Promptable Places: a nova fronteira para cidades e regiões na era da inteligência artificial

Tela de um smartphone mostrando ícones de aplicativos de inteligência artificial, incluindo Character.AI, Copilot, Claude, Perplexity, Gemini, ChatGPT e DeepSeek

Quantas decisões sobre a experiência urbana são tomadas a partir de uma conversa com a inteligência artificial? Seja para planejar uma viagem, pesquisar um bairro para morar ou pedir recomendações sobre um novo restaurante, as pessoas recorrem — cada vez mais — às IAs generativas: ChatGPT, Copilot, DeepSeek e tantas outras que sugerem, comparam, descrevem e até recomendam “esse” ou “aquele” destino, em questão de segundos.  

Mas aqui está o ponto crucial: quando as IAs são perguntadas sobre um lugar, o que elas retornam? Uma resposta precisa, assertiva e nuançada? Ou um retrato genérico, por vezes desatualizado, que perpetua clichês, reforça estereótipos e frequentemente fornece informações erradas? 

Se você abrir uma aba nova no navegador e fizer uma consulta agora sobre o seu lugar, meu palpite é que cairá na segunda opção. 

Ok, vou ser sincero. Na verdade, não é um palpite. É uma constatação interna do nosso time da Urbanscope, que nos levou a uma conclusão ainda mais importante e urgente para cidades e regiões de todos os tamanhos: a necessidade de se tornarem Promptable Places. 

Neste artigo, vamos mostrar o que é essa nova competência e por que ela está se tornando fundamental e urgente na agenda urbana. 

O que são “Promptable Places”? 

Falamos da urgência, mas o que realmente é um Promptable Place? Em linhas gerais, entendemos que um lugar é “Promptable” ou promptável” quanto mais ele for capaz de ser compreendido, descrito e representado de maneira fiel por IAs generativas.  

Se você fez a consulta ao ChatGPT e ele soube responder a população exata ou citar os 5 principais pontos turísticos da sua cidade, não se empolgue; é o mínimo. Não estamos falando disso. 

A virada de chave é bastante simples: se as pessoas quiserem apenas obter a informação de maneira objetiva e passiva, continuarão utilizando o Google e as redes sociais para realizar suas buscas rotineiras de sempre. Contudo, a promessa e a performance das IAs generativas (gostando ou desconfiando delas, o que é um outro debate) estão conduzindo a experiência digital para um novo nível, que conecta a curiosidade do usuário a respostas hiper personalizadas, diálogos abertos e possibilidade de descobertas inesperadas. 

O que está em jogo não é mais apenas ter estratégias de promoção digital de um destino através de branded content ou tráfego orgânico e pago, por mais bem definidas que sejam. Estamos falando sobre uma nova possibilidade de comunicar um lugar através do seu pertencimento, história, oportunidades e aspirações.  

E se isso parece Black Mirror demais para você, bem, preciso lhe dizer que esse trem já partiu e estamos na era onde a primeira impressão – e, em muitos casos, a decisão final também – sobre inúmeros aspectos da vida cotidiana é influenciada (para dizer o mínimo) pelo “juízo” das máquinas, isto é, pelos algoritmos. 

Neste cenário, tornar-se “promptável” não será modismo passageiro, mas a nova fronteira da estratégia de posicionamento dos lugares. Condicionar a geração de respostas sobre um lugar com base em sua essência, identidade cultural e oportunidades únicas — aquilo que chamamos por aqui de singularidade — é garantir que as IAs generativas ajudem a construir e compartilhar uma percepção autêntica sobre a sua cidade ou região. 

Cartaz em superfície enferrujada com mensagens irônicas sobre inteligência artificial, incluindo o texto: 'Hello and welcome, I am an artificial intelligence. I wish I have some real intelligence & empathy like real people do. And funny? Forget about it.' acompanhado de ilustrações de um robô e o logotipo 'AI' em rosa.
Fonte: Unsplash 

Por que a “promptabilidade” importa agora?

Se você entendeu o conceito, talvez esteja se perguntando: por que isso deveria ser uma prioridade? Por que essa palavra estranha não é uma moda, mas uma questão urgente?  

Vamos aos dados: 

  1. A IA é o novo filtro de confiança em massa: segundo uma pesquisa da Zendesk, 68% dos consumidores globais têm maior probabilidade de interagir e confiar em IAs generativas “humanizadas”. Considerando que a reputação de um lugar pode ser formada ou destruída na velocidade de um prompt, certamente é difícil controlar a primeira impressão, mas é possível influenciar como a IA responde sobre um lugar.  
  2. Narrativas genéricas têm um custo (alto): um estudo da Adobe com 3 mil pessoas revelou que 72% dos entrevistados acreditam que, por mais poderosa que seja, a IA generativa nunca igualará a criatividade humana. Quem usa ferramentas como o ChatGPT sabe: elas repetem padrões de respostas genéricas como ninguém. Ou seja, quanto menos “promptável” o lugar, maior o risco de respostas rasas, mal interpretadas ou cheias de estereótipos. Genericidade gera ruído, e ruído custa caro. 
  3. Nossa tomada de decisão é cada vez mais algorítmica: um levantamento da consultoria Bain & Company apontou que 80% dos usuários de internet já usam textos de IA em pelo menos 40% de suas buscas no Google, o que representa uma queda de 25% no tráfego orgânico. De restaurantes a pontos turísticos, as escolhas e sugestões são moldadas cada vez mais por máquinas, em vez de humanos. Neste caso, convém perguntar: quem está definindo a narrativa do seu lugar hoje, a sua estratégia de posicionamento ou dados aleatórios que a IA encontra na internet? 
  4. O impacto é exponencial e difícil de reverter: o tradicional relatório anual de tendências da Accenture revelou que 62% dos consumidores globais priorizam confiança ao interagir com marcas — justamente no momento onde conteúdos gerados por IA inundam redes e buscas. O problema? Uma visão superficial ou distorcida criada por IA não se limita a uma resposta: ela se multiplica, viraliza e cria uma narrativa negativa que pode ser impossível de corrigir. Quando a autenticidade é questionada, remediar o estrago talvez não seja uma opção disponível.
Pessoa digitando em um laptop aberto na página inicial do ChatGPT, exibindo a pergunta 'What can I help with?' em modo escuro.
Fonte: Unsplash

Os cinco pilares de um promptable place 

A promptabilidade é crucial. Mas como, na prática, um lugar se torna mais “perguntável” de forma autêntica pela IA? Embora não exista fórmula mágica, identificamos cinco pilares fundamentais que sustentam essa capacidade:  

  1. Posicionamento de marca-lugar: quem é você na fila do pão? Qual é a singularidade do seu lugar? Por que ele é único no mundo? Isso precisa estar claro, bem definido e, acima de tudo, acessível. Não adianta a sua história ser incrível se ela está guardada em documentos arquivados ou, pior, é compartilhada entre poucos e não é apropriada por todos. A narrativa local precisa ser viva, fácil de encontrar e contada de forma que tanto humanos quanto algoritmos consigam entender. Sem uma estratégia de posicionamento à prova de futuro, as partes não se conectam. 
  2. A informação é rainha, mas precisa ser confiável e processável: IAs generativas como o ChatGPT se alimentam de dados abertos e disponíveis publicamente. Se os dados sobre o seu lugar são desatualizados, incompletos, escondidos em PDFs não pesquisáveis ou simplesmente incorretos, adivinha o que a IA vai retornar para um potencial visitante, morador ou investidor? A qualidade e a acessibilidade da informação são a espinha dorsal da promptabilidade. 
  3. As versões da sua história precisam “bater”: pouco adianta ter um novo logotipo, ou comunicação alinhada nas redes sociais se as avaliações no Trip Advisor, os posts de influenciadores, as notícias na mídia local e os comentários de moradores e turistas no Instagram contam histórias diferentes. A IA cruza informações de múltiplas fontes que, se forem inconsistentes, geram confusão na interpretação da máquina e diluem a mensagem. O posicionamento de marca-lugar precisa ecoar em todos os canais onde ele é requerido.  
  4. Ser promptável não é ser simplista: Lugares são complexos e cheios de camadas, histórias, interesses e sentimentos. Mas a IA, por padrão, sempre tende ao genérico. O desafio está em “ensinar” ou “mostrar” a singularidade. Quanto mais camadas de senso de pertencimento você fornecer, menor será a chance de uma resposta superficial. 
  5. Lugares mudam o tempo todo (e a IA precisa saber disso): sua cidade inaugurou um novo parque tecnológico? Recebeu uma chancela da UNESCO? As métricas de atração de talento estão em alta? Conte isso para o mundo, exaustivamente. Ser promptável também significa refletir essa evolução e não deixar a IA ficar presa a uma foto antiga do lugar. 

Importante: não se trata de um checklist, mas de áreas de atuação estratégica que exigem atenção contínua. Assim como a gestão de marca-lugar, a promptabilidade é um processo ininterrupto, não um projeto com data para acabar. 

Seu lugar está pronto para ser promptável? 

A forma como descobrimos, percebemos e escolhemos lugares está sendo radicalmente transformada pela inteligência artificial. Não é mais uma questão de “se”, nem de “quando”, mas de “como” a IA se tornará a principal porta de entrada para a experiência urbana. Ignorar essa realidade não é uma opção. 

Cidades, regiões e destinos que entenderem e agirem agora para garantir que sua identidade e oportunidades sejam fielmente representadas pelos algoritmos sairão na frente da construção ativa de sua reputação e relevância na nova economia da atenção digital, atraindo investimentos, talentos e visitantes alinhados com sua verdadeira essência. 

Tornar-se um Promptable Place exige visão de futuro, estratégia adaptativa e olhar atento aos cinco pilares. De narrativas claras a dados confiáveis, escaláveis e atualizáveis, o trabalho é contínuo – mas a recompensa também. 

O futuro da percepção e procura da sua cidade está sendo escrito agora, por prompts e respostas de IAs generativas. Mas o seu lugar está preparado para ser não apenas encontrado, como verdadeiramente compreendido e representado pela inteligência artificial?

Novo Centro Administrativo de SP: Lições para Lugares à Prova de Futuro

Renderização do projeto do novo Centro Administrativo de São Paulo, mostrando edifícios modernos cercados por áreas verdes com árvores e espaços abertos, inseridos no contexto urbano da cidade.

O governo do estado de São Paulo anunciou um ambicioso projeto estimado em R$ 5 bilhões para construir sua nova sede administrativa no Campos Elíseos, bairro central da capital paulista. O projeto promete não apenas revitalizar a região, como valorizá-la para atrair investimentos imobiliários no entorno e, assim, transformar a área em um novo polo no coração da cidade. 

Gostando ou não (para deixar claro: não gostamos), quando cidades de importância global como São Paulo lançam empreitadas desta proporção, muitos outros lugares observam e, frequentemente, aplicam soluções semelhantes sem o devido filtro de escala e conexão com sua realidade. Antes de qualquer coisa, projetos como este são uma oportunidade para refletir, em tempo real, sobre o que pode funcionar ou não na criação de lugares adaptáveis e à prova de futuro

Nesse contexto, é preciso questionar: o projeto do novo centro administrativo do governo paulista está preparando a cidade para lidar com as incertezas do amanhã ou apenas dando uma nova roupagem para abordagens ultrapassadas e incapazes de criar valor à longo prazo? 

6 desafios cruciais para o projeto do novo Centro Administrativo de SP 

Para responder a essa pergunta, calçamos as lentes da antifragilidade para analisar os aspectos fundamentais do projeto e identificamos seis pontos que merecem atenção especial: 

1. Falta de participação: O projeto, que prevê a remoção de 600 famílias, foi desenvolvido sem a participação ativa de moradores, comerciantes e entidades não só da área diretamente afetada como do seu entorno. A população local também não teve a oportunidade de dialogar de forma significativa com os agentes públicos responsáveis pela execução das remoções. 

Mesmo aqueles que conseguiram realizar o cadastro, não receberam garantias concretas de atendimento habitacional adequado, isto é, não sabem para onde vão, quando vão e em quais condições. Essa falta de transparência e participação são posturas que aumentam a insegurança jurídica dos atingidos e a desconfiança popular em relação ao projeto. 

2. Impactos socioeconômicos: O governo planeja ocupar o Palácio dos Campos Elíseos, onde hoje funciona o Museu das Favelas, um equipamento simbólico e culturalmente relevante para cidade. O projeto também prevê uma esplanada para criar um “percurso desobstruído e convidativo” que exigirá a desativação do Terminal Urbano Princesa Isabel, por onde circulam 18 linhas de ônibus essenciais que conectam o centro da cidade a áreas mais afastadas. 

Na medida em que não está claro se o museu continuará aberto após a implementação do novo centro administrativo, nem quais serão as alternativas de operação das 18 linhas que passam pelo Terminal Princesa Isabel, é inevitável questionar se a valorização do projeto ocorrerá às custas de quem vive e circula no bairro. 

3. Impactos imobiliários: Ao buscar “valorizar” a região, o projeto visa atrair maior interesse do setor imobiliário para a construção de novos empreendimentos habitacionais, voltados principalmente para a classe média. Na prática, essa nova oferta tende a elevar os valores de aluguéis residenciais e comerciais, tornando a permanência no bairro economicamente inviável para moradores de baixa renda e pequenos comerciantes que mantêm negócios na área e no entorno.  

Dessa forma, o processo de valorização pode acabar excluindo justamente aqueles que historicamente deram vida e identidade ao Campos Elíseos. Ou seja, a remoção não se limitará “apenas” às 600 famílias que residem nas quadras a serem desocupadas.  

4. Sem retrofit: Projetos que promovem demolições em larga escala costumam fragmentar o território não apenas na paisagem e na arquitetura, mas também nos laços comunitários e sociais que sustentam a vida local. No caso do Campos Elíseos, existem diversos edifícios já construídos e integrados à malha urbana que poderiam ter sua infraestrutura adaptada para novos usos, reduzindo impactos ambientais, sociais e culturais. 

Em vez de derrubar casas para construir prédios, o foco poderia estar em promover um retrofit dos imóveis abandonados ou subutilizados que já fazem parte do tecido urbano da região. Além de preservar a memória local, essa abordagem fortaleceria a identidade do bairro, em vez de apagá-la em nome de um desenvolvimento que, conforme pontuado acima, pode excluir quem já pertence ao lugar. 

5. Desconexão com o futuro do trabalho: Cada vez mais, as relações profissionais dispensam a necessidade de presença física em escritórios, acompanhando uma tendência global de expansão do trabalho remoto. Diante desse cenário, surge uma questão crucial: quantos dos 22 mil funcionários previstos para ocupar os novos prédios do centro administrativo permanecerão em regime 100% presencial nos próximos anos e décadas?  

Além de correr o risco de nascer obsoleto frente às transformações no mundo do trabalho, o projeto pode contribuir para um novo esvaziamento da área em um futuro não tão distante. Investir em estruturas físicas massivas, sem considerar a flexibilidade e a mobilidade que o futuro exigirá, pode ser um passo em falso em um mundo que avança a passos largos rumo à desterritorialização. 

6. Ausência de sustentabilidade: Uma das justificativas apresentadas para a construção da nova sede é a redução dos custos de manutenção dos imóveis que atualmente abrigam as funções administrativas do governo. Contudo, este argumento não considera os custos ambientais e econômicos da desativação das sedes atuais, nem os resíduos gerados pela demolição dos edifícios existentes na área do projeto e os impactos ambientais gerados pela construção civil em obras desta dimensão. 

A ausência de soluções sustentáveis e ambientalmente conscientes em um projeto para o centro de uma cidade já tão densamente ocupada e carente de iniciativas que equilibrem desenvolvimento e preservação ambiental, vai na contramão de um esforço global de cidades cada vez mais comprometidas em reduzir impactos, especialmente tendo em vista a mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. 

Da PPP aos 4Ps: três projetos que sinalizam que o futuro das cidades precisa de pessoas envolvidas 

Frente a todas essas fragilidades, o projeto da nova sede administrativa perde a oportunidade de posicionar a cidade e o estado de São Paulo como modelos de adaptação aos movimentos de transformação urbana já em curso. Em diferentes partes do mundo, experiências atentas a eventos como as mudanças climáticas, os fluxos migratórios e a digitalização do trabalho – para citar apenas alguns dos mais conhecidos – têm respondido de forma assertiva aos desafios e sinais que o futuro já está emitindo para nós. 

O ponto em comum dessas respostas bem-sucedidas está na integração das pessoas aos processos. Cada vez mais, as populações urbanas desejam fazer parte de projetos que conectem inovação às suas necessidades e fortaleçam o senso de pertencimento.  

Em outras palavras, o modelo de parcerias público-privadas (PPP) já não é suficiente. É preciso adicionar um novo “P” a esse processo – o “P” de Pessoas. 

Os três cases a seguir ilustram como parcerias para a adaptação urbana podem ser lideradas tanto pelo público como pelo privado e, por que não, pelas pessoas também:  

1. Kensington Market Community Land Trust (Toronto, Canadá): A história do bairro Campos Elíseos é semelhante à de bairros antigos em grandes cidades: uma trajetória de glamour, abandono e “revitalização”. Da sua criação pela elite cafeeira no século XIX à transformação em refúgio de trabalhadores e migrantes marginalizados, o bairro hoje flerta com a promessa de uma nova valorização, mesmo que isso custe o deslocamento forçado de quem habita e trabalha no bairro há muito tempo.  

Até alguns anos atrás, esta era a história e o destino de Kensington Market, bairro central de Toronto, mas a comunidade local encontrou uma rota alternativa através do modelo de Community Land Trust (CLT), conceito que foca na aquisição de terras doadas ou compradas por organizações comunitárias para atender às necessidades e prioridades dos moradores e comerciantes locais.  

Geridas por moradores, stakeholders e poder público, os CLTs colaboram diretamente com a comunidade para planejar e decidir o uso da terra, priorizando a garantia de habitação acessível, proteção da especulação imobiliária e manutenção da identidade local sem deslocar moradores e comerciantes. 

 Grupo de moradores em frente a um prédio no Kensington Market, Toronto, segurando uma faixa com os dizeres 'Community Owned Kensington', representando a iniciativa comunitária de preservação local.
FOTO: KENSINGTON MARKET COMMUNITY LAND TRUST 

2. Capital Europeia Verde (Nantes, França): Enquanto muitas cidades lutam para conciliar crescimento econômico e sustentabilidade, Nantes emergiu como um modelo de transformação urbana verde através de um amplo programa de retrofit residencial. Com a missão de melhorar a eficiência energética de seu parque imobiliário envelhecido, a gestão municipal desenvolveu uma abordagem inovadora que combina tecnologia, inclusão social e participação comunitária. 

A estratégia previa retrofit em 3.500 residências, com foco em domicílios de baixa renda, através de uma plataforma que conecta proprietários, profissionais e autoridades. As intervenções incluem isolamento térmico, implementação de energias renováveis e sistemas de gestão energética inteligentes, e fazem parte de uma série de políticas ambientais que renderam à cidade o título de “capital europeia verde”.  

Ao priorizar a participação de moradores e oferecer financiamento acessível, Nantes demonstra como a gestão pública pode liderar projetos de grande escala de forma inclusiva, melhorando a qualidade de vida na cidade sem comprometer a permanência da população ou sua identidade arquitetônica. 

Casal andando de bicicleta ao longo do rio em Nantes, França, com esculturas circulares modernas ao fundo, representando o compromisso da cidade com sustentabilidade e espaços urbanos acessíveis
FOTO: LA CITÉ – NANTES 

3. Instituto Porto Seguro (Campos Elíseos, São Paulo): A natureza das empresas que operam no mercado imobiliário é buscar o lucro acima de qualquer coisa, mas a Porto Seguro demonstrou que o setor privado também pode ser um agente de transformação urbana positiva. No coração do próprio bairro Campos Elíseos, a seguradora investiu na restauração de diversos imóveis, incluindo um casarão histórico de 1895, não apenas preservando o patrimônio arquitetônico, mas também criando espaços de convivência e cultura para a comunidade local. 

Muito além de um retrofit, o projeto inclui parcerias com organizações sociais e culturais que ajudaram a transformar o espaço em um centro de atividades gratuitas para a população, incluindo oficinas, exposições e eventos. Esta iniciativa não só recuperou edifícios históricos da cidade, como criou oportunidades de desenvolvimento social e econômico para os moradores do entorno.  

Uma prova de que se o objetivo é realmente valorizar o bairro, até mesmo o investimento privado pode contribuir sem demolir o patrimônio histórico e envolvendo a comunidade em vez de deslocá-la ou removê-la. 

Fachada de edifício histórico restaurado em Campos Elíseos, São Paulo, cercado por árvores e com prédios modernos ao fundo, destacando a preservação do patrimônio arquitetônico.
FOTO: BLOG DA PORTO SEGURO 

Lições do Novo Centro Administrativo de SP para pensar lugares à prova de futuro 

O caso do novo centro administrativo do governo paulista mostra que, mesmo com grandes investimentos, ninguém está imune a tomar decisões que podem se tornar obsoletas rapidamente, sobretudo quando elas não consideram as reais necessidades das partes envolvidas, nem a urgência de tornar os lugares adaptáveis para as transformações que o futuro certamente trará.  

A chave reside em colocar as pessoas no centro do processo, conforme as experiências bem-sucedidas mundo afora confirmam. Lugares à prova de futuro e antifrágeis são construídos quando cada decisão é tomada de forma compartilhada e equilibrando necessidades imediatas com uma visão de longo prazo. 

Como projetos de transformação urbana podem fortalecer comunidades e identidades, em vez de deslocá-las e apagá-las? De que forma tecnologias emergentes e práticas sustentáveis podem ser integradas à criação de espaços mais adaptativos? Mais importante do que encontrar respostas é aprender a conviver com essas (e com outras) perguntas. A lição é clara: é preciso ir além do pensamento linear tradicional e adotar uma visão de desenvolvimento verdadeiramente orientada para o futuro. 

Artigo escrito em colaboração por Emannuel Costa e Camila Kato.

Explorando os Futuros dos Lugares: O Que é e Como Aplicar o Place Strategic Foresight© 

Uma paisagem futurista e iluminada ao anoitecer, destacando estruturas altas e brilhantes semelhantes a árvores artificiais com iluminação dourada e vermelha. Essas estruturas têm copas compostas por padrões geométricos e metálicos, lembrando uma fusão entre natureza e tecnologia. Ao fundo, vê-se um grande edifício moderno com um design icônico de três torres conectadas no topo por uma estrutura horizontal. O céu azul contrasta com a iluminação vibrante da cena urbana, criando uma atmosfera de inovação e arquitetura visionária.

Desde que o ser humano começou a sonhar com o amanhã, tentamos prever o que teremos pela frente. Das profecias dos oráculos gregos às simulações mais modernas com inteligência artificial, o futuro sempre nos fascinou e desafiou. Mas e se, em vez de tentar prever um único futuro (lembrando que o futuro não só é imprevisível como plural), pudéssemos explorar vários cenários e nos preparar para cada um deles? É aqui que entra o conceito de Place Strategic Foresight©. 

O que é Place Strategic Foresight©? 

Em linhas simples, o Place Strategic Foresight© é a aplicação do pensamento prospectivo(foresight) às cidades, regiões e países. Novamente, não se trata de previsão, e sim, de exploração, propondo ferramentas para imaginar futuros alternativos e criar estratégias para que os lugares não apenas sobrevivam, mas prosperem em diferentes cenários, ao mapear possibilidades e construir opcionalidades — soluções que garantam antifragilidade e adaptação a incertezas. 

Este conceito nasce da interseção entre três disciplinas: place branding, placemaking e strategic foresight. Enquanto o place branding foca em consolidar a identidade de um lugar e sua comunicação com o mundo, o placemaking cria experiências reais e tangíveis para as pessoas nos espaços-públicos/ coletivos. O strategic foresight adiciona a capacidade de pensar no longo prazo, explorando múltiplos futuros potenciais. Juntas, essas abordagens transformam a forma como entendemos os desafios e as oportunidades dos lugares. 

De onde vem essa ideia? 

O estudo dos futuros é antigo. Ele remonta às utopias do Renascimento e à Revolução Científica, mas ganhou fôlego no século XX, impulsionada por figuras como Gaston Berger e Alvin Toffler. No entanto, o Place Strategic Foresight© deriva do Futurismo Estratégico (Strategic Foresight), que surgiu como resposta às incertezas do mundo contemporâneo, marcado pelo conceito VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo). Ao aplicar essa ferramenta a lugares, criamos uma abordagem mais contextualizada e colaborativa. 

Como funciona? 

O Place Strategic Foresight© segue etapas bem definidas, começando pelo entendimento profundo do lugar — sua identidade, cultura, vocações e desafios atuais. Esse trabalho inicial, desenvolvido através do place branding, forma a base para os próximos passos. 

1. Mapeamento do ambiente incerto: Aqui, é feita uma coleta ampla de sinais fracos e fortes, tendências e incertezas que podem impactar o lugar. Sinais fracos são aqueles indícios iniciais de grandes transformações, enquanto sinais fortes já são mais evidentes e amplamente reconhecidos. 

2. Análise dos sinais: Os dados coletados são decantados, classificados e interpretados para identificar oportunidades e ameaças. 

3. Criação de cenários: São explorados diferentes futuros baseados nos sinais e tendências identificados. Esses cenários podem incluir desde futuros absurdos e improváveis até os plausíveis e preferíveis. 

4. Backcasting: Este processo inverte a lógica do planejamento tradicional. Em vez de partir do presente para o futuro, é feito um recuo dos futuros desejáveis até o presente, identificando os passos necessários para alcançá-los. 

5. Implementação de estratégias: Baseando-se nas visões criadas, são definidos fatores críticos de sucesso e planos de ação. Isso inclui opções flexíveis para lidar com as incertezas do caminho. 

Conexões com Place Branding e Placemaking 

O Place Strategic Foresight© potencializa o place branding ao fornecer um arcabouço para projetar a identidade de um lugar não apenas com base no presente, mas também nos futuros potenciais. Por exemplo, ao identificar cenários preferíveis, é possível alinhar a narrativa de uma marca-lugar com as aspirações da comunidade e as tendências globais. Além disso, o foresight agrega maior resiliência ao place branding, preparando a marca-lugar para responder às dinâmicas imprevisíveis do mundo contemporâneo. 

No caso do placemaking, o Place Strategic Foresight© enriquece a criação de experiências tangíveis. A partir dos cenários projetados, é possível planejar lugares que não apenas atendam às demandas atuais, mas também sejam adaptáveis para as necessidades futuras. Por exemplo, um parque pode ser planejado para funcionar como espaço de lazer hoje e como refúgio climático em um cenário de aquecimento global. Assim, o foresight e o placemaking trabalham juntos para criar lugares que sejam relevantes, dinâmicos e preparados para vários futuros. 

Benefícios para o setor público 

O Place Strategic Foresight oferece ferramentas poderosas para governos municipais, regionais e nacionais. Cidades podem antecipar demandas de infraestrutura, como habitações mais resilientes ou sistemas de transporte sustentáveis. Destinos turísticos, por sua vez, podem planejar experiências que alinhem atrativos naturais às expectativas do visitante contemporâneo. 

A participação comunitária é essencial nesse processo, garantindo que as soluções não apenas reflitam as prioridades dos governantes, mas também as aspirações da população. 

Benefícios para empreendedores imobiliários 

Para o mercado imobiliário, o Place Strategic Foresight© é uma ferramenta essencial na criação de bairros planejados. Em vez de construir com base apenas nas demandas atuais, os empreendedores podem projetar de forma a atender a futuras demandas de sustentabilidade, mobilidade e qualidade de vida. 

O resultado da junção de place branding, placemaking e Place Strategic Foresight© é a criação de lugares “à prova de futuro”. 

Exemplos de impacto na prática 

  1. Regiões rurais em transformação: Ao usar Place Strategic Foresight©, é possível identificar formas de integrar tecnologias verdes para fortalecer economias locais e evitar a migração em massa. Isso também ajuda a preservar a identidade cultural dessas regiões. 
  1. Centros urbanos densos: A aplicação do P.S.F em megacidades pode orientar soluções para problemas de mobilidade e habitação, priorizando espaços verdes e edifícios multifuncionais. 
  1. Destinos turísticos inovadores: Um exemplo seria uma região que se posiciona como destino ecológico ao integrar práticas de turismo sustentável alinhadas a cenários futuros. 

Uma abordagem essencial para o século XXI 

Em última análise, o Place Strategic Foresight© é sobre antifragilidade, mas também sobre aspiração. Ele nos ajuda a navegar as incertezas do presente com um olhar otimista e estruturado para o futuro, garantindo que lugares estejam prontos para os desafios e possam aproveitar as oportunidades que estão por vir.  

Pensar dessa forma, é adotar a incerteza como premissa projetual. 

Pense no futuro como um leque de possibilidades — algumas assustadoras, outras empolgantes. O Place Strategic Foresight© nos oferece as ferramentas para explorar esse leque e moldar os lugares de acordo com os futuros que queremos ver e protegê-los daquilo que eles poderiam se tornar. 

Cidades Comestíveis: Um Futuro para as Cidades? 

Cidade comestível de Andernach, pessoas andando entre as plantações que estão integradas aos jardins da cidade.

O conceito de Cidades Comestíveis (Edible cities) é uma abordagem inovadora para o planejamento urbano, propondo que a produção de alimentos seja integrada à paisagem e ao cotidiano das cidades. Essa ideia não se limita a hortas comunitárias; ela visa transformar os espaços urbanos em sistemas produtivos que promovam a soberania alimentar, a resiliência climática e a proximidade entre as pessoas e os recursos naturais. 

Um dos grandes diferenciais da proposta das Cidades Comestíveis é o incentivo e valorização da participação comunitária nas práticas de agricultura urbana, da reutilização de recursos locais (como resíduos orgânicos e água) e da criação de espaços verdes que melhoram a qualidade de vida urbana. Essa abordagem articula-se com a atual proposta de infraestrutura verde urbana que vem repensando a forma de ligar áreas recreativas e Soluções Baseadas na Natureza (SBN). 

O que são Soluções Baseadas na Natureza (SBNs)?  

SBNs são originalmente definidas como soluções que são inspiradas e apoiadas pela natureza e que simultaneamente proporcionam benefícios ambientais, sociais e econômicos e ajudam a construir resiliência. 

As referências de iniciativas de Edible Cities apresentam como ponto chave o envolvimento direto e duradouro das práticas produtivas com os cidadãos em processos sociais. Cria um senso de pertencimento, na medida em que sua participação vai desde a concepção conjunta (co-criação) até a co-implementação e co-gestão a longo prazo desses espaços verdes produtivos, que estão em constante evolução/transformação (Säumel et al., 2019). 

O impacto das mudanças climáticas torna-se cada vez mais evidente e exige soluções que unam a produção de alimentos, a preservação ambiental e a qualidade de vida nas cidades. Ainda mais visto que atualmente, aproximadamente 80% da população brasileira vive em áreas urbanas, e a urbanização continua a crescer em ritmo acelerado em todo o mundo, com projeções de que todas as regiões do planeta se tornem ainda mais urbanizadas até 2050 (FAO, 2018). Como pensar o futuro cada vez mais urbano?  

A agricultura urbana, ao aproximar a produção de alimentos dos consumidores, reduz significativamente as emissões de carbono associadas ao transporte de longa distância. Além disso, a incorporação de vegetações comestíveis em espaços públicos promove a regulação climática local, melhora a permeabilidade do solo, reduz o impacto de enchentes, aumenta a biodiversidade e proporciona uma conexão mais direta entre os moradores e o meio ambiente. As Cidades Comestíveis, surgem como uma abordagem integradora, capaz de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e melhorar as condições urbanas.  

A Alemanha é uma das precursoras na sistematização do conceito “Edible Cities”, combinando inovação, políticas públicas e pesquisa interdisciplinar para integrar a produção de alimentos a estratégias urbanas sustentáveis.  

Andernach 

Um exemplo inspirador desse modelo é a cidade de Andernach, na Alemanha. Desde 2010, Andernach transformou áreas ornamentais em plantações de frutas, legumes e ervas, abertas à colheita gratuita pela população. Essa iniciativa integra a produção de alimentos ao tecido urbano, criando um ciclo de benefícios que se estende por várias dimensões: 

  1. Sustentabilidade e Clima: Andernach reduz emissões, melhora a qualidade do ar e transforma áreas urbanas em sumidouros de carbono. 
  1. Proximidade e Resiliência: A produção local de alimentos torna a cidade mais auto suficiente e menos vulnerável a crises climáticas e interrupções na cadeia alimentar. 
  1. Inclusão e Comunidade: O livre acesso aos alimentos fortalece a equidade, promove um senso de pertencimento e engaja a população em práticas sustentáveis. 

Duas mulheres comendo morangos colhidos dos jardins comestíveis da cidade.
Fonte: https://www.andernach-tourismus.de/en/andernach/the-edible-town

  1. Educação e Conscientização: As plantações se tornam espaços pedagógicos, aumentando a conscientização sobre o impacto das escolhas alimentares na crise climática. 
  1. Saúde Pública e Qualidade de Vida: Promove o consumo de alimentos frescos e saudáveis, enquanto transforma os espaços públicos em áreas de convivência e lazer. 

Andernach não apenas exemplifica o potencial transformador das cidades comestíveis, mas também serve como um modelo de como os centros urbanos podem se adaptar para enfrentar as mudanças climáticas. Essa iniciativa demonstra que cidades podem ser protagonistas na construção de um futuro mais sustentável e conectado, onde os alimentos são produzidos perto de onde as pessoas vivem, promovendo resiliência, qualidade de vida e uma nova relação com o ambiente. 

O caso de Andernach nos desafia a repensar a cidade como um organismo vivo, capaz de alimentar não apenas seus habitantes, mas também o equilíbrio entre sociedade e natureza. 

Fonte: SÄUMEL, I.; REDDY , S.E.; WACHTEL, T. Edible City Solutions — One Step Further to Foster Social Resilience through Enhanced Socio-Cultural Ecosystem Services in Cities. Sustainability, 11(4), 972. 2019. 
FAO.(2018-a). Transforming food and agriculture to achieve the SDGs: 20 interconnected actions to guide decisionmakers. FAO.https://www.fao.org/documents/card/en/c/I9900EN/ 
Foto de capa: https://urbangreenbluegrids.com/projects/the-bible-city-andernach/

A Geração Beta vem aí: como criar lugares à prova de futuro para eles?

Geração Beta usando óculos de Realidade Aumentada em ambiente urbano futurista, ilustrando a fusão entre mundo físico e digital nas cidades do futuro

A partir de 2025, testemunharemos a emergência de uma nova geração que desafiará tudo o que entendemos sobre comportamento urbano, identidade e pertencimento: a Geração Beta. Nascidos entre 2025 e 2039, estes indivíduos constituirão 16% da população global até 2035 e não apenas serão os responsáveis por conduzir o mundo para o próximo século, mas também os primeiros a viver em um mundo onde a distinção entre físico e digital simplesmente não existirá.

Imagine um cotidiano em que:

· A inteligência artificial e a realidade aumentada são tão naturais quanto uma ligação telefônica.

· Viver simultaneamente nos mundos físico e digital é a norma, não a exceção.

· As interações sociais fluem naturalmente entre espaços tangíveis e virtuais sem nenhuma sensação de ruptura.

Diante deste cenário, uma pergunta crucial se impõe: que tipos de lugares precisamos construir para acolher essas novas formas de interação e pertencimento de uma geração que habitará simultaneamente o físico e o digital?

Do analógico ao digital: rumo à Geração Beta

Como um millennial nascido nos anos 80, minha experiência de vida sempre abrangeu duas realidades complementares, porém distintas. A infância foi 100% analógica: para conversar com amigos, era preciso combinar um encontro com alguma antecedência ou tentar a sorte de ir, meio de surpresa, à casa de alguém e tocar a campainha. Já enquanto adolescente, testemunhei e fiz parte da revolução das comunicações e das redes sociais: através de Orkut, MSN e até mesmo mensagens SMS, era possível socializar por horas sem sair de casa ou marcar encontros presenciais com maior assertividade e precisão de tempo.

A revolução da internet foi determinante para a minha geração, mas a linha entre o físico e o virtual sempre foi clara. Agora, para a Geração Beta, essa distinção será obsoleta. Navegar entre realidades será tão instintivo quanto um pássaro alterna o voar e o pousar.

Esta mudança não diminui a importância do espaço físico. Pelo contrário, adiciona novas camadas à nossa compreensão de identidade e comunidade. A questão é: como preparar nossos ambientes urbanos para essa nova realidade?

4 Cenários para Cidades da Geração Beta

É uma pergunta impossível de responder de maneira prescritiva, porque como dizemos por aqui, pensar no futuro singular é pensar no passado. No entanto, podemos explorar alguns cenários bastante iminentes, com base em tudo que sabemos por enquanto. Longe de ser uma lista definitiva, aqui estão algumas possibilidades principais:

1. Flexibilidade como Norma

Esqueça a hegemonia da funcionalidade do espaço. Em vez disso, os lugares serão definidos por sua capacidade adaptativa, ou seja, pela habilidade de se reinventar continuamente, conforme as demandas das comunidades que os habitam. Parece algo muito disruptivo agora, mas para os Betas, esse será o mínimo esperado de um espaço verdadeiramente útil e relevante: menos funções pré-determinadas e mais possibilidades de uso e exploração.

2. Cotidiano Aumentado

Se a premissa de comportamento da Geração Beta é transitar fluidamente entre os mundos físico e digital, precisamos assumir de partida que as experiências em realidade aumentada estarão muito além de smart glasses individuais e totens interativos em espaços públicos: as cidades deverão responder em tempo real às necessidades, emoções e interações de seus moradores e visitantes. A questão não é se viveremos em um mundo aumentado, mas como utilizaremos esta tecnologia para criar espaços tão responsivos quanto as possibilidades digitais que os envolverão.

3. Pertencimento Desterritorializado

Os Betas serão a primeira geração para quem o senso de pertencimento não poderá ser medido apenas pelo limite territorial do bairro e da cidade. O melhor amigo poderá estar a um oceano de distância física e, no entanto, ser tão parte do dia a dia quanto um colega de turma da escola presencial (se é que ela ainda vai existir nos moldes como a conhecemos hoje…). Essa mudança de paradigma incide em, desde já, pensar nos lugares menos como pontos num mapa e mais como destinos de comunidades intencionais.

4. Sustentabilidade Integrada

Quando os Betas chegarem à fase adulta, uma das pautas globais em alta será a comemoração do centenário da Conferência de Estocolmo (1972), considerada o primeiro grande fórum de discussão ambiental da história. Até lá, a sustentabilidade não será mais um ideal em debate, mas a própria essência do modo de vida urbano. Para essa geração, a incorporação de tecnologias regenerativas nos ambientes construídos deverá ser tão óbvia quando a necessidade de um projeto hidráulico ou elétrico.

O segredo reside em ser adaptável aos futuros incertos

Mas, se todos esses cenários são incertos por definição, a própria ideia de preparar lugares para lidar com futuros diferentes não é paradoxal?

Não, porque como dissemos, o objetivo não é prever ou prescrever cada detalhe do futuro (aliás, o nome disso é futurologia, e definitivamente essa não é a especialidade da casa!!!), mas trabalhar a capacidade de adaptação e antecipação do lugar frente às incertezas.

Mais do que a promessa de uma mudança demográfica e comportamental, a chegada da Geração Beta é uma oportunidade e um convite para reavaliarmos como estamos projetando e interagindo com os lugares que habitamos. Quanto mais cedo um bairro, cidade ou região entender sua posição neste processo e agir, mais preparado estará para lidar com as muitas incertezas e crises que aparecerão pelo caminho.

Foto de Capa: Pixabay.