Hospitalidade para além da simpatia como percepção da marca-lugar.

MARIANE BROC  02.25

We don’t speak English 

A frase escrita, em letra cursiva, na primeira página de um simpático restaurante em Osaka rendeu um jantar que harmonizou o umami da culinária japonesa com o que eu, pessoalmente, considero o principal ativo do país: a hospitalidade e portanto a marca do lugar.  

  1. Osaka e o restaurante simpático 
Rua movimentada em Osaka, Japão, iluminada por letreiros neon vibrantes e fachadas coloridas de restaurantes e lojas. A cena noturna mostra pedestres caminhando, turistas tirando fotos e um ciclista passando, enquanto a icônica estátua dourada de Billiken e diversos elementos tradicionais japoneses decoram o ambiente.
Osaka, Japão

Era noite, 5 graus que passavam despercebidos diante do desejo de desvendar Osaka. Afinal, seriam só quatro dias para absorver toda a enxurrada de informações visuais, auditivas, culturais e por aí vai. 

Tinha sido um dia intenso. Eu, Caio e Luiza estávamos exaustos, porém totalmente entregues àquela instigante cidade. Caminhávamos aleatoriamente em direção ao hotel, com a missão de encontrar um lugar para comer e, finalmente, voltar para dar uma “morridinha” até o novo amanhecer. Foi então que nos deparamos com uma portinha e, do lado de fora, um cardápio num cavalete. Nos aproximamos e, num rápido passar de olhos, conseguimos identificar: tonkatsu, omelete… Perfeito! 

Entramos em um passo manso e fomos recebidos pela típica saudação vinda de trás do balcão (sim, ao entrar em qualquer estabelecimento no Japão, você é recebido com um sonoro “Irasshaimase” em uníssono). Mas, desta vez, foi dita por uma única pessoa, que atendia um único cliente sentado à sua frente. 

Fomos encaminhados para uma das duas mesas alojadas no fundo do restaurante e, enquanto tirávamos os casacos, já fomos fisgados pela névoa quente que exalava o cheiro de comida boa. 

O mesmo senhor que nos saudou nos trouxe a água (sempre cortesia em qualquer restaurante), as toalhinhas umedecidas para limpar as mãos e o cardápio. 

  1.  Hospitalidade in natura 
Cardápio artesanal de um restaurante japonês, feito com páginas de papel kraft plastificadas, contendo fotos dos pratos, descrições escritas à mão em diferentes idiomas e preços em ienes. As mãos de duas pessoas folheiam o cardápio, que apresenta opções como peixe cru fatiado e peixe cozido com acompanhamentos.

Ah, o cardápio… Esse me levou diretamente aos tempos de escola, quando colecionava papel de carta. Tínhamos uma pasta onde colávamos os papéis e seus envelopes em uma base de cartolina ou papel kraft, protegíamos com plástico e enfeitávamos com letras e desenhos coloridos. O cardápio era exatamente assim, mas, no lugar dos papéis de carta, estavam fotografias impressas de cada prato, com a descrição escrita à mão, em letras coloridas e enfeitadas. Logo na primeira página, uma frase se destacava do resto: We Don’t Speak English

A frase era quase um pedido de desculpas, e o que vinha a seguir (as fotos, os desenhos e todo o capricho) era uma forma de compensação pelo hipotético desconforto que nós, turistas, poderíamos sentir. 

  1. Cidade turística não é sinônimo de hospitalidade 

Agora convido vocês a um exercício (que fizemos ali naquela noite enquanto escolhíamos os pratos): se estivéssemos em Paris e pegássemos um cardápio com a mesma frase escrita, como ela seria interpretada? 

A conclusão é óbvia e seria validada pela primeira bufada do garçom ao esperar um de nós fazer o pedido. 

Isso nos faz refletir sobre a tal hospitalidade, tão propagada por diversas capitais e cidades turísticas. Toda cidade adora proclamar aos quatro ventos que é hospitaleira, mas de que hospitalidade estamos falando? E, principalmente, como ela se manifesta em cada lugar? Certamente não existe apenas um tipo de hospitalidade, e, certamente, existem cidades que definitivamente não são hospitaleiras, como é o caso da tão cobiçada Paris. 

  1. Hospitalidade singular 

No Japão, a hospitalidade não está no sorriso escancarado, no abraço ou na simpatia exagerada. A hospitalidade está simplesmente em como a cidade funciona:  

  • Nas konbinis onipresentes, que te entregam tudo o que você precisa – de comida a um kit de higiene básico.  
  • Nos didáticos mockups de pratos na porta dos restaurantes, que acabam com a barreira da língua.  
  • Nos banheiros públicos que são mais dignos do que o da nossa própria casa.  
  • Na cultura desse povo 
  1. Pequenos gestos de grande impacto. 

Em qual capital do mundo um taxista correria o risco de parar o trânsito para avisar a turista distraída que seu gorro caiu no chão? A experiência foi tão impactante que, por alguns segundos, fiquei ali, segurando o gorro resgatado e pensando: isso é a marca desse lugar. 

Essas experiências positivas e autênticas contribuem por alavancar a indústria do turismo em números galopantes.  

Em março do ano passado o país bateu um record ao receber quase 3,1 milhões de visitantes, o maior número mensal desde o início dos registros, em 1964.  

O Japão nos deu uma aula prática de tudo o que sempre falamos aqui na consultoria: a marca de um lugar é o sentimento que temos em relação a ele, e esse sentimento é único, singular. 

Nos despedimos do Japão com a certeza de que o que vivemos lá só poderia – e só poderá – ser experimentado lá. 

P.S.: Passei a viagem inteira procurando um letreiro gigante com um I Love Tóquio, mas não achei… 

Foto de capa: Caio Esteves.