A partir de 2025, testemunharemos a emergência de uma nova geração que desafiará tudo o que entendemos sobre comportamento urbano, identidade e pertencimento: a Geração Beta. Nascidos entre 2025 e 2039, estes indivíduos constituirão 16% da população global até 2035 e não apenas serão os responsáveis por conduzir o mundo para o próximo século, mas também os primeiros a viver em um mundo onde a distinção entre físico e digital simplesmente não existirá.
Imagine um cotidiano em que:
· A inteligência artificial e a realidade aumentada são tão naturais quanto uma ligação telefônica.
· Viver simultaneamente nos mundos físico e digital é a norma, não a exceção.
· As interações sociais fluem naturalmente entre espaços tangíveis e virtuais sem nenhuma sensação de ruptura.
Diante deste cenário, uma pergunta crucial se impõe: que tipos de lugares precisamos construir para acolher essas novas formas de interação e pertencimento de uma geração que habitará simultaneamente o físico e o digital?
Do analógico ao digital: rumo à Geração Beta
Como um millennial nascido nos anos 80, minha experiência de vida sempre abrangeu duas realidades complementares, porém distintas. A infância foi 100% analógica: para conversar com amigos, era preciso combinar um encontro com alguma antecedência ou tentar a sorte de ir, meio de surpresa, à casa de alguém e tocar a campainha. Já enquanto adolescente, testemunhei e fiz parte da revolução das comunicações e das redes sociais: através de Orkut, MSN e até mesmo mensagens SMS, era possível socializar por horas sem sair de casa ou marcar encontros presenciais com maior assertividade e precisão de tempo.
A revolução da internet foi determinante para a minha geração, mas a linha entre o físico e o virtual sempre foi clara. Agora, para a Geração Beta, essa distinção será obsoleta. Navegar entre realidades será tão instintivo quanto um pássaro alterna o voar e o pousar.
Esta mudança não diminui a importância do espaço físico. Pelo contrário, adiciona novas camadas à nossa compreensão de identidade e comunidade. A questão é: como preparar nossos ambientes urbanos para essa nova realidade?
4 Cenários para Cidades da Geração Beta
É uma pergunta impossível de responder de maneira prescritiva, porque como dizemos por aqui, pensar no futuro singular é pensar no passado. No entanto, podemos explorar alguns cenários bastante iminentes, com base em tudo que sabemos por enquanto. Longe de ser uma lista definitiva, aqui estão algumas possibilidades principais:
1. Flexibilidade como Norma
Esqueça a hegemonia da funcionalidade do espaço. Em vez disso, os lugares serão definidos por sua capacidade adaptativa, ou seja, pela habilidade de se reinventar continuamente, conforme as demandas das comunidades que os habitam. Parece algo muito disruptivo agora, mas para os Betas, esse será o mínimo esperado de um espaço verdadeiramente útil e relevante: menos funções pré-determinadas e mais possibilidades de uso e exploração.
2. Cotidiano Aumentado
Se a premissa de comportamento da Geração Beta é transitar fluidamente entre os mundos físico e digital, precisamos assumir de partida que as experiências em realidade aumentada estarão muito além de smart glasses individuais e totens interativos em espaços públicos: as cidades deverão responder em tempo real às necessidades, emoções e interações de seus moradores e visitantes. A questão não é se viveremos em um mundo aumentado, mas como utilizaremos esta tecnologia para criar espaços tão responsivos quanto as possibilidades digitais que os envolverão.
3. Pertencimento Desterritorializado
Os Betas serão a primeira geração para quem o senso de pertencimento não poderá ser medido apenas pelo limite territorial do bairro e da cidade. O melhor amigo poderá estar a um oceano de distância física e, no entanto, ser tão parte do dia a dia quanto um colega de turma da escola presencial (se é que ela ainda vai existir nos moldes como a conhecemos hoje…). Essa mudança de paradigma incide em, desde já, pensar nos lugares menos como pontos num mapa e mais como destinos de comunidades intencionais.
4. Sustentabilidade Integrada
Quando os Betas chegarem à fase adulta, uma das pautas globais em alta será a comemoração do centenário da Conferência de Estocolmo (1972), considerada o primeiro grande fórum de discussão ambiental da história. Até lá, a sustentabilidade não será mais um ideal em debate, mas a própria essência do modo de vida urbano. Para essa geração, a incorporação de tecnologias regenerativas nos ambientes construídos deverá ser tão óbvia quando a necessidade de um projeto hidráulico ou elétrico.
O segredo reside em ser adaptável aos futuros incertos
Mas, se todos esses cenários são incertos por definição, a própria ideia de preparar lugares para lidar com futuros diferentes não é paradoxal?
Não, porque como dissemos, o objetivo não é prever ou prescrever cada detalhe do futuro (aliás, o nome disso é futurologia, e definitivamente essa não é a especialidade da casa!!!), mas trabalhar a capacidade de adaptação e antecipação do lugar frente às incertezas.
Mais do que a promessa de uma mudança demográfica e comportamental, a chegada da Geração Beta é uma oportunidade e um convite para reavaliarmos como estamos projetando e interagindo com os lugares que habitamos. Quanto mais cedo um bairro, cidade ou região entender sua posição neste processo e agir, mais preparado estará para lidar com as muitas incertezas e crises que aparecerão pelo caminho.
Foto de Capa: Pixabay.