Cidades e Lugares no Mundo Pós-Normal

Estamos trancafiados em nossas casas há mais de um mês, algumas cidades do mundo há quase dois meses. O cenário global mudou, ruas ficaram desertas, destinos turísticos abandonados, praças desocupadas, a natureza parece finalmente respirar em pleno Antropoceno.

Pouco se sabe sobre o futuro, sobre o novo normal, ou pós-normal como prefiro chamar. Fomos submersos por uma pandemia, e sem mesmo conseguir subir para tomar um pouco de ar, várias outras ondas nos acertaram. Em meio a rodopios, tentando estabilizar o corpo e evitando bater as costas na barreira de coral em águas rasas, também nos acertaram a revolução digital, face mais óbvia dos resultados pós-normais. Não foram poucos, pra minha surpresa, que se depararam com novas formas de trabalho, vídeo-conferências, plataformas digitais de gestão de projetos, diminuição de escritórios, tudo aquilo que já vinha sendo discutido e posto em prática há pelo menos 5 anos (numa perspectiva conservadora) atropelou os desavisados. Muitos agora também sentem o prazer de fazer reuniões importantes de pijama. Flexibilização de horários, trabalho remoto, que mundo novo se descortina a nossa frente diriam os mais tradicionais para quem o Vale do Silício não passasse talvez de uma região da Califórnia como qualquer outra, bem sem graça diga-se de passagem.

Ou seja, a pandemia nos esfregou na cara decisões que deveriam ter sido tomadas há tempos, ou pelo menos levadas em consideração. Até agora nada disso é novidade.

Igualmente não novidade é a ideia de se pensar em posicionamento de cidades e lugares, criando vetores de resiliência econômica (e agora sanitária também) conhecido como place branding, mais uma das tarefas renegadas ao famoso: “Na volta a gente compra”.

Muito provavelmente você nunca ouviu falar desse conceito. Não se preocupe, no caso do place branding você faz parte de 99,9% da população mundial. Quanto ao 0,1% que sobra, essa fração se divide em achar que place branding é marketing, design e publicidade, afinal, ter branding no nome não ajuda em nada, convenhamos.

O fato é que a abordagem existe há pelo menos 20 anos, ainda que pouco difundida como o DataCaio acabou de apresentar. Você que leu “branding” no nome deve estar se perguntando qual a relevância desse texto em meio a uma crise sanitária sem precedentes na história contemporânea. Não seria hora de pensar em água corrente, saneamento e hospitais para todos? Que mané place o que…?

Sim, você tem razão…em parte.

Como não pretendo ficar trancado em casa para sempre, muito menos vendo pessoas morrerem aos montes todos os dias, imagino, torço, se fosse religioso rezaria, pra um dia o pesadelo acabar, o quanto antes diga-se. E é justamente nessa perspectiva de pós-pandemia que escrevo esse texto. Imagine os desafios das cidades e países na retomada após meses estagnados, sofrendo prejuízos incalculáveis (de vidas principalmente) e diante de uma realidade que não se conhece.

O mundo inteiro foi nivelado, uns mais afetados, outros menos, mas o fato é que como poucas vezes na história da humanidade, o mundo todo está, ainda que com nuances, na mesma situação, no mesmo barco, sem motor e principalmente sem GPS. Diante disso fica a pergunta de um milhão de dólares: O que fazer quando tudo isso passar?

A resposta parte de um pressuposto pouco confortável, não seremos mais os mesmos. Parece que quanto a isso não existe muita dúvida; não sabemos ao certo como seremos mas sabemos que tudo será diferente. O mundo já passou por outras crises, piores até, e se recuperou, mas a sociedade sempre passou por transformações crise após crise. Também há quem diga que essa pandemia não será a última, e que os intervalos entre elas serão menores. O que podemos aprender com isso?

Abuso aqui das perguntas porque, por enquanto as temos em abundância, exatamente na situação oposta as respostas. Podemos aprender que é preciso preparar-se para os futuros problemas, e que, esses futuros problemas serão, certamente, diferentes dos problemas anteriores e com isso, as soluções anteriores se mostrarão ineficientes.

O mundo, ou grande parte dele, sempre teve aversão ao risco. O medo da incerteza dispara o dilema instintivo: lutar ou fugir. A Covid-19 nos mostrou que a segunda opção é inválida. Pela primeira vez na história não há alternativa, não há jato particular, helicóptero executivo, iate luxuoso que burlem quarentenas ou ainda, nos levem a um destino seguro. Simplesmente não existe destino seguro, em nenhum lugar do mundo, nesse começo de 2020.

Precisamos começar a pensar em mecanismos mais eficientes na luta contra futuras crises, ou se preferirem, sistemas antifrágeis. Antifragilidade é a capacidade que vai além da resiliência, e ao invés de retornar a condição anterior ao evento negativo, aprende com ele, se readapta, e, essa é a parte interessante do conceito: melhora, evolui. Nassim Taleb quando cria o termo, o compara ao processo de investigação presente nos órgãos de aviação civil em todo o mundo. A única certeza que se tem ao presenciar um acidente de avião é que aviões continuarão a sofrer acidentes, mas não pelo mesmo motivo, ou seja, a cada acidente aéreo, voar fica mais seguro. O sistema se apropria da informação e evolui, progressivamente.

Venho trabalhando há alguns anos na aplicação desse conceito para as cidades, no que chamei de “cidade antifrágil”.

Durante a pandemia foi impossível não pensar o que será dos lugares, das cidades, dos países, e como o place branding e a ideia de “cidade antifrágil” poderia ajudar nesse momento tão crítico. Depois de um bom período de negação (notoriamente a primeira etapa de qualquer crise) entendo que esse, pelos piores motivos possíveis, é finalmente o momento dessa discussão. Pela primeira vez ela será vital, necessária, ou entendida como necessária e, mais do que isso, não será confundida com nenhuma outra expertise, já que agora, discussões não podem entregar uma solução para esse problema enfrentado pelos lugares, que é, em última instância, muito maior do que uma crise de percepção.

Os lugares precisarão reinventar-se, reencontrar-se. Identidade e vocação nunca foram tão importantes. Entender o que as pessoas pensam, como elas se comportam nesse mundo pós-normal é vital. Mais do que isso, envolvê-las no processo é essencial.

Pensando nisso elenquei 6 pontos a serem considerados pelas cidades e países.

1- Transparência é essencial

Uma das coisas que aprendemos com a pandemia é a necessidade de informações claras e coesas. Informações desencontradas, além de criar mais incertezas, contribuirão para uma reputação negativa do lugar, interna e externamente.

A tecnologia, poderosa aliada das cidades, países e governos em geral, será ainda mais importante no pós-normal. Trocamos parte de nossa privacidade por segurança depois do ataque as torres gêmeas em 2001, agora abriremos mão de um pouco mais de privacidade em nome da saúde. É essencial termos certeza do que será feito com nossos dados, outrora privados.

Não existe solução tecnológica viável sem existir transparência nos processos.

2- As pessoas são atores e não meros espectadores

Outra lição obtida no pós-normal é que os cidadãos não são meros coadjuvantes. Enquanto grande parte dos fracassos ocorreram diante de decisões governamentais desastradas, exemplos de sucesso emergiram da comunidade. Redes de apoio foram criadas, movimentos solidários se espalharam pelo mundo.

O detalhe desse momento histórico que vivemos é que esse movimento solidário não se deu na esfera pública, na verdade vimos uma verdadeira guerra por respiradores e máscaras. Ela se deu na esfera das comunidades. Nunca foi tão evidente a necessidade de inclusão das pessoas no processo decisório. Comunidades fortes, com sólido senso de pertencimento, saíram-se melhor do que comunidades onde o senso de pertencimento simplesmente não existia.

Dar voz as pessoas é, em grande parte, contribuir na criação de comunidades fortes, mas ao mesmo tempo não basta só escutar, é preciso engajar, colaborar, cocriar.

Nesse ponto, esse item se soma ao item 1, transparência é essencial, e a tecnologia é o caminho para criação de ferramentas mais amigáveis e eficientes para a gestão das comunidades, sejam elas físicas ou virtuais, se é que é possível separá-las a essa altura.

3- Identidade e vocação farão a diferença

Se durante anos venho falando da importância desses elementos no fortalecimento dos lugares, a pandemia tratou de evidenciar essa prioridade. As cidades e países foram forçadamente comoditizados. Hoje, somos todos mais ou menos iguais. Ruas vazias, cidades sem vida, medo generalizado, incertezas a respeito do futuro.

Mais do que nunca os lugares precisarão buscar sua identidade, para que, através dela, possam retomar sua posição diante do pós-normal. Será preciso mais do que nunca saber quem se é e o que se pode oferecer. Todos buscarão novos critérios como segurança sanitária, e claro, é dever de todos os lugares prover essa segurança, esse é o esperado, mas, o que mais?

Voltada a nova normalidade, os lugares estarão ávidos para retomar o tempo perdido, atrair turistas, investimentos, talentos, tudo ao mesmo tempo, o mundo todo. Esse fluxo enorme de oferta gerará uma grande incerteza, qual lugar escolher? Ou pior, será que quero escolher o que quer que seja e arriscar sair da segurança da minha casa?

Essa é a hora da diferenciação, e portanto, da identidade e vocação. Quem tiver isso mais claro sairá na frente, e o momento de pensar isso é enquanto os mercados estão fechados. Claro que salvar vidas é prioridade, pensar nas estratégias de pós-normal é ação paralela, porém essencial para a retomada pós-crise. Antes que alguém me acuse de insensível, é importante entender que, novas fontes, ou antigas fontes de receita reestruturadas contribuem e muito no estado de bem estar social, aliás, elas servem pra isso mesmo.

4- Entender a desterritorialização é urgente

Tão importante quanto preparar os lugares do ponto de vista físico, será entender que os lugares, como nunca antes, tornaram-se também digitais. O mesmo Tsunami da revolução digital que afogou o mundo corporativo, também afogou os lugares. Como nunca antes, lugares se tornaram ideias, e se esticarmos a corda, culturas.

É possível experimentar a Finlândia de São Paulo, a Alemanha do Rio de Janeiro, e num caso real, experimentar as sempre brilhantes Ilhas Faroe, de qualquer lugar do mundo, controlando os moradores, que, ao usarem câmeras nas cabeças se comportam como se estivéssemos em um video game. Ou seja, se não podemos ir aos lugares, teremos que levar os lugares até as pessoas.

Os lugares terão que lidar com essa nova realidade. Chinatowns serão coisa do passado, não precisaremos mais do território, ou melhor, talvez as cidades não devam depender tanto assim de seu hardware nesse futuro incerto.

5- Por mais incerto que seja é preciso uma visão de futuro

A única certeza que temos é que a Incerteza é o termo mais usado atualmente. Ainda que não possamos prever o futuro, por mais que tentemos, é necessário, ao menos, termos uma visão. Uma visão de lugar e, sim, uma visão de futuro.

É preciso começar pelo mais fácil, ou seja, uma visão do “presente”que envolva a identidade e claro, a colaboração. Visões são sempre compartilhadas, e claro, como já entendemos, cocriadas.

A partir da visão compartilhada é possível projetarmos nossa visão de futuro, o que proporemos para os próximos anos, décadas. Uma visão de futuro impossível de esquecer nos dias atuais é a do pequeno país da antiga república soviética, a Estônia, mas como já falei dela aqui mesmo uma centena de vezes, usarei um outro exemplo, quase tão bom quanto, CAAS, ou City as a Service, que aborda a cidade de Helsinki como um serviço. Ainda que a ação, super bem sucedida, tenha sido uma campanha de marketing, para atrair talentos, a ideia pode tomar uma proporção ainda mais surpreendente no mundo pós-normal.

Se minha cidade é um serviço, será que preciso estar necessariamente no meu território para oferecê-lo? Mas claro, para sabermos que serviço é esse devemos voltar a todas os itens anteriores, em especial o número 3.

6- Processos e sistemas menos frágeis

E o gran finale da nossa lista é a antifragilidade, claro, no fundo a ideia que permeia todas as outras ideias. É preciso pensar em sistemas, plataformas, ferramentas mais amigáveis e dinâmicas, lembrando que segundo vários especialistas, essa pandemia não será a última.

É preciso entender, e não se trata mais de clarevidência, que as novas ameaças virão do futuro, e portanto, as ferramentas do passado não serão mais capazes de combatê-las.

Entender que não temos as respostas e, portanto, nem soluções, é a melhor atitude a ter nesse reboot pelo qual o mundo foi submetido.

“Ipse se nihil scire id unum sciat“, o socrático “só sei que nada sei” nunca soou tão atual.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/cidades-lugares-no-mundo-pos-normal/)
Foto de Capa:
Lee Kyutae, aka Kokooma.

O Desafio de Governar as Cidades Frente ao Futuro Incerto

Enquanto as cidades brasileiras já sabem quem serão seus representantes eleitos, os eleitores do Amapá ainda terão o segundo turno. Além do apagão que esse Estado sofreu, esse ano foi marcado por muitas “surpresas”. Escrevo “surpresas”, assim mesmo entre aspas, porque cabe aqui um grande questionamento: Será que é possível ter alguma certeza sequer sobre o futuro?

Se essa era uma dúvida, 2020 tratou de saná-la, embora a ideia de futuro possa ser essencialmente traduzida como incerta pra não dizer desconhecida, nos acostumamos a tentar prevê-lo, controlá-lo, domá-lo. Lembro perfeitamente, quando, no começo da pandemia, falou-se num evento Cisne Negro, eu mesmo cheguei a usar essa comparação mas rapidamente corrigi-la ao ver o próprio criador do termo dizendo que não se tratava de um evento do tipo, afinal, muitos haviam sido os estudos que cogitavam a possibilidade de uma pandemia, isso sem falar no cinema, sempre ele, adiantando o futuro que insistimos em perseguir, ainda que devidamente avisados.

O fato é que além de não conseguirmos prever o futuro, também não conseguimos dar muito atenção quando alguém nos avisa sobre ele. Por um lado, finge-se que se tem uma capacidade clarividente e, por outro, simplesmente ignora-se os estudos científicos capazes de, pelo menos em parte, prevê-lo. 

Mas o que isso tem a ver com as cidades e os novos prefeitos?

Os novos prefeitos pegarão suas cidades muito diferentes de seus antecessores. Quanto a isso parece não haver mais dúvida. O problema ainda maior é que não só as cidades mudaram, mas o mundo mudou, e, provavelmente, nunca mais será igual ao que foi até janeiro de 2020. Não se trata de uma visão pessimista de mundo, mas uma constatação óbvia, pragmática. O mundo mudou e nós mudamos com ele, ou por causa dele, ou a nossa mudança mudou o mundo, não importa.

Me encontro em meio a pandemia com algumas suposições com embasamento considerável, embora ainda suposições. Seremos mais urbanos, continuando a tendência de alta dos índices de densidade dos centros urbanos, ou retomaremos ao espraiamento, à vida próxima a natureza, ou a alguma ação de marketing bem elaborada que tem seu começo ainda no século XIX? Seremos mais globais ou nos renderemos ao nacionalismo populista? (desculpem, não consigo desassociar essas duas palavras), e talvez a questão mais delicada e importante de todas, seremos mais solidários ou mais individualistas?

Escrevo esse artigo ainda sob o efeito de duas noites muito mal dormidas após assistir ao ótimo e absolutamente indigesto documentário “Cercados”, que conta a labuta dos jornalistas que se expõem diariamente na tentativa de criar canais de informação independentes das redes de fake news que assolam o mundo. Ao mesmo tempo que me indigno, sinto um enorme alívio de estar mais na posição que se tornou alvo fácil de governos e apoiadores.

Mas a indignação com as questões levantadas pelo documentário talvez venha pela certeza escancarada que existe uma grande parte da população alinhada às ideias do atual governo, e nesse momento a dúvida surgiu em forma de insônia: como realizar processos colaborativos e cocriativos com pessoas que de um lado gritam “mito”, imitam toscamente uma mistura de soldados gregos e grupo extremista, ou ainda, imprensa comunista gayzista e de outro a turma que acha que o ex-ministro da justiça é um agente da CIA e que Venezuela e Cuba são exemplos de democracia. Como colocar essas pessoas para trabalhar juntas?

Colaboração é a chave

Se aprendemos alguma coisa nesses trinta anos passados em oito meses, é que não conseguimos fazer tudo sozinhos, até o mais nacionalista populista sabe disso, com a diferença que ele se entrincheira com seus pares e irmãos de pátria (nunca pensei que esse termo faria um dia sentido e muito menos que iria utilizá-lo em um artigo sobre cidade e política). Por não poucas vezes escrevi que as comunidades com maior vitalidade saíram- se melhor no mundo pandêmico do que as comunidades que nem comunidades eram.

Se os processos colaborativos e cocriativos já eram trabalhosos e difíceis, quem dirá agora num mundo polarizado como o atual. Essa tem sido uma pergunta recorrente em palestras Brasil afora, como juntar esse povo que pensa tão diferente? Minha hipótese, que ponho em prática diariamente, e aqui fica a primeira dica para os prefeitos, é encontrar aquilo que junta indiscutivelmente essa turma tão diferente, uma dor conjunta (que geralmente é mais fácil de ser identificada do que um sonho conjunto) e partir daí. Deixe a política partidária-ideológica de lado e concentre-se no ser humano, no indivíduo que está ao seu lado ou à sua frente. Antes de pensarmos de forma coletiva, cultural, subcultural é preciso entender os indivíduos e dar a eles a oportunidade de conexão, criando um novo comportamento, agora diante de um grupo até então desprezível.

Mas isso não é tarefa fácil, é preciso vontade antes de tudo, mas uma considerável dose de persistência e claro, conhecimento. Conseguir a participação das pessoas em algo que podemos chamar de “bem maior” não é fácil. Para isso toda a tecnologia é bem vinda, e para mim, esse é um dos pontos que faz uma cidade ser de fato inteligente. É preciso criar sistemas, ferramentas e plataformas de fácil interação, não só fácil como prazerosa. Não pode ser como reunião de condomínio ou como consulta pública, ou melhor, não pode ser para inglês ver.

Mas já que eu falei de tecnologia

Mas a tecnologia não se limita a unir as pessoas, embora essa já fosse uma conquista enorme, é preciso entender que a cidade se tornou algo muito além do seu território físico, seu hardware. A possibilidade de novas ondas, vírus e lockdowns nos aponta a uma necessidade ainda que não inédita, recente, a de se pensar a cidade (e o bairro, o país, o estado, etc…) de forma desterritorializada, ou como prefiro chamar, é preciso pensar na supraterritorialidade dos lugares.

Há muito se fala sobre a cidade como o lugar do encontro, da interação. Se essa interação não se dá mais fisicamente, ou melhor, presencialmente, então onde está essa cidade? Acho que o primeiro que me alertou para isso foi o amigo e também arquiteto Caio Vassão. Já tinha lido um de seus artigos sobre isso e estressamos esse assunto em meio a uma das “lives para o fim do mundo” que promovi nos momentos mais punks da pandemia.

Como disse, embora não seja uma discussão nova, e já existam alguns ótimos exemplos internacionais como os projetos recentes de turismo virtual das Ilhas Faroé, ou a nação digital do e-Estonia, nosso governo ainda está longe de entender a cidade como um ativo que pode ser também intangível.

Lá vem a intangibilidade mais uma vez…

Num mundo desterritorializado de uma sociedade desmaterializada, o que nos resta é o intangível.

Onde eu estou não importa, o que eu experimento importa. Trabalho, relacionamento, esporte, cidade, país, tudo isso e muito mais foi transformado esse ano.

Aos novos prefeitos é preciso criar novos mecanismos de relacionamento com a cidade, relacionamento interno e externo. Cada vez fará menos sentido ficar numa fila para um serviço público, aliás isso já é uma vergonha, uma vez que a tecnologia para esse tipo de uso está disponível há tempos. Fará menos sentido deslocar-se para a realização de alguma tarefa burocrática, ou ainda, fará cada vez menos sentido visitar uma cidade, estado ou país fisicamente ( ok, exagerei muito aqui pra explicar o meu ponto) pelo menos numa primeira vez, ou ainda, principalmente em momentos de crise sanitária, crise essa que inclusive pode inviabilizar por longos períodos a presença física de visitantes em alguns países específicos.

Se o hardware não era lá um grande diferencial há tempos, agora ele precisa ser complementado pelo software, ou mais do que isso, pela “alma do lugar”. É a experiência com essa alma que cria valor aos lugares, ou como repito desde sempre, se fossemos a Nova Iorque para exclusivamente vermos a Estátua da Liberdade, poderíamos economizar um belo dinheiro, além da economia de energia coma burocracia necessária para o visto, simplesmente andando alguns quilômetros até a loja Havan mais próxima, e ainda ganharíamos uma visita a Washington de brinde.

É com essa alma, esse ativo estratégico intangível que os novos governantes precisam estar atentos. Essa alma, inclusive, é responsável para suprir as necessidades do “corpo”, entender esse espectro dos lugares é se colocar de forma assertiva e eficiente num mercado ávido por talentos, visitantes, investimentos, recursos humanos e econômicos.

Claro que diferente das empresas, as prefeituras não precisam gerar lucro, mas quanto mais dinheiro elas gerarem, maior deverá ser o estado de bem estar social da população.

O futuro é frágil

A “Cidade Antifrágil” vem sendo meu objeto de estudo e trabalho nos últimos anos. O conceito criado por Nassim Taleb, parte da ideia onde é preciso ir além da resiliência, onde enquanto a resiliência é a capacidade dos elementos voltarem a sua forma original após um evento traumático, a antifragilidade é a capacidade de evoluir após um evento traumático, aprimorando-se ante ao caos.

A minha “fórmula” para a cidade antifrágil, começou com três dimensões e hoje já são doze. Incialmente, identidade do lugar, que nesse artigo abordei como resultado dos processos participativos e do uso melhor a mais frequente da tecnologia e da vocação, e a opcionalidade, diretamente derivada da antifragilidade, que é a criação/identificação de outros vetores de desenvolvimento econômico de um lugar, cidade ou país.

A opcionalidade é outra lição importante de 2020. Quem depositou todas as fichas até então em um único vetor pode não sair muito saudável no fim de toda essa loucura. Esse é um aprendizado para os governos municipais, a diversificação. Claro, diversificação com origem na identidade e vocação do lugar. Não precisa de um grande esforço de criatividade para imaginarmos o que aconteceu com grande parte das cidades turísticas ou majoritariamente turísticas do mundo ao longo desse ano.

Se o futuro é o incerto e frágil, a cidade antifrágil é o presente, dinâmico e adaptável, colaborativo e conjunto, físico e virtual.

Se não se pode combater os problemas do futuro com soluções do passado, é preciso estar apto a combater os problemas do presente com as soluções do presente. Isso não significa uma visão imediatista sob nenhuma hipótese, mas sim a compreensão de que o pensamento estratégico, e última instância, a visão de futuro, passam por projetar ferramentas e sistemas capazes de lidar com o hoje e toda a sua complexidade e velocidade ao invés de tentar prever o futuro, pelo simples fato do presente ser o tempo sobre o qual ainda temos algum controle, diferente do futuro, sempre mutável e incerto.

Na dúvida, aposto minhas fichas em processos gerenciais e decisórios mais compartilhados, próximos e adaptáveis. Quanto às bolas de cristal, bom, deixo-as no universo da fantasia, ainda que o dia-a-dia do nosso país esteja cada vez mais distante de uma realidade plausível.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/o-desafio-de-governar-as-cidades-frente-ao-futuro-incerto/)
Foto de Capa: Brian Rea.

Cidade, desterritorialização, e o futuro das comunidades planejadas.

Em meio a tantas mudanças nessa pandemia que parece que nunca acabará, um comportamento se destacou: a transformação da nossa relação com a moradia, e por extensão com a cidade.

Se antes o mercado imobiliário tinha uma relação quase compulsiva com o conceito location, location, location, hoje essa ideia, assim como tantas outras, simplesmente foi colocada em xeque. A partir do momento que passamos quase um ano inteiro dentro de casa, e na iminência de passarmos mais algum tempo, a localização da sua moradia pouco acaba importando. Tomemos o meu próprio exemplo, morador apaixonado do centro de SP há quase uma década, me deparo, nas minhas incursões semanais pelos arredores com um bairro triste, sem vida. As ruas apinhadas de pessoas deram lugar às placas de aluga-se, restaurantes fecharam, negócios quebraram, e o que era o coração da cidade se transformou numa área periférica de uma cidade do Brasil profundo. Melancolia é a palavra que define, não se tromba mais com as pessoas, não se ouve mais a confusão de vozes oferecendo chips da Vivo, Tim, da Claro e da Oi, exatamente nessa ordem, não se pode mais comer um pastel de nata na Casa Matilde, comprar um vinil de alguma banda obscura no Big Papa, comer uma esfiha igualmente maravilhosa e cara, com a barriga encostada no balcão secular do Almanara da Basílio. Centro de São Paulo e Rio Branco me parecem a mesma coisa.

Já falei exaustivamente sobre o processo de desterritorialização que sofremos com a pandemia. Se nossa relação interpessoal se tornou virtual, a cidade, palco até então desses encontros, também se tornou virtual, embora ela não tenha percebido isso, nem os que a gerenciam. Se sempre nos relacionamos por identificação, por tempos essa identificação se refletia no lugar que habitávamos e frequentávamos, agora essa identificação virtual pode se dar com lugares, pessoas e marcas do outro lado do mundo, embora o próprio conceito de outro lado do mundo também tenha sido colocado em xeque, afinal, finalmente vivemos a aldeia global de Mcluhan, ou ainda o metaverso de Stephenson. Nos tornamos avatares nessa imensa vídeo-conferência que virou nossa vida.

Ao mesmo tempo que mudamos nossa relação com a cidade, voltamos nossa atenção, energia, e o pouco dinheiro que sobrou, quando sobrou, para a nossa moradia. Assisto com um sorriso de canto quando vejo os “influenciadores” falando de Biofilia como se ela tivesse sido inventada agora e não por Wilson em 1984, em outro século literalmente. Se passávamos muito pouco tempo em nossas casas, as quarentenas da vida nos fizeram nos aproximar dela, matamos a saudade do genius loci, colocamos plantas, muitas plantas, assassinamos várias, salvamos algumas, fizemos home-gym, home-theater, home-restaurant, home-shopping, homeschooling… aqueles que puderam, óbvio.

Em meio a esse cenário caótico, outro segmento permaneceu forte além dos garden centers, o bom e velho mercado imobiliário. Contrariando as previsões mais pessimistas, inclusive a minha, esse mercado manteve seu fôlego e ainda não da sinais de cansaço. Mas afinal, se a cidade se desterritorializou, qual será a nova abordagem, o novo caminho desse mercado tão tradicional e notoriamente avesso a inovação?

Algumas obviedades se apresentaram, home offices gourmet por exemplo, sim me divirto com as invenções marqueteiras desse segmento, afinal elas são abundantes.

Mas além da necessidade de concentrar nossas necessidades e desejos em dimensões cada vez menores é preciso entender e estender a compreensão desse novo momento para muito além das unidades. Se a cidade agora é um lugar de contemplação e experiência e não mais de funcionalidade, é preciso criar conexão entre unidade e bairro, entre bairro e cidade, entre prédio e rua. Um dos aprendizados recentes é a necessidade crescente das micro centralidades, que podemos chamar de comércio e serviços de proximidade. Foram eles que nos salvaram durante os momentos mais duros. Ao entorno dessas pequenas centralidades, não só nos abastecemos como sabemos do que se passa na região, buscamos apoio, oferecemos ajuda, é ao entorno desses pequenos núcleos que a vida comunitária acontece com mais vitalidade.

Se antes terrenos longínquos eram extremamente problemáticos, e a ideia de segunda moradia (aquela de veraneio, férias, fim de semana) era um segmento praticamente abandonado, agora a desterritorialização, trouxe um novo fôlego para esses empreendimentos, agora, afinal, podemos, pelo menos alguns de nós, morarmos como segunda residência e trabalharmos como primeira. Importante aqui ressaltar que embora esse processo dê nova vida a vetores de cidade até então esquecidos, a necessidade por uma vida comunitária precisa ser reforçada. Além da necessidade de criação das micro centralidades outro elemento deve ser levado em conta, o significado.

Se sempre buscamos por uma vida com significado, podemos dizer que em grande parte nossa felicidade (como sinônimo para bem-estar) depende do significado que damos as nossas vidas. Ao longo da minha trajetória no place branding, sempre imaginei que essa seria a principal colaboração da disciplina confundida comumente com marketing ou design. Afinal falamos de identidade e significado é o resultado desse alinhamento de identidades que podemos chamar de identificação.

Os novos empreendimentos pós-pandemia precisam não só olhar para os aspectos práticos e racionais da vida cotidiana, mas também, ou principalmente, para os aspectos emocionais e intangíveis, para os quais a tecnologia ainda não conseguiu grandes resultados.

As novas comunidades planejadas devem buscar exatamente o que o seu nome propõe, ou seja, serem comunidades de fato. Agora, o que nos junta enquanto comunidade (que na verdade sempre nos uniu, mas o excesso de ruído não deixava claro) é a nossa identificação com o lugar, que por sua vez é resultado da identificação com as pessoas do lugar, uma vez que, como prega a geografia humanista ( ou humana), o lugar é feito pelo significado que as pessoas dão ao que até então se comportava como espaço ( território com ausência de significado).

Outro destaque é para o termo planejado. Tradicionalmente quando pensamos em algo planejado, como móveis de cozinha para ficarmos num exemplo próximo, pensamos em algo sob medida, que funciona naquele determinado lugar e não pode ser transferido para outro. Por um lado, esse pensamento é absolutamente correto, afinal, cada lugar é único e sua identidade e singularidade intrasferíveis, por outro, é preciso entender que esse planejamento precisa prever uma certa informalidade, um dinamismo capaz de promover sua adaptação ao cenário incerto que se aproxima. Planejamento aqui não é a característica hermética em si, e sim, planejado para se adaptar e principalmente evoluir.

Comunidades planejadas devem ser lugares vibrantes, que na minha opinião, são lugares com pessoas, significado e atividade, que formam um tripé onde a ausência de qualquer um dos apoios torna a estrutura instável e inviável.

Se até pouco tempo os bairros planejados eram bolhas, agora a solução é serem cada vez mais cidade, e se cidades são pessoas como diria Shakespeare, comunidades planejadas não tem absolutamente nada a ver com território, área, terreno e sim com cultura, significado e claro, pessoas.

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/cidade-desterritorializacao-e-o-futuro-das-comunidades-planejadas/)
Foto de Capa:
Celyn Brazier

A cidade e o mundo descomoditizado.

Quando a economia brasileira dá algum sinal de melhora, como o dólar mais baixo, por exemplo, automaticamente começamos a ouvir o termo commodity, nosso “eterno” tesouro, que segundo o dicionário Oxford é “qualquer bem em estado bruto, ger. de origem agropecuária ou de extração mineral ou vegetal, produzido em larga escala mundial e com características físicas homogêneas, seja qual for a sua origem, ger. destinado ao comércio externo”. Fora do agronegócio esse termo é usado para definir algo que não possui nenhum tipo de diferenciação, algo genérico, cuja qualidade independe de marca ou origem.

No Marketing, durante décadas, procuramos vender algo baseado em seus atributos funcionais e de performance: o sabão que limpa mais branco, o adoçante com menos gosto de corrimão de escadaria de rodoviária, menos gordura aqui, menos sódio acolá. Isso fazia algum sentido num mundo onde a tecnologia ainda não era compartilhada, onde não se tinha acesso a informações de forma mais ou menos igualitária pelos players do mercado. Já na década de 1950 identificamos que nossas compras não se davam de forma racional, pois até então, a ideia ao redor das marcas era simplesmente agilizar o processo de compra diminuindo o tempo gasto para escolher determinado produto. Mesmo sabendo disso, ainda continuamos por anos nessa corrente funcional.

Com maior relevância, desde o começo desse milênio, o branding – ou o pensamento voltado para a gestão estratégica de marca – ganha espaço, entendendo que, mais do que a racionalidade, nossa relação se dá com marcas muito mais do que com produtos. E ainda, mais recentemente, entendemos que não só não compramos marcas como na verdade, muitas vezes, o verbo comprar não se aplica. Aderimos a uma ideia representada por determinada marca e nos relacionamos em função da identificação entre nossa própria identidade e a identidade das marcas disponíveis. Passamos de compradores a cocriadores, em vez de alvos, pessoas, membros de uma comunidade.

Validando a própria identidade

Há quem diga que nos relacionamos com as marcas que validam nossa identidade e nossa personalidade, algo facilmente comprovado ao pensarmos em estereótipos como o carro do tigrão, a bolsa da perua, o tênis do descolado e como esses outros milhares de exemplos nos mais diferentes segmentos do consumo. Será que o mesmo se dá com os lugares?

A resposta simples é um sonoro SIM. Escolhemos onde morar e onde passar as férias, por exemplo, com base naquilo que somos e talvez naquilo que queremos ser na visão do outro. Essa segunda opção tem prazo de validade. Ninguém, ou pelo menos a maioria das pessoas, não está disposta a sacrificar a própria felicidade e identidade em troca de uma percepção positiva da sociedade (menos no Instagram, pois ali vale tudo).

O infindável período pandêmico nos fez repensar e ressignificar uma boa parte de nossas vidas e uma das perspectivas que tiveram especial atenção foi a nossa relação com esses lugares ao nosso redor.

A casa-mundo e o retorno à bolha

Se antes a ideia de lugar se aplicava a cidade ou bairro onde vivíamos, hoje ela certamente se estendeu ou se transferiu para dentro das nossas moradias. Nosso maior período de clausura nos fez questionar uma série de escolhas, internalizamos academia de ginástica, sala de cinema, restaurante, escritório e até a natureza. O termo biofilia, que trata da relação homem/ natureza nunca foi tão presente e ainda que seja um conceito dos anos 1980 parece ter sido cunhado em meados de 2020.

O mercado imobiliário se alvoroçou. Nada era longe demais, desconectado demais, isolado demais. De uma hora pra outra parou de existir “área ruim” e o famigerado “location, location, location” mantra maldito do segmento (pelo menos da forma como era visto/ abordado) foi pelos ares. Quem estava em centros outrora vibrantes cogitou trancar-se em um condomínio-bolha nos cafundós, quem pôde fugiu para as montanhas, para a praia, ainda que tudo não passasse de paisagem.

Se o mundo se voltou para dentro das moradias, qual o futuro das cidades?

Embora fenômenos já explicados nesse mesmo espaço como a desterritorialização e a desmaterialização tenham sido acelerados pelo isolamento, não podemos dizer que ouve uma desidentificação, ou seja, continuamos sendo, mais ou menos, as mesmas pessoas que éramos quando toda essa loucura começou; nossos valores, caráter e personalidade, deveriam se manter os mesmos ainda que nosso comportamento tenha mudado.

Como vimos há pouco, nos relacionamos cada vez mais com ideias ao invés de produtos ou marcas. Um lugar, cidade, bairro é, essencialmente uma ideia ou um conjunto de ideias. Sempre é bom lembrar que a diferença entre espaço e lugar, sob a perspectiva da geografia humana é que um lugar é um espaço dotado de significado pelas pessoas, logo, um lugar é feito por pessoas e, no fim das contas, para pessoas, uma vez que é o conjunto dessas pessoas que confere identidade ao lugar.  Quanto maior for a eficiência dos lugares em comunicar esse seu significado, essa identidade, maiores as chances das pessoas que se identifiquem com ele possam fazer parte dessa comunidade, presencial ou virtualmente. Sim, um lugar é muito mais do que seu território físico – chamo essa ideia de supraterritorialidade.

A cidade-lugar e a cidade-commodity

Todas essas mudanças citadas apontam para a necessidade urgente de repensarmos os lugares. As dificuldades impostas pela pandemia nos fizeram questionar nosso próprio percurso pela cidade. A aceitação de novos comportamentos, como por exemplo, as reuniões virtuais e a popularização de compras cada vez mais cotidianas pela internet nos permitem – ou permitem aqueles que podem ­– uma relação mais limitada com a cidade. Se antes eu precisava sair de casa para quase tudo, agora, esse quase tudo chega até mim, de forma eficiente e muitas vezes gratuita. Se a cidade não é mais um lugar estritamente funcional, qual será sua nova função primordial?

Minha hipótese é o prazer.

Mas essa reflexão não é só uma relação entre funcionalidade x prazer endereçada à gestão municipal, que agora, além de precisar pensar as características de identidade de suas cidades, precisam propor experiências positivas e preparar seus espaços públicos para esse novo momento.

É também uma questão essencial aos empreendedores e comerciantes. Depois de mais de um ano preso no vai e vem do isolamento social, ao sair na rua, ainda desconfiado, com máscara e litros de álcool gel e andar por um centro brasileiro qualquer, eu pergunto: Quantas dessas lojas me fariam sair de casa novamente? A comoditização já era uma realidade nos produtos, cada vez mais semelhantes, agora os serviços também se tornaram, pelo menos aos desavisados, genéricos, incapazes de criar uma experiência diferente ou melhor do que a compra virtual.

É preciso atenção a esse novo momento tão delicado. Não se trata mais de abrir ou fechar, se trata também do que se é capaz de oferecer e se essa oferta é capaz de ser percebida como valor.

A mesma reflexão serve as cidades: o que faria alguém sair de sua cidade para ir até outra? Provavelmente teremos cidades-lugar, com identidades bem definidas capazes de criar experiências positivas e com isso atrair turistas, moradores, talentos, e teremos as cidades-commodities, onde no máximo resolveremos aqueles problemas que, por não sermos a Estônia, ainda precisamos de órgãos públicos e da burocracia em geral, saindo de nossas bolhas fora da área urbana, dentro de nossos carros com ar-condicionado e não vendo a hora de voltar para o paraíso, ou pior ainda, viveremos em meio a elas por pura falta de opção.

Talvez, e espero estar profundamente errado, as ruas comerciais não voltem a ser as mesmas, cheias de gente, vibrantes, universos a serem descobertos. Talvez esse distanciamento tenha começado por conta de um vírus e, no final, continue por pura falta de interesse.

E você, o que quer para sua cidade?

Texto Extraído do Site: O Futuro das Coisas.(https://ofuturodascoisas.com/a-cidade-e-o-mundo-descomoditizado/)
Foto de Capa:
Celyn Brazier

Os 5 porquês do place branding

Muitos me perguntam como seria “vender” place branding num país que ainda não entende direito nem o que é branding.

Em primeiro lugar, está claro para mim que as “cidades” estão na moda e passam a ser o centro da discussão no mundo todo — e o Brasil também começa a se inserir neste universo.

A ideia veio com a sobreposição de outras duas disciplinas, o placemaking e a comunicação. O placemaking, que qualifica espaços públicos, seria uma forma de trabalharmos o “brand experience” e a comunicação seria a forma de trabalharmos o “brand expression”. Dessa forma fecharíamos o ciclo: identidade + experiência + expressão; ou ainda: pensar + fazer + comunicar.

Foi com essa ideia que desenvolvemos o identity placemaking, que trabalha tanto as questões conceituais quanto as projetuais, levando o conceito até a sua materialização no espaço público e sua comunicação. Esse framework faz a transição entre o intangível e tangível, criando experiências palpáveis, replicáveis e comunicáveis — algo absolutamente necessário aos possíveis contratantes.

Com isso ficou muito mais fácil convencer quem quer que seja. Ouvimos certa vez que o place branding transforma capital do lugar em capital político, e também acreditamos nisso.

Esse capital político também tem um enorme poder de atração e sedução, uma vez que ele facilmente pode se tornar um legado do político ou grupo político que teve a visão, o espírito inovador capaz de ser um “early adopter” de um pensamento já em curso e com bons exemplos em muitas partes do mundo, mas ainda um pensamento quase que desconhecido por nossas bandas — e, afinal, nada como atiçar o bom e velho ego e ainda transformar os lugares!

Mas vamos aos cinco porquês do place branding:

1. Transformar capital do lugar em capital político

Sabemos que a qualidade de um lugar pode ser medido pela qualidade dos seus espaços públicos. Um lugar que entende seu potencial, reforça sua vocação e qualifica seus espaços públicos tende a ser um lugar lembrado e com uma população orgulhosa, criando senso de pertencimento capaz de transformar espaços em lugares.

2. Criar um ideia capaz de engajar pessoas e, por que não?, eleitores

place branding parte sempre de dentro pra fora. No caso dos lugares, isso tem ainda mais importância. A criação de uma ideia comum (e não única) tem capacidade de aderência de diferente segmentos da comunidade, agora unidos por um ideal compartilhado. A participação de todos legitima e qualifica o processo, além de reforçar o senso de pertencimento.

3. Criar uma visão inovadora

A preocupação com as cidades ainda é uma ideia nova no país. A relação entre cidades, marcas, engajamento e comunicação, dentro de um mesmo guarda-chuvas é inovadora. Os lugares que entenderem essa necessidade automaticamente se posicionarão como inovadores. Mas, é importante lembrar, não basta falar, é preciso fazer.

4. Inserir no mapa

Seria muita inocência pensar que cidades não sofrem concorrência. As cidades concorrem por atração e retenção de talentos, por investimentos, por indústrias e também, e não unicamente, por turistas. Um lugar com uma identidade clara, uma oferta sólida e coerente, tem muito mais oportunidades e possibilidades de sucesso.

5. Melhorar e experiência nas cidades

E por fim, o motivo mais óbvio, o place branding qualifica os espaços públicos e melhora consideravelmente a experiência nos lugares. É importante entender que ele não é privilégio de grandes cidades com grandes potenciais econômicos. Essa abordagem é útil em qualquer dimensão de lugar. Na verdade, quanto mais aparentemente desinteressante for um lugar, maior a necessidade desse trabalho — afinal, vender uma cidade com um Torre Eiffel não é exatamente difícil.

Meu nome é Caio Esteves e sou CEO da PLUS | PLACES FOR US, a primeira agência brasileira dedicada a construir e fortalecer marcas-lugar. Especialista em branding com mais de doze anos de experiência na construção de marcas, também sou diretor da CEB+D, agência multidisciplinar de branding e design, membro do Insitute of Place Management de Manchester (IPM) na Inglaterra, colunista e membro do conselho consultivo do Congresso City Nation Place, colaborador da publicação Place Branding and Public Diplomacy. Sou também coordenador do 1º MBA de Place Branding do país e professor no curso Branding Innovation nas Faculdades Integradas Rio Branco em SP e professor de Branding nos cursos de pós-graduação e MBA do IED-SP e do MBA Branding na faculdade Alfa- GO.

Além dos projetos de Place Branding em andamento, a PLUS está presente na discussão mundial de Place Branding e Placemaking, com participações em duas edições do Future of Places (Argentina e Suécia), prévias para o UN HABITAT 2016 (ONU), apresentação de artigo no II Congresso Internacional de Marcas (Brasil) e como única presença brasileira no CityNationPlace, congresso internacional de Place Branding em Londres. Também faz parte do IPM, Institute of Place Management, vinculado a Manchester Metropolitan University.

Texto Extraído do Site: Site Medium.(https://medium.com/simonsen/os-5-porqu%C3%AAs-do-place-branding-33db8996842e)
Foto de Capa:
Caio Esteves.

Place branding: quando lugares tornam-se marcas estratégicas e autênticas

O papel da gestão de marca vai além do âmbito corporativo e comercial. Entenda mais sobre place branding e seu impacto positivo em pessoas e lugares

Através de uma comunicação ágil e direta, desenvolvimento do turismo global, expansão de conteúdos digitais focados em lifestyle e relações cada vez mais próximas e multiculturais, cidades, estados e países tornam-se mais do que o destino dos sonhos: eles passam a agir ativamente na construção de memórias, marcam momentos importantes e buscam transcender as experiências efêmeras que muitas vezes constituem relações entre pessoas e lugares.

Nessa estratégia de crescimento coletivo – que busca por autonomia e desenvolvimento –, o place branding é essencial para transformar lugares em marcas que criam contatos positivos e transformadores.

Cultura, personalidade e reconhecimento

Assim como as pessoas, lugares possuem histórias. Com base em culturas, tradições e vivências, cada localidade explora o futuro enquanto respeita e preserva seu passado. Em seu ecossistema, desenvolve a comunidade ao mesmo tempo que cidadãos e organizações devem participar dessa construção em sintonia.

Antes de entender como a estratégia ajuda a transformar lugares em marcas, precisamos compreender que a base desse trabalho é feita por pessoas em uma cultura de múltiplo conhecimento que valoriza o ser humano e sua integração à comunidade

No Brasil, por exemplo, cidades do norte do país são totalmente diferentes das sulistas – não apenas em questões ambientais e climáticas, mas também nas atitudes comportamentais, costumes, tradições e, até mesmo, religiões. Essa diversidade impacta a forma como o país é visto não apenas por visitantes de outros países, mas, também, pela própria população, que contempla sua cultura, defende suas tradições e valoriza como seus representantes atuam a partir dessas diferenças.

“Cidadãos são engajados quando desempenham um papel ativo na definição de questões, consideração de soluções e identificação de recursos e prioridades para ação.” Jeannette Hanna, estrategista de branding.

Fazer place branding e criar marcas-lugares (nome dado aos locais que implementam essa estratégia) obtendo sucesso é atuar com o pensamento voltado às particularidades de cada território, colocando sua população como principal aliada nas mudanças. Isso acontece das atitudes governamentais à criação de um novo propósito para essa marca-lugar.

O que é place branding?

Agora que você entende a base da criação e implementação dessa estratégia, compreenda o que ela significa.

Branding 

Branding é a concepção de imagens positivas e intencionais para marcas a partir de um processo contínuo de gestão, que permeia o dia a dia e também as ações estratégicas e táticas de todos que as representam. 

Place branding

Nesse sentido, marcas-lugares são localidades – como cidades, estados ou países – que incluem a gestão de marca como suporte, unindo a visão comercial, a administração populacional e as atividades de marketing, design e posicionamento. 

“Muito mais do que belas imagens, o place branding trabalha com o conceito, a ideia central que move (e perpetua) um lugar.” Caio Esteves, autor do livro Place Branding

Com uma visão representativa do desenvolvimento econômico, político e cultural das regiões, essa estratégia de gestão estipula o propósito e a essência do local em questão, assim como em um projeto de marca. 

O papel de ativação do projeto começa identificando as vocações, entendendo quais valores importam e quais características simbolizam. Depois, potencializam-se as identidades, reconhecendo seus papéis e formatos. E, por último, o lugar é fortalecido, usando o branding, junto a outras estratégias de marketing e design, estruturando a comunicação da marca-lugar.

Gráfico “O tamanho da encrenca” do livro Place Branding de Caio Esteves

As esferas que apoiam o place branding voltam-se a diversas faces de desenvolvimento, indo das particularidades sociológicas às técnicas de marketing aplicadas na comunicação. 

Como a gestão trabalha cada ponto de atenção?

Tendo como exemplo a sustentabilidade, as estratégias são ativadas em frentes como:

  • Inovação sustentável;
  • Prioridade aos pedestres;
  • Transportes alternativos;
  • Investimento em preservação do meio ambiente;
  • Diversidade de energias;
  • Hortas comunitárias;
  • Campanhas de preservação;
  • Cuidado e integração a espaços verdes.

As ações de cada frente do place branding são orientadas por duas estruturas desenvolvidas na estratégia: a essência e o posicionamento da marca-lugar, que direcionam suas formas de pensar e agir. 

Place branding, place marketing ou place management?

Apesar de parecerem nomes diferentes para a mesma estratégia, place branding, place marketing e place management são ações distintas que compõem a gestão das marcas-lugares. 

Place branding: método de planejar, desenvolver e construir o posicionamento de marca para o lugar. 

Place marketing: meio que aborda e cria ações de marketing voltadas às necessidades e desejos dos públicos-alvo. 

Place management: processo de manutenção, modificação e desenvolvimento do projeto ao passar do tempo, buscando manter as diretrizes construídas no posicionamento. Em alguns casos, esse trabalho é feito por um brand manager

O place branding, portanto, atua como um definidor para a base da comunicação e propósito do lugar, transformando as ações que já existem e estipulando os racionais necessários para manter essa essência no futuro.

Benefícios do place branding

Entendendo que o place branding tem seu início nas pessoas e que se desenvolve para várias áreas da administração local, descubra agora quais são os principais benefícios dessa estratégia:

Identidade definida

Com sua identidade visual estipulada, a marca-lugar pode comunicar-se de forma única, tendo voz própria e autenticidade.

Proximidade da população

Com um povo orgulhoso de suas raízes, a cidade, estado ou país pode estar mais próximo de seus moradores e contar com a colaboração dos cidadãos para aplicar e evoluir esse novo posicionamento.

Economia aquecida

Como consequência da comunicação unificada, dos objetivos pautados em conjunto e da divulgação empoderada pela marca-lugar, o aumento dos negócios e o fortalecimento do comércio local acontecem.

Maior qualidade de vida

Através das atitudes alinhadas e colaborativas, empresas, cidadãos e órgãos públicos trabalham com objetivos claros e um posicionamento único, aumentando a qualidade de vida através da atuação conjunta. 

Atitudes alinhadas ao propósito

O posicionamento da marca-lugar serve como um guia de atitudes, projetos e comunicação que permite maior racionalização nas tomadas de decisões.

“Fazer com que pessoas se conectem a um local através de experiências relevantes e positivas é uma das principais funções do place branding. Esse processo que integra passado e futuro atua na união de pessoas e no desenvolvimento de lugares.” Cleiton Nass, diretor criativo e novos negócios no Firmorama

Além disso, locais que implementam estratégias de place branding possuem mais facilidade para alinhar suas características às estipuladas pela Project for Public Spaces (PPS) – organização interdisciplinar sem fins lucrativos que planeja e projeta espaços públicos através do placemaking –, tornando-se lugares bem-sucedidos. 

Segundo a organização, o sucesso de um lugar se garante a partir de quatro grupos de atuação:

  • Sociabilidade: senso de lugar por convivência;
  • Usos e atividades: lugares usados e reusados para seus objetivos;
  • Acessos e conexões: lugares que possuem fácil acesso de conexão física e visual;
  • Conforto e imagem: sensações de segurança e limpeza, e boa apresentação visual.

Cases de place branding:

Agora que você conhece a base teórica dessa estratégia de gestão de marca, é hora de visualizar as ideias em prática através de cases de sucesso já conhecidos. 

Nova Iorque
Iniciado nos anos 60, o “I love NY” é um dos casos de place branding mais bem definidos e acatados ao passar dos anos. O “slogan” que apareceu como apoio à diminuição da imagem violenta da cidade, acabou tornando-se orgulho dos moradores.

O slogan é visto em diversos pontos da cidade.

Peru
Com o posicionamento de que “existe um Peru para cada um”, o país se estabeleceu como um lugar de esplendor, diversidade e hospitalidade, não apenas em sua comunicação, mas, também, nas ações de turismo e economia.

Peru é um dos cases de sucesso mais recentes do place branding.

Las Vegas
“O que acontece em Vegas, fica em Vegas” – que nasceu como “o que acontece aqui fica aqui” – é um dos slogans mais conhecidos do mundo, repetido em diversos países e até mesmo em obras cinematográficas. Ele colabora para o place branding do lugar que transmite, principalmente nos hotéis e empresas turísticas, a ideia de que lá tudo é possível.

Com uma abordagem de liberdade, a cidade de Las Vegas possui uma vida noturna animada.

Texto Extraído do Site: Firmorama.(https://firmorama.com/place-branding-lugares-marcas-estrategicas-autenticas)