por favor, a primeira versão), depois Jogos de Guerra e muito mais recentemente se consolidou quando a inteligência artificial Alpha Go deu uma surra em um campeão humano no jogo que até então era dominado pelo “touch” e não pelo “tech”. O ano era 2016, tudo bem, foi ontem, mas lembre-se, o jogo chinês “Go” é, ou era, considerado um dos mais complexos do mundo. O xadrez já estava dominado por nossos pares biônicos desde 1997.

Por isso, é inevitável que, ao pensar na cidade do futuro, eu imagine, automaticamente, um lugar distópico, cyber-punk ao melhor estilo “Ghost in the Shell”, embora ultimamente esse lugar do futuro imagético esteja mais para “O Livro de Eli”. Enquanto o primeiro se passa numa Tóquio do futuro, repleta de humanos com implantes biônicos, o segundo se passa num cenário onde a escassez de água e comida determinam as relações de poder.

Evidentemente não sou contra a tecnologia, muito pelo contrário, ela está tão à minha volta quanto à sua volta, quando não, dentro de nós mesmos. Ainda assim, a enxergo como meio, como veículo de algo que é essencial hoje, que nos foi lembrado a duras penas pelos lockdowns da vida, na mesma medida que será no futuro, a vida em comunidade.

Desde os tempos imemoriais procuramos o sentido da vida, na religião, na ciência, nas artes. Atualmente, procuramos uma vida com sentido nos lugares que habitamos, mais precisamente nas cidades. A inserção na vida comunitária ativa parece ser um dos caminhos para essa significância. Termos identificação com o grupo onde estamos inseridos é o primeiro passo para nos identificarmos com o lugar onde vivemos. Lembremos da geografia humanista mais uma vez.

É importante qualificar essa vida em comunidade. Não me refiro à vida coletiva das reuniões de condomínio ou da escola dos filhos, ainda que obviamente elas façam parte, muitas vezes por obrigação, de nossa rotina, mas sim, da vida coletiva estritamente opcional, a padaria que se frequenta, a loja da esquina, o restaurante do almoço cotidiano, a relação que se estabelece entre funcionários, donos e clientes, uma comunidade muitas vezes informal, formada por pessoas que, nem sempre, moram no mesmo lugar, mas que certamente frequentam o mesmo lugar.

A fila do pão na padaria hipster, enquanto observo as figuras saídas da novela Dancing Days, a escolha do vinho orgânico na loja ainda mais hipster que a padaria, que fica do outro lado da rua, a balada modernete, o restaurante indiano-vegano-descolex, são alguns dos exemplos reais do meu bairro. Esse velho que vos escreve se enquadra nesse cenário? Provavelmente não, embora minha barba, já meio (ou quase) branca, me autorize a pertencer. O fato é que me identifico com essa diversidade, essa vibração, mesmo que muitas vezes me sinta num esquete do Porta dos Fundos zombando os paulistanos.

Esta micro dinâmica local me parece o futuro das cidades, não por estar na moda com a cidade parisisense de 15 minutos, mas justamente por ser mais antiga do que qualquer outra forma de organização urbana que conhecemos.

A cidade do futuro é a cidade do passado na sua versão 2.0

Segundo o Jan Gehl, um dos autores que moldaram a minha visão de mundo urbano, nós esquecemos como fazer cidades para pessoas. Estamos presos numa espécie do dia da marmota numa visão retro-futurista de progresso ligado inicialmente a uma visão tecnológica de um mundo autocêntrico e às maravilhas da velocidade, e, mais recentemente, a uma visão digital de metaverso. Enquanto a primeira visão nos desterritorializava, a segunda nos desmaterializa.

No meu livro Cidade Antifrágil abordo, entre outras coisas, da necessidade da vitalidade comunitária relacionada ao comércio local, que podemos chamar de micro centralidade e sobre a importância da micro escala, que chamei de escala humana. Muito já foi escrito sobre a importância da escala humana na arquitetura, especialmente nos textos críticos ao urbanismo modernista, que para os brasileiros responde pelo nome de Brasília. Falou-se muito da escala na forma, na tipologia, no desenho urbano. Chamo a atenção especial para a escala humana nas relações pessoais e de poder.

Na esfera das relações pessoais a coisa fica extremamente simples de ser exemplificada: dos milhares de “amigos” que você ostenta nas redes sociais, quantos deles você realmente conhece? Com quantos você interage de forma consistente além de mandar parabéns quando a plataforma lembra a data? Ou, nas esferas de poder, quem você acha que sabe mais sobre as suas necessidades, o governo municipal (através de uma subprefeitura por exemplo) ou o governo federal?

O ponto aqui é a proximidade com o problema e a solução, a quantidade de intermediários e níveis hierárquicos, e a dimensão do universo de preocupação. Proximidade com o outro é também um caminho para uma melhor gestão urbana.

Escrevi em algum artigo, no passado recente, sobre uma ideia que tive logo após o lançamento do Cidade Antifrágil, ainda no meio da loucura dos dias sombrios da pandemia. Enquanto o prefixo pandêmico era o “DES”, o pós-pandêmico seria o “CO”. Se a pandemia causou desterritorialização, desmaterialização, desconhecimento e desespero, o próximo passo na nossa evolução enquanto sociedade me parecia a convivência, coexistência, colaboração e cocriação, ainda que todo esse “co” seja limitado por uma pequena escala, uma vez que as esferas de decisão, de vitalidade comunitária tendem a ser menores levando em conta a escala humana ou micro escala.

Essa organização compartilhada e de pequena escala, pode, inclusive, nos remeter a uma outra ideia do passado, as “cidades-estado”. Numa escala de antifragilidade, e portanto, de dinamismo e adaptabilidade, podemos imaginar que uma cidade é mais resiliente do que um estado que, por sua vez, é mais resiliente do que um país, em grande parte pela proximidade com os problemas e a maior capacidade de adaptação e evolução. Podemos fazer um paralelo óbvio com as startups que têm muito maior capacidade de adaptabilidade e mudança de rota do que os grandes conglomerados multinacionais.

Colaboração, convivência, pequenas escalas de poder compartilhado, comunidades vibrantes viabilizadas e interligadas pela tecnologia contemporânea me parecem ser o modelo de cidades do futuro. Essa tecnologia pode inclusive desmaterializar a ideia de cidade como conhecemos, não como o metaverso, mas com experiências e encontros não necessariamente ligados ao território físico, mas uma conexão por identidade e por significado mesmo que o grupo esteja espalhado em diferentes continentes.

Mas a pergunta que fica é, se tirarmos a tecnologia contemporânea da equação o que nos resta? Acertou quem disse as cidades antigas.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/uma-vida-com-sentido-nos-lugares-que-habitamos/)
Ilustração da Capa: Celyn Brazier

O fantasma do Natal futuro

Escrevo esse primeiro artigo como colunista fixo do O Futuro das Coisas a 30.000 pés de altitude, num dos voos domésticos mais longos a partir de São Paulo. Não me considero, nem de longe, um futurista, não tenho capacidade para tal, mas venho sistematicamente colaborando com minhas reflexões e provocações sobre as cidades e nossa vida nelas, nesses tempos estranhos em que vivemos, onde presente e futuro se entrelaçam constantemente e por isso mesmo deixo aqui público o meu orgulho de ter sido convidado para fazer parte desse time.

Olho pela janela em meio as nuvens e, voando para Natal, próximo ao Natal, é inevitável não falar sobre um período no qual as cidades costumavam vibrar acima da média, incluindo minha cidade natal, Santos.

Embora, depois de adulto, eu constantemente amaldiçoe a cidade onde nasci, eu tive uma infância bastante divertida, vivendo descalço e sem camisa 24 horas por dia como todo moleque caiçara que se preza. Um dos eventos que me faziam calçar e vestir algo era justamente a época que antecedia o Natal. Esse era um período esperado o ano inteiro, oportunidade de sair de casa a noite e de ver a cidade à noite e de quebra, ainda ganhar algum brinquedo.

Santos, em alguns momentos, se julgava Miami. Eu morava na Santos Beach, o centro ficava na Santos City. Minha avó, companheira inseparável nas minhas primeiras aventuras fora de casa, em viagens que ela carinhosamente chamava de “viagem de lavadeira” – saíamos sempre às sextas-feiras à noite e voltávamos aos domingos à noite – era a responsável por me levar à “cidade” naquela semana mágica que antecedia o Natal.

O roteiro era sempre o mesmo. Pegávamos o ônibus elétrico número 08 (trólebus, não um ônibus elétrico de uma Tesla da vida) descíamos na praça Mauá, no ponto final, mais ou menos em frente ao Café Carioca, onde muito antes dos controles sanitários e Anvisas da vida, você pedia um pastél de queijo e brotava na sua mesa um prato com dezenas deles e você pagava o que consumia, e claro, nunca era um só. Depois batíamos perna pelo centro da cidade atrás de algo que não me lembro exatamente o que era, até porque o que comprávamos não era nada relevante diante da aventura em si.

Lembro do meu fascínio pela “cidade” naquelas curtas semanas. Luzes, músicas, barulho, letreiros, movimento, pessoas, muitas pessoas. O próprio Flanêur ficaria com inveja de tanto que andávamos, apreciando tudo aquilo.

Falo de um tempo pré-shopping, em meados dos anos 1970. Não sei precisar quando as lojas dos centros Brasil afora deixaram de abrir até às 22h no final de ano. Suspeito que tenha sido junto a popularização dos shoppings, supostamente mais confortáveis e práticos. Provavelmente junto a isso começou o declínio dos centros brasileiros, sua mudança de perfil e por sua vez o desinteresse de grande parte da população. O glamour foi substituído pelo comércio mais popular, algo que por si só não é problema algum, mas que teve um efeito um tanto devastador em várias centralidades deixando uma arquitetura belíssima abandonada em prol do passear pasteurizado da grande maioria dos shoppings.

Se os shoppings podem ter sidos os primeiros vilões, hoje vivemos um novo ciclo de depreciação dos centros, ou de qualquer outra área majoritariamente comercial incluindo os próprios shoppings: as compras online. Nesse momento, alguém pode estar pensando, ainda bem que essa criatura não se julga futurista mesmo, afinal não existe nenhuma novidade nesse movimento. Engano.

Embora o consumo online nos acompanhe há tempos, a pandemia complicou um pouco as coisas ao mesmo tempo que facilitou. Confuso? Explico: facilitou para você e complicou para as cidades. Você, assim como eu, deve ter se acostumado com as maravilhas do delivery, essa coisa linda de comprar de casa, de pijama, e receber, em casa, de pijama no dia seguinte. Num primeiro momento isso parece o mundo ideal. Escrevi aqui, nesse mesmo portal, sobre a dificuldade de comerciantes e marcas em lidar com esse novo momento, seja pela dificuldade em se adequar as novas tecnologias, seja pela total incapacidade de promover uma experiência positiva que vá além do produto ou serviço comoditizado que oferecem. Se eu posso comprar tudo de casa e as lojas não me oferecem nada além dos produtos, por que diabos sairia de casa especificamente para comprar algo que posso comprar pela internet? Ganho eu, perde a cidade.

Pois bem, a coisa toda complicou ainda mais. Agora não é só uma questão desse ou daquele comércio, é uma questão que impacta ruas e bairros inteiros. Em recente artigo na Bloomberg Cities li o que algumas cidades no mundo chamam de delivery de 15 minutos. Se você como eu, achava lindo receber em 24 horas, imagina agora em 15 minutos? Mas claro, nada é tão simples assim. Depois das “dark kitchens” tão populares na pandemia, chega a vez das “dark stores”. Esse delivery à jato só é possível graças a esse novo modelo de loja, que de loja não tem nada. Tratam-se de micro centros de distribuição em lugares onde antes havia… lojas. As únicas pessoas que entram e saem das “dark stores” são entregadores apressados de olho nos prazos a serem cumpridos. Entendeu a diferença? Se antes o entregador de aplicativo tinha que ir em loja A, B ou C para cumprir sua entrega, agora as lojas A, B ou C se deslocam para um lugar, muito mais próximo de você, onde os entregadores se abastecem dos pedidos que você receberá em casa de pijamas em 15 minutos.

Mas qual o problema disso, não é uma maravilha? Como um apaixonado pelas cidades creio que não, ou pelo menos, não do jeito que se apresenta. Da mesma forma que outro movimento disruptivo impactou bairros inteiros com o AirBnb, gentrificando, criando movimentos sazonais que por sua vez quebraram o comércio local, e precisou ser regulado (quando não proibido), as “dark stores” podem ter o mesmo impacto, expulsando o comércio local e pior, tirando a vibração característica das áreas comerciais, que por muitas vezes as definem enquanto bairros ou cidades.

Ao mesmo tempo que é inútil negar as mudanças de comportamento e a evolução causada por elas e para elas, é inegável o desafio que gestores públicos tem pela frente com essa inovação e mudança dos comportamentos urbanos constantes, seja pela tecnologia, seja por eventos não previstos como a pandemia, seja pelos dois.

Enquanto as cidades precisam se adaptar e evoluir, ou para fazer o meu jabá, tornarem-se cidades antifrágeis, nós consumidores podemos fazer nossa parte, mesclando nossas compras digitais com o apoio ao pequeno comércio local, que inclusive nos salvou do desabastecimento durante os períodos de isolamento.

Entender a importância do pequeno comércio de proximidade, é entender a capacidade de ativação comunitária desses estabelecimentos, seu impacto na segurança pública como dizia Jane Jacobs, seu papel no cotidiano, não só das pessoas, mas também das cidades.

Infelizmente não visito mais a “cidade” com minha avó há décadas, tampouco posso fazê-lo com minha filha, primeiro porque não tenho mais a Dona Nilde para me fazer companhia e segundo porque não existe mais o centro vibrante e iluminado até a noite.

Se todos nós, consumidores e gestores públicos, não ficarmos atentos, talvez, num futuro não tão distante assim, não tenhamos mais centro nenhum, iluminado ou não.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/o-fantasma-do-natal-futuro/)
Foto de Capa: Tiffany & Co
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País de qual futuro? Uma perspectiva estratégica sobre a Marca Brasil

Nasci em 72, bem no meio dos anos de chumbo, período mais repressivo da ditadura militar (1968-1985). Minha primeira memória de infância foi  assistir a Vila Sésamo em uma pequena televisão preto e branco no quarto dos meus pais num apto de um quarto (onde, para os padrões de hoje, caberia um apartamento de 2 suítes) na orla da praia em Santos-SP. Vi a morte de Tancredo Neves ser anunciada em cadeia nacional durante uma aula da 7ª série do então chamado ginasial. Tudo isso para por em perspectiva um certo desdém ao ouvir ainda em 1989 a música “1965-Duas Tribos” da Legião Urbana, então no auge do sucesso, cantando: “O Brasil é o país do futuro”.

Há décadas somos o país do futuro, proclamado por Zweig, autor judeu-austríaco, radicado em Petrópolis que, em 1941 lançara o livro “Ein Land der Zukunft” ou “Brasil-País do Futuro”, ressaltando nossas virtudes, de forma um tanto ufanista é verdade. Perseguimos essa ideia há 77 anos.

Deu-se então a minha chegada ao Rio, que me causou uma das mais fortes impressões de minha vida. Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, comovido, pois se me deparou não só uma das mais magníficas paisagens do mundo, nesta combinação sem igual de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas lambem uma espécie inteiramente nova de civilização. Aqui havia, inteiramente contra minha expectativa, um aspecto absolutamente próprio, com ordem e perfeição na arquitetura, e no traçado da cidade, aqui havia arrojo e grandiosidade ems todas as coisas novas, e ao mesmo tempo, uma civilização antiga ainda conservada de modo muito feliz, graças à distância. Aqui havia colorido e movimento; os olhos não se cansavam de olhar e, para onde quer que os dirigisse, sentia-me feliz. Apoderou-se de mim uma ebriedade de beleza e de gozo que excitava os sentidos, estimulava os nervos, dilatava o coração e, por mais que eu visse, ainda queria ver mais.” (ZWEIG, 1941)

Em meio ao calor das eleições presidenciais que dividem o país, é relevante refletirmos sobre o futuro do nosso país. Não pretendo nesse espaço fazer qualquer reflexão política, nem ressaltar pontos positivos ou negativos desse ou daquele partido. A ideia é criarmos uma perspectiva estratégica a respeito do que poderíamos fazer para o nosso futuro, para que, inclusive, um dia ele chegue de fato.

Ao melhor estilo americano de “10 ações para isso” ou “5 passos para aquilo” vou elencar algumas reflexões necessárias, começando pela mais óbvia.

1.Visão estratégica

Enquanto vários países do mundo estão discutindo e criando metas e objetivos para 2050, nós ora somos paralisados por sessões da Câmara ou do Senado e pela iminência de alguma prisão, ora pela polarização política diante de mais uma eleição. Não conseguimos planejar o próximo mês, quem dirá a próxima década, 2050 então é praticamente uma outra encarnação.

Enquanto a Holanda quer ser o primeiro país vegano do mundo até 2030 e a Dinamarca pretende banir o uso de combustíveis fósseis usando 100% de energia limpa até 2050, o que nós estamos projetando? Claro que existem questões emergenciais e estruturais em nosso país, muito antes de pensarmos em sermos veganos, ou sustentáveis, mas estamos projetando essas necessidades estruturais e emergenciais de forma efetiva?Ou simplesmente apagamos um incêndio por vez? (nunca uma figura de linguagem fez tanto sentido infelizmente)

Existem ações isoladas, não governamentais, muito voltadas para os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU como a plataforma Agenda 2030 ou o projeto Brasil 2030 e promessas por parte do governo como a redução de emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2050.

Mas a questão permanece, qual a visão de país que compartilhamos, que buscamos?

2. Imagem-país

Quem acompanha os meus artigos aqui no O Futuro das Coisas pode estranhar a aparição do conceito de imagem antes de falarmos de identidade, afinal a imagem é resultado de uma identidade e não vice-e-versa. Explico. É essencial pensarmos na imagem projetada e percebida do país. Provavelmente teríamos mais força se a “Imagem-País” fosse mais trabalhada, ao invés de pensarmos de forma setorial ou pior, ficarmos amarrados às marcas de performance internacional que se alinham com a “ideia/imagem” do Brasil. Lembrou de alguma marca em especial? Uma né? E olhe lá… Algumas marcas, inclusive, parecem preferir não associar sua imagem com a imagem do país.

Claro que marcas fortes originárias de um país contribuem (e muitas vezes constroem) a percepção do próprio país. Usando o exemplo clássico, as marcas suíças reforçam a percepção da Suíça ou a marca-país reforça a percepção das marcas suíças? A resposta é simples, não importa!!! Tal o nível de maturidade tanto das marcas suíças quanto da Marca Suíça, a origem da percepção é irrelevante, uma vez que ambas se complementam e entregam uma mesma “promessa”. Promessa essa cuidada, não por acaso, por um órgão governamental do país chamado Presence Switzerland.

Essa é inclusive uma das minhas provocações nas palestras sobre place branding, independente da região do país onde esteja , após ouvir vários atributos e vários produtos quando pergunto sobre o que a Suíça remete as pessoas. Um silêncio constrangedor se instala no auditório após a mesma pergunta ser feita, só que dessa vez, usando o Brasil como sujeito.

Essa história nos leva ao item número 3 da nossa lista.

3. Identidade

Há muito tempo ouvimos o termo identidade nacional, que, convenhamos, soa cada vez mais anacrônico, mas é preciso entender a sua importância, ainda que absolutamente distante da ideia compartilhada pelo “Estado Novo”, que então buscava um argumento para personificar a identidade nacional e edificar uma nação a imagem dessa sociedade.

O fato é que ainda não sabemos quem somos, pudera, não paramos para pensar nisso, muito por conta do 1º item dessa lista. Somos historicamente bombardeados por estigmas e caricaturas, do próprio Zweig, seguido pelo simpático Zé Carioca, personagem da Disney de 1942, pelo país do futebol, do Carnaval, da Tropa de Elite a impagável cena de Velozes e Furiosos onde o personagem principal, interpretado pelo shakespeariano Vin Diesel profere, no momento em que várias pessoas, aparentemente em uma comunidade do Rio, levantam suas armas para a polícia: “This is Brazil”.

Um dos problemas de não controlarmos a nossa própria narrativa, ou pelo menos influenciá-la é que deixamos essa influência para terceiros, que então podem se apropriar como bem entender, de forma caricata ou não, real ou não. Isso não é empurrar a sujeira para baixo do tapete, e fazer de conta que nada disso existe, mas sim, entender que somos mais do que isso, ou não somos? Também podemos chegar à conclusão que não, mas essa também é uma forma de nos apropriarmos da nossa própria narrativa.

4. Das partes para o todo e vice-e-versa

Muitos perguntarão, com razão, como podemos pensar em algo tão abrangente quanto a ideia de identidade nacional em tempos líquidos? Não é nada simples, mas possível. A saída pode estar, não em uma abordagem nacional, mas em uma abordagem regional. Em um país diverso como o nosso um dos caminhos possíveis é o mapeamento de características identitárias regionais, uma forma de pensar as diversas regiões e micro-regiões como identidades próprias, com suas particularidades, culturas, linguagens, economia, etc…

O trabalho seguinte seria sobrepor esses “mapas” e buscar resultantes, pontos comuns às regiões. Nesses pontos comuns, nesses elementos resultantes, poderia estar a “cola” que une todos enquanto país.

Ao mesmo tempo é possível imaginarmos, dada à dimensão do Brasil, que as diferentes regiões possam se comportar de forma mais ou menos autônoma, onde, dessa forma, a imagem do país não seria a resultante da sobreposição de características identitárias, mas a sua simples soma. Para isso seria necessária uma imersão na identidade de cada uma dessas regiões e uma compreensão da potência estratégica dessa soma e diversidade enquanto país, algo não mais unificado, uno, coeso, mas plural, polifônico, dinâmico, onde a soma das partes é maior do que o todo.

5. Participação

É essencial entendermos a diferença entre as ideias de país e de nação.

Podemos dizer que país é um conceito genérico, e se refere a tudo que se encontra no território e apresenta características físicas, naturais, econômicas, sociais, culturais e outras. O conceito de nação significa uma união entre um mesmo povo com um sentimento de pertencimento e de união entre si, compartilhando, muitas vezes, um conjunto mais ou menos definido de culturas, práticas sociais, idiomas, entre outros. Assim sendo, nem sempre uma nação equivale a um Estado, ou a um país ou, até mesmo, a um território, havendo, dessa forma, muitas nações sem território e sem uma soberania territorial constituída. A identidade, o senso de pertencimento não está mais limitado à dimensão territorial.

Nesse sentido é possível concluir que tudo gira em torno das pessoas, das ideias, culturas, ritos, mitos, histórias que elas compartilham. E se a nação é feita por pessoas, nada mais óbvio que, elas mesmas façam parte dos processos decisórios. O tradicional processo “top-down” não faz mais sentido em tempos de “novo poder”.

O século XX foi construído de cima para baixo. A sociedade foi imaginada como uma grande máquina, movida de maneira intrincada por grandes burocracias e corporações. Para manter a máquina funcionando, pessoas comuns tinham papéis cruciais, embora pequenos e padronizados, a desempenhar. Faça seus exercícios. Reze suas preces. Aprenda sua tabuada. Cumpra seu expediente. Tire a foto do anuário escolar. Muitos de nós ficávamos relativamente satisfeitos por desempenharmos um papel menor num processo maior. Mas a ascensão do novo poder está mudando as normas e as crenças das pessoas a respeito de como o mundo deve funcionar e onde elas devem se encaixar. Quanto mais nos engajamos em modelos do novo poder, mais essas normas mudam. Na verdade, o que está surgindo — e isso é mais visível entre pessoas com menos de trinta anos (hoje mais da metade da população mundial) — é uma nova expectativa: um direito inalienável de participar. (Timms e Heimans, 2018)

Os processos “bottom-up”, onde as pessoas são protagonistas e não as instituições vem se tornando cada vez mais presentes no mundo atual. A transparência proporcionada pelas novas tecnologias e  certo grau de desconfiança na capacidade dos governos de lidar com as questões do dia-a-dia dos cidadãos nos leva a buscar formas mais ativas de engajamento, seja ocupando os espaços públicos ao melhor estilo “faça você mesmo”, organizando eventos coletivos ou criando mecanismos de gestão participativa. Nesse momento a tecnologia é presente, essencial, é meio e não fim. Ela agiliza e possibilita o compartilhamento de informações e a conexão entre pessoas com alinhamento de propósito de uma forma impensável 10 anos atrás.

A própria ideia de uma “marca-país” deveria nascer da comunidade e não do governo.

Quando falo em marca, esse termo batido e mal compreendido, não me refiro a logotipos, publicidade ou marketing, e sim ao termo marca como uma representação de uma ideia compartilhada, fruto de uma identidade compreendida, ou em processo de compreensão. Talvez, não seja mais possível falarmos em identidades “fixas” como sugere Stuart Hall, inclusive discutindo o próprio termo identidade com uma sugestão mais contemporânea, identificação.

Se imaginarmos que governos vem e vão e que projetos de poder mudam a cada cinco anos, fica ainda mais evidente a necessidade das pessoas se envolverem nas diferentes esferas de decisão, transformando projetos de poder em projetos de nação, compartilhados, pensados por quem permanecerá por muito mais do que cinco anos de governo com o “skin in the game”.

Conclusão

Evidente que existem outras centenas de assuntos a serem tratados para que alcancemos esse futuro de fato, questões emergenciais como educação, segurança, saúde, igualdade, mas ao mesmo tempo é preciso entender que, o pensamento estratégico também deve permear esses assuntos e outros, como sugeridos nesse artigo.

Pensar estrategicamente na nossa identidade, vocações e potências se faz essencial para que, num trabalho conjunto, consigamos melhorar nossa reputação, ativo essencial para a captação de novos recursos, atração e retenção de talentos e ao mesmo tempo tenhamos condições de criar um ambiente favorável não só internamente para o surgimento de novas empresas, marcas e empreendimentos, como para o fortalecimento das marcas que atingirem o estágio de maturidade necessário para a exportação ou internalização, entendendo que esse processo é justamente um dos vetores de desenvolvimento econômico necessários para enfrentarmos os problemas urgentes e estruturais que nos assolam.

Num mundo globalizado, de cadeias globais de valor, tão importante quanto a nossa identidade é a imagem que o mundo tem de nós, e, na mesma medida essa imagem é consequência da forma como nós mesmos nos vemos. Afinal, só existe cidade boa para o turista se for boa para o morador… e nesse caso, turista é figura de linguagem… ou não.

Imagem da capa: quadro Pátria, de 1918, de Pedro Bruno que retrata a bandeira do Brasil sendo bordada no seio de uma família. Esta tela é a máxima representação de uma expressão, de um sentimento de uma nação, mas também da construção do imaginário coletivo.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/pais-de-qual-futuro-uma-perspectiva-estrategica-sobre-a-marca-brasil/)
Foto de Capa:
Quadro “A Patria” de Pedro Bruno.

Vivemos num mundo onde não basta só falar, é preciso ser; não basta parecer é preciso vivenciar

O cenário que se descortina a nossa frente em meio à posse do novo presidente norte americano e sua visão particular sobre nacionalismo, como também o possível crescimento da extrema-direita na França na figura de Marie Le Pen – e a retomada da xenofobia a níveis alarmantes, deflagrada como justificativa após a crise dos refugiados  – além de nossos próprios problemas internos aqui no Brasil, nos obrigam a repensar o significado de um conceito arraigado, muito falado mas pouco explicado: a identidade nacional.

A necessidade de uma “identidade nacional” é um assunto debatido pela intelectualidade brasileira desde o século 19, e teve uma especial importância durante o “Estado Novo”.

Naquele momento, buscava-se a identidade nacional como um arcabouço legal para uma construção nacional, o estado então, personifica a identidade nacional e edifica uma nação a imagem dessa identidade. (SOUZA, 2004).

Esse processo buscava um povo que se encaixasse a uma identidade, e nesse processo caberia ao estado tutorá-lo e protegê-lo.

Após esse episódio, o próprio termo “identidade nacional” mereceu uma reflexão maior, apresentando um desgaste inevitável após a sua associação aos ideais de estados totalitários, que viam não uma recusa às diferenças, mas uma tentativa de integrar essas diferenças a um padrão dominante, buscando um consenso.

O mais recente episódio de “soberania nacional” talvez seja o muro que dividirá o México e os Estados Unidos.

Além dos diversos muros invisíveis que separam os povos, imigrantes, nacionalizados, ilegais, agora teremos também um muro físico, concreto, separando “nós” e “eles”, ou aqueles que são como eu daqueles diferentes de mim, justamente em um momento histórico onde as fronteiras se reforçam e a globalização parece cambalear, com movimentos como Brexit e um mundo cada vez mais isolado, olhando pra dentro.

No Brasil, o fato é que a nossa percepção, interna e externa, ainda é bastante difusa. Achamos que entendemos a nossa “essência”, mas logo que somos questionados por alguém um pouco mais insistente, fica óbvio que nossas certezas não sobrevivem a mortal segunda pergunta, que inevitavelmente é: Por que?

No exterior temos uma imagem percebida carregada de estereótipos, do país do futebol, das mulatas, do carnaval. Até o inocente Zé Carioca, personagem da Disney do século passado, contribuiu para uma percepção daquilo que supostamente somos.

Mas o que é identidade nacional?

Podemos dizer que uma nação é constituída por um legado de lembranças compartilhadas por todos (RENAN, 1947), ou seja, uma nação é o compartilhamento de histórias, lembranças, cultos e ritos. E quando não temos o que compartilhar? Nós inventamos.

A identidade nacional é um discurso. No caso do Brasil, era preciso ser ao mesmo tempo diferente do povo português e manter traços de sua herança cultural (FIORI, 2009).

Parece amplamente aceito o fato de nossa cultura se basear na mistura. Desde O guarani, de José de Alencar, essa ideia é difundida, à medida que o casal Peri e Cecília, um índio e uma portuguesa, representariam esse “casal inicial”. Nesse momento o país seria a síntese do velho (legado português) e o novo (o índio que se convertera ao cristianismo) (FIORI, 2009)

Se a identidade é algo que nos torna únicos e não idênticos, como então a tal mistura pode ser o elemento determinante de nossa identidade? No Brasil nada é tão simples.

Como vemos, o próprio Homo Sapiens é dado a relações fantasiosas, muitas vezes disfarçadas de “natural”, buscando relacionar essas associações com elementos da biologia. As redes de cooperação que se formaram desde as cidades da Mesopotâmia até o Império Romano eram ordens imaginadas. “As normas sociais que as sustentavam não se baseavam em instintos arraigados nem em relações pessoais e sim na crença em mitos partilhados.” (HARARI,2015)

Simon Anholt, criador do termo Nation Branding em 1996, propunha levar as ferramentas e metodologias do branding corporativo para o seu uso nas nações. Podemos afirmar com grande chance de êxito que os países já se “viravam” muito antes disso na tentativa de contar suas histórias e criar uma identidade nacional (ESTEVES, 2016)

Outra reflexão se faz necessária: a diferença entre país e nação.

Podemos dizer que país é um conceito genérico, e se refere a tudo que se encontra no território e apresenta características físicas, naturais, econômicas, sociais, culturais e outras. O conceito de nação significa uma união entre um mesmo povo com um sentimento de pertencimento e de união entre si, compartilhando, muitas vezes, um conjunto mais ou menos definido de culturas, práticas sociais, idiomas, entre outros. Assim sendo, nem sempre uma nação equivale a um Estado, ou a um país ou, até mesmo, a um território, havendo, dessa forma, muitas nações sem território e sem uma soberania territorial constituída.

A diferença de como nos vemos e como somos vistos

A miscigenação faz parte da nossa identidade, senda e própria miscigenação, muito provavelmente a nossa maior característica de identidade.

Diferente dos países europeus, por exemplo, a nossa formação envolve pelo menos 3 etnias diferentes, o índio, o europeu e o negro, e mesmo com as previsões dos intelectuais das primeiras décadas do século 20, o brasileiro não se “embranqueceu” eliminando os traços da tal mistura, mas sim a fortaleceu, a legitimou.

Diante da perspectiva do nation branding, é de extrema importância a caracterização de elementos distintivos, ou como disse Govers e Go ( 2009), sua identidade como vantagem competitiva.

Se concordarmos que os países estão sujeitos a concorrência,  quais os elementos que nos diferem dos demais países? Temos isso claro?

Ou ainda, serão esses elementos comuns a todo o país, algo que nos caracterizaria como um único povo?

Minha suspeita é que não. Não só não sabemos que elementos são esses, como somos bem mais do que um povo.

Se não sabemos quem somos, seria muito difícil comunicarmos nossas características de forma satisfatória, afinal, alinhamento é um dos princípios do branding e por extensão, do nation branding. Para uma boa “country image” seria necessária uma identidade que a argumentasse.

Por isso caímos na armadilha dos diferenciais genéricos. Falamos de paixão, hospitalidade, calor, alegria… Podemos afirmar isso de todo o país? De norte a sul, leste a oeste? Se pudermos, como qualificamos esses adjetivos? Complicou não é mesmo?

Identidade nacional ou identidades nacionais?

Vimos que historicamente, inventamos nossas próprias histórias e origens, muitas vezes defendendo os interesses do estado outras de uma classe dominante, ou como disse Harari, enquanto uns faziam a história, a grande maioria se ocupava em arar os campos.

Talvez uma identidade nacional forte nos leve, como sugerem alguns, a um caminho xenofóbico, intransigente, onde olhamos só para nossos próprios umbigos, ou pior, para o nosso próprio umbigo, já que seriamos um só, um grande e uníssono ideal, estandarizado, singular, único.

Paremos um instante, esquecendo Trump e Le Pen, e olhemos para o “outro lado”. Países com identidades nacionais fortes não são necessariamente xenófobos, nesse caminho podemos lembrar do Reino unido, por exemplo, que mesmo com seu passado colonialista e com uma monarquia ainda forte, recebe diferentes culturas oferecendo uma democracia bastante estável para povos vindos de diversas regiões do mundo.

Em Londres é possível ver uma atendente da GAP, uma marca americana em um país europeu, mantendo seus costumes muçulmanos e usando véu, isso em um mesmo país que promove a campanha GREAT com o apoio de várias marcas e personalidades britânicas para promover a imagem do Reino Unido internacionalmente.

Será que é ansiedade demais esperar que tenhamos as nossas características definidas, sendo um país tão jovem?

Acredito que não, e explico de forma muito simples esse pensamento. Tradição, um ativo de marca-lugar poderoso é só uma das possibilidades e no caso do Brasil, pouco aplicável. Não é preciso ser “velho” para ser reconhecido, muito pelo contrário.

É preciso entender que ainda estamos, e continuaremos escrevendo a nossa história, por muito tempo, e justamente por isso é preciso olharmos com atenção para as nossas questões de identidade, nossas características culturais, distintivas e singulares.

Nossa cultura nasce da miscigenação, o que deveria ser suficiente para lidarmos com questões totalitárias, reducionistas, uma vez que somos resultado da pluralidade.

Esse nosso DNA nos diferencia na mesma medida que nos define, e mesmo sendo negado, continuará sendo presente. Mas, será que é só isso?

Como resolver essa questão?

Dessa forma resta entender quem escreverá a nossa história, quais serão as nossas características notáveis. Muito além disso, a questão mais relevante é:

Será que temos a necessidade/obrigatoriedade, de termos somente uma única identidade nacional.  Se precisarmos dessa unidade, com chegaremos nela?

A única resposta é através do engajamento de toda a população, algo extremamente difícil dado um país do tamanho do nosso e com toda a desigualdade o que torna o acesso a informação e a tecnologia raros em varias regiões do país.

Será que a solução pertence à esfera do marketing, e basta desenvolvermos nosso símbolo nacional para que sejamos reconhecidos? Pouco provável. Vivemos num mundo onde não basta só falar, é preciso ser; não basta parecer é preciso vivenciar.

Muito mais importante do que entender o que nos une enquanto nação é entender o que nos diferencia.

A unidade pode estar na própria formação do povo brasileiro, composta pelas três etnias, mas como isso se deu em cada canto do país é um exercício ao mesmo tempo rico e hercúleo, que muito dirá sobre a nossa capacidade de “competir” por um lugar de diferenciação diante do imaginário coletivo internacional.

Longe de um conceito autoritário de identidade nacional ou regional, onde os cidadãos se encaixam em uma ideia, é hora dos próprios cidadãos escreverem a sua história e quem sabe, procurar um governo que a defenda e a legitime.

Referências Bibliográficas
BRITO, Carina. Livro Explica a formação da identidade nacional através do imaginário artístico. Jornal da USP. 2016DINNIE, Keith. Nation Branding: Concepts, Issues, Practice. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2008.
ESTEVES, Caio. Place Branding- Identificando vocações, potencializando identidades e fortalecendo lugares. Ed. Simonsen, Santos, 2016.
FIORIN, José Luiz. A construção da identidade nacional brasileira. Bakhtiniana, São Paulo, v.1,n.1, p.115-126, 1º sem.2009
GOVERS, Robert; GO, Frank. Place Branding: Glocal, Virtual, and Physical Identities, Constructed, Imagined and Experienced. New York: Palgrave Macmillan, 2009
HARARI , Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. 8ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015.
KATRI, Lilia e SCHWARCZ, Moritz. Complexo de Zé Carioca. Notas sobre uma identidade mestiça e malandra. ANPOCS, 1994
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Identidade cultural, identidade nacional no Brasil. Tempo Social;Rev, Sociol.USP, S.Paulo,1 (1): 29-46,1ºsem,1989.
SOUZA, Ricardo Luiz. Autoritarismo, cultura e identidade nacional (1930-1945).História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n.15,p.89-127,abr.2004

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/vivemos-num-mundo-onde-nao-basta-so-falar-e-preciso-ser-nao-basta-parecer-e-preciso-vivenciar/)
Foto de Capa: Caio Esteves.

Place branding: a identidade e a resiliência das cidades

O que nos faz gostar mais de um lugar do que de outro? Como reconhecemos a cultura local dos lugares? Por que algumas cidades são claramente autênticas e outras parecem cenários de alguma produção cinematográfica?

Mundo afora nos deparamos com várias cidades e regiões com um posicionamento forte, com características distintivas claras, que atraem pessoas do mundo todo: visitantes, moradores, talentos, investidores etc. Esse posicionamento das cidades surge de uma abordagem chamada place branding, um conceito recente e pouco disseminado no Brasil.

Algumas das principais questões presentes na discussão de place branding na América do Sul também estão presentes no resto do mundo. A prática e a reflexão sobre o conceito estão em sua fase inicial, e somos ainda mais unidos pelas dúvidas do que pelas certezas. Mais do que as dúvidas a respeito da disciplina, enfrentamos uma situação política e econômica adversa. Enquanto os países desenvolvidos planejam suas marcas-lugar com a perspectiva de décadas, na América Latina – especificamente no Brasil – ainda carecemos de planejamento que transcenda o mandato de quatro anos das administrações. No contexto brasileiro, pensa-se menos em uma marca-lugar da sociedade para a sociedade do que em uma marca-governo, disfarçada de marca-lugar.

Mas o que é “marca-lugar”, o chamado place branding?

Place branding é uma abordagem que identifica vocações, potencializa identidades e fortalece lugares, a partir do envolvimento das pessoas que vivem e utilizam os lugares, em um processo bottom-up.

É preciso atentar, porém, para não confundir o termo branding, inevitavelmente associado ao marketing, à publicidade e ao  design. Trata-se de um mal entendimento que une acadêmicos e praticantes no mundo todo. Na Europa, por exemplo, o termo place branding é confundido com uma atividade “cosmética”, longe do real sentido e função da disciplina.

E a resiliência?

Embora se acredite que os principais resultados do place branding são vetores econômicos, outros dois fatores são igualmente relevantes: o senso de pertencimento e a resiliência. O processo bottom-up engaja pessoas em torno de ideias centrais, orienta ações e cria uma vivência comunitária ativa, reforçando ou construindo o senso de pertencimento dessa comunidade em relação ao lugar onde está inserida.

A resiliência, por sua vez, vem da capacidade dos lugares (e não só das cidades) de encontrar sua vocação – suas singularidades – e trabalhar a partir dela. Durante anos, o turismo foi considerado o único atrativo possível para os lugares – ou a cidade tinha uma Torre Eiffel ou estaria fadada ao esquecimento. Ao longo do tempo, essa visão mudou. E a procura pela singularidade parte de uma premissa simples: todos lugares têm ou podem ter algo de especial. Esse pensamento envolve patrimônio material e imaterial, hardware, software e peopleware.

Uma marca-lugar é a soma dos atributos físicos, culturais e sociais e de um lugar

Entender e promover a singularidade de uma determinada região reforça a economia local, cria o senso de pertencimento, possibilita a atração de investimentos, talentos, visitantes e, acima de tudo, contribui significativamente com a melhora da qualidade de vida das pessoas.

E o seu lugar? o que ele tem de único?

Texto Extraído do Site: ArchDaily.(https://www.archdaily.com.br/br/802319/place-branding-a-identidade-e-a-resiliencia-das-cidades)
Foto de Capa:
Caio Esteves.

Caio Esteves on Place Branding in Brazil and Latin America

Caio Esteves, CEO of Places for Usplace branding consultancy, in this interview discusses his role in heightening the importance of place branding in Brazil and shares his insights on blending both academic and practical applications, and the role citizens can play. He also discusses integrating urban planning with place branding and how Brazil differs from other Latin American countries. 

Learn about:

  • How place branding academics and practitioners can complement each other;
  • Why it’s important for MBA programs to connect place branding (idea) with placemaking (implementation);
  • Why Colombia and Peru are inspiring examples of country branding in Latin America;
  • How international news coverage affects place branding in Brazil.

Caio, as CEO of Places for Us, you bring not only practical applications to the field but also theoretical knowledge from your time as an academic. How do you balance the two?

I truly believe in combining academic and practitioner approaches. Place branding is sometimes perceived negatively, as some kind of make-up, a type of design or advertising. Brazil is certainly no exception. This becomes noticeable when talking about place branding to an urban planner, for instance.

Practitioners need to validate their empirical knowledge with academic reflection. Sooner or later, at least some of the theoretical models generated by academic research need to become part of daily practice, to be of value.

Academics can contribute to the place branding discussion on the issues and enlighten them, but this knowledge must become tangible and available. It cannot be limited to university seminars, conferences or academic papers.

In Brazil, the holistic approach to place branding propagated by leading place brand experts and promoted by The Place Brand Observer is still mostly unknown. Academic work is still very much focused on destinations and tourism characteristics, which are obviously of vital importance for Brazil, but far from being the only possible approach.

As founder of the first place branding consultancy in Brazil, I assumed the thankless task of promoting and advocating for place branding. So, I throw my passion and enthusiasm into supporting both fronts.  After all, who needs to sleep..?

You just launched an MBA for place brand managers and branding professionals – what motivated you to do this, how does it work and what is it all about?

I had already been teaching branding at the MBA level for some time. When I became involved with place branding about 4 years ago, I had difficulty finding any printed or online material, or individuals to talk about it in Brazil.

Much of the academic output was focused on very specific approaches – quite different from what I understood place branding to be. After all, I had a background in branding and architecture/urban planning and was capable to understand the complexity of the issue.

As an architect I felt there was a huge gap between place branding and the understanding of urban dynamics.

Brazil is currently going through what I call the “fashion of cities,” which is an idea I hope has come to stay. Today, we face the same problems which Europe faced more than 50 years ago, namely the urban mobility discussion, the cities for people approach. But we have our own issues as well, like all the problems related to inequality and political crises that insist on persecuting us. There is an idea in the air – an idea that you can live in a better city, in a better country.

Place Branding MBA content. Source

The MBA seeks to bring together and connect through qualifying discussion different transforming agents: public administrators, marketing professionals, branding professionals, tourism, business, and economics. The overall purpose is to discuss and build an area of knowledge which at the moment is still in its early days in Brazil. I am grateful for Faculdades Integradas Rio Branco, which pioneered the branding training in Brazil and believed in my crazy idea.

The course has four axes: identity, experience, strategy and management. Each axis is divided into four modules and covers the different areas of what I call the “place branding ecosystem”, ranging from urban sociology and public management, through place making, urban planning, public engagement to the metric and evaluation systems.

The course comprises 17 disciplines, is collaboration-driven and uses design thinking tools to discuss and propose solutions to the places.

You recently published a blog article on your website discussing the “5 Reasons to Place Brand” Can you talk a little about how Place Branding is your “Placemaking Identity tool” and share with us a few of these reasons?

Identity Placemaking is what I define as the “overlap of placemaking and place branding.”

Placemakers tend to have little or no relationship with place branding, and practitioners of place branding know very little about placemaking. With my background in architecture, that always seemed rather absurd to me. I always thought that both professional groups would gain significantly from working together,  and as a result the places will benefit too.

What most caught my attention initially was that placemaking does not necessarily work with a clear and structured identity layer. On the other hand, it is difficult to explain the virtues of place branding without a concrete, physical action to exemplify it.

The Identity Placemaking approach is our way of connecting both disciplines. Place branding as an “umbrella-idea,” which placemaking translates into “brand experiences” by weaving physical actions into the urban fabric: the central idea that moves and strengthens the place.

There is another reason for the Identity Placemaking approach. In Brazil, because it is an unknown discipline, place branding by itself has difficulties in being accepted. As an idea, it requires a sound understanding and abstract comprehension by the market. This tool allows the realization of the place branding “idea” by establishing guidelines to build “physical experiences” in common spaces, which can be public or not.

Brazil has been in the global news a lot recently. In what ways are you finding the news coverage challenging to place branding in Brazil?

Brazil is a culturally rich country and benefits from a privileged geography with continental proportions. Because of our young age we are still looking for our identity as a nation. At this point, the size of the country is simultaneously the source of wealth and trouble, which is different than many countries in Europe that have a stronger and more consolidated cultural behavior. Brazil struggles with huge cultural, economic an social differences between the various regions of the country.

We have been plagued by political problems for years and even the social mobility promoted by the previous government (from the same party) was not enough to keep the country at an acceptable level of economic stability. We are actually far from it, and also far from political stability.

The huge opportunity created by the two mega sporting events (the Soccer World Cup in 2014 and the Olympics now) should have strengthened Brazil’s brand as a major player – not only in the Americas but in the entire world. Unfortunately, the government did not have the maturity, nor the competence to prepare effective strategies in order to boost the economy by using the events to place Brazil in the spotlight.

I hope the problems in the structure and the crisis will serve as a future lesson for planning more carefully and responsibly. That said, despite all the political and economic problems, the Olympics will be a success and I am sure that the experience of all the visitors will be great. However, this is only a small fraction of what could have been achieved with proper preparation and planning – including place branding, which was left out of the loop.

Are there any good practice examples of Place Branding in South America which inspire your work?

I think Colombia is a great example of place branding in Latin America. They had the ability to turn a negative reputation caused by the violence of the FARC and drug cartels into something completely different. In my opinion, this new “image” of Colombia was strengthened by the urban planning and the implementation of an innovative, urban mobility in Colombia’s capital, Bogotá (which is based on a Brazilian city model, Curitiba, but extends the mobility network to other modes such as bikes). At the same time, this project strengthens what was initially a European idea – a different way to commute.

As far as place branding is concerned, I do not know if or how the Colombians identify with the country image project, how deep the research about this new image goes and how well it translates the country’s identity, which sometimes may seem common to the continent, but not specific to a people.

Peru is another example that falls in line with this idea.

In Brazil, there is much to be done. Almost everything is still about promoting the natural beauty and specific features of the culture. We must expand this understanding and deconstruct the caricatured image that most of the world still holds in their perception of us. This goes through place branding but mainly requires institutional and government actions.

An example of a unique place brand is the São Paulo city of Campos do Jordão, which is known as the “Brazilian Switzerland”. Apart from having no Swiss immigration or snow, the houses have ceilings prepared for snow like Swiss houses and the prevailing aesthetic in place is Swiss. The question is: Does it make sense? Can we call this place branding? No way!

Thank you, Caio.

Texto Extraído do Site: Place Brand Observer.(https://placebrandobserver.com/interview-caio-esteves/)
Foto de Capa: Caio Esteves.

Brazil, Olympics, Media Representation: Wild Like the Jungle?

Media representations of Brazil and the country’s national identity are the topic of this guest post by Caio Esteves, CEO of Place Branding agency Places for us and coordinator of Brazil’s first MBA connecting place branding with placemaking.

Jaguars, alligators and the wild Brazil

Brazil will host the Olympic Games in Rio de Janeiro next month, which is probably the sports event with the largest news coverage globally. Rio de Janeiro is the most visited city in the country, but according to Euromonitor International, it is only the 92nd most visited city in the world.

The always excellent BBC made a beautiful animation film about the Olympics in Rio called “The greatest show on earth”. In this film, wild forest animals become athletes: diving alligators and volleyball with monkeys. At the end of the film the animals transform into athletes, who walk to a mountain top with a city view lit by the Olympic compound, exciting ?…More or less.

We know that country image is a precious asset. Brazil’s image is not in a good mood lately, with its ongoing economic and political crisis, not to mention the delayed Olympic works, worker strikes and Zika virus. Yes, we have a lot of problems, and we always will have a lot of problems. Ours is a country the size of a continent, with a rich and diverse culture, but plagued by enormous social inequality and administrative incompetence.

This same country image is able to create a perception not only of our own nation brand but also of the country’s goods and services (country-of-origin effect). This relationship between nation brand and a country’s export brands can be seen in Switzerland, for example, when we don’t know if the country’s image lends its qualities to Swiss brands, or whether Swiss brands strengthen the country image – probably both.

What do we remember when we think about Brazil?

That is quite a big question.

We are no longer only seen as an exotic country in the way how Walt Disney in 1940 presented us with Zé Carioca, a trickster parrot. We are also known as “football country”, one which is right now very far from its glory days. And then, of course the beautiful and almost naked women, Carnival and so on.

Curiously, it is not hard to find tourists in Bahia, for example, dressed as elephant hunters in safari clothing, even though Bahia is very far from Amazon, and the Amazon very far from Africa, where in fact the elephants are.

The truth is that Brazil is far from a a consolidated national identity. We Brazilians don’t really care about it and hardly discuss the topic, which seems to be a phenomenon across Latin America as well.

We see and “sell” ourselves as cheerful and colorful , with abundant nature and hospitable people. But is that really it? I don’t know if we are hospitable, or if we have all this pristine nature. Although rain forests cover 60% of our territory (much more than the 13% of Peru, which follows Brazil as second country with most rain forest), we are in constant fight against deforestation and illegal occupation of Amazon.

The hospitality of Brazilians is also controversial. Anyone who ever took a cab in Rio knows things do not always end as expected. And, by the way, this is not just a Brazilian issue: it fits to Argentina, Bolivia… In other words, we can be very kind and lively but we also can easily fool you, naive”gringo”.

The old country stereotypes no long work. Brazil is a pluralist country, at the same time industrialized and rural, cosmopolitan and rustic, technologically advanced and primitive – even if we don’t like to think this way.

What does all this have to do with BBC?

The beautifully animation produced by the BBC for the Olympic Games reinforces one of these old stereotypes, the jungle country. Of course, this is perhaps the one that we are actually proud of, even though it couldn’t be further from the majority of Brazilians who live thousands of miles away from rain forest. Obviously, the animation film targets British viewers of the Olympic Games and the film serves to promote the country as exotic.

My question about the film is this: Why are we seen just as a “wild” country ? Is this our only strength, or our only weakness? What are the consequences of being portrayed in this way? Perhaps next time I go to a conference in the UK, delegates will wonder how I made it, and if there even exists an airport in Brazil..?

Of course, the internet and social media create a sense of reality quite different from such promotional footage, and is much more likely to influence our all perceptions of each other. The BBC film, by using the jungle – wild nature – as only recognizable element, does not really represent Brazil. It could be about any Latin American country. Not BBC’s fault, but the way in which our country is presented shows that we have not yet found a way to handle the complexity and plurality of our own national identity.

The BBC film will be seen by millions of people, who certainly will be touched by it. , but at the same time it  raises a more than afterthought in other 200.4 million people, on which country we want to be in the near future and after that we can come to the conclusion of how we appear to the world.

Texto Extraído do Site: Place Brand Observer.(https://placebrandobserver.com/brazil-olympics-media-representation-country-image/)
Foto de Capa: Caio Esteves.

Interview with Caio Esteves, CEO, Places For Us

We asked Caio Esteves, CEO & Founder of Places For Us, to share his take on the key trends affecting place branding.

CNP: Why do you think that this is a good time to be launching City Nation Place Latin America & Caribbean to bring together national, regional and city place branders to explore the unique challenges that the region faces?

CE: Latin America has great potential to develop its place brands, both at the country level and at the city level. At the same time we still see several projects focused on marketing and advertising, without taking into account the identity characteristics present in the place branding process. This event is a great opportunity to showcase and discuss different ways to promote cities, countries and regions.

CNP: What do you consider to be the biggest challenge facing place branding and marketing teams working for cities, states and places across Latin America and the Caribbean?

CE: The main challenge is the understanding that a place branding is not owned by a government, but by a nation that is owned by people.

Political interests are often little aligned with long-term interest needed to build a place brand. In this way, the challenge is to stay focused on long-term alignment while responding to short-term policy needs. It needs a change of mindset, from immediate result to legacy.

CNP: What do you see as being the key difference between place branding and place marketing?

CE: In a simplistic way, I can say that the place branding looks inside while the place marketing looks outside. While place branding searches for identity, place marketing aims to promote, to market. Having said that, the complementarity of the disciplines is evident; contrary to what many people say, one is not substitute of the other. Another thing that is noteworthy is that place branding, ultimately, is not about places – it’s about people!

CNP: City brands are finding their way into the spotlight – how can nation brands work more effectively with cities to support a clear place brand identity?

CE: I think there is still a good way to spotlight, although the situation today is much better than years ago.

Many cities still behave generically, if not in an amateur way. In the case of nation brands is not much different. It is necessary to understand that a nation brand is more than the sum of the city brands. Thinking about a nation brand depends on what is the “glue” (this is the term I use in the consultancy) that keeps all city brands within the nation brand umbrella. To understand this glue is to walk in the sense of unity, without losing the different singularities.

CNP: Do you think there is a growing role for the private sector in supporting nation and city brands? If so, what is your top tip for engaging private sector organisations in the process?

CE: The private sector, especially real estate, not only supports place brands, but is often responsible for shaping the development of cities. Making the private sector understand its role in building and maintaining a place brand is not only desirable, it’s necessary.

Latin America has historical issues with public management and often private initiative is the only alternative.

If, on the one hand, it is necessary to make entrepreneurs aware of this, then on the other, it is up to the professionals of place branding engage them in the process of construction / maintenance of the place brand. A healthy process of place branding involves as many stakeholders as possible: residents, visitors, entrepreneurs, academics…

CNP: Do you think it’s becoming more important to advocate for the value and positive impacts of place branding to both citizens and governments? Why is that?

CE: If Place branding is about people it is also about social impact. It is necessary to improve the life of the inhabitants before attracting visitors; without this the experience does not materialize, or at least, not in an authentic way.

Marty Neumeier says that we do not buy brands or services anymore, we follow an idea, or we follow the idea advocated by brands, something we now call purpose.

Understanding the purpose of places and consequently of their place brands is to think about people in a broad spectrum: residents, visitors, investors, etc … In this approach, everyone wins.

CNP: Other than your own session, what are you most looking forward to at the City Nation Place Latin America & Caribbean conference?

CE: City Nation Place is the most important forum to meet other practitioners and academics from around the world. In the Latin America edition, my goal is to understand how neighboring countries have been working their brands, what are the main challenges, what solutions are found.

It is an excellent opportunity to exchange experiences.

CNP: If you had the opportunity to move to any place in the world, where would you be most interested in living and working?

CE: Each place has its own characteristics and that’s what place branding is all about.

In my case, my behavior matches with European countries. A good answer would be not a single country but a nomadic digital life. In this case London, Barcelona and Berlin would be at the top of the list, who knows, 3 months in each of those places and 3 months in São Paulo? Not bad at all.

Texto Extraído do Site: City Nation Place.(https://www.citynationplace.com/interview-with-caio-esteves-ceo-places-for-us)
Foto de Capa: Caio Esteves.