
Futuro das cidades e as mudanças climáticas: o impacto da retirada dos EUA do Acordo de Paris
VICTORIA MAIA 03.25
Em janeiro de 2025, Trump anunciou novamente a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, repetindo sua decisão de 2020, revertida por Biden após 77 dias. A nova retirada tem um grande impacto global. Sendo os EUA uma das maiores economias do mundo e um dos principais emissores de gases de efeito estufa (GEE), a decisão representa um retrocesso significativo nos esforços internacionais para conter a crise climática.
Trump adota uma postura negacionista em relação às mudanças climáticas e acredita que o Acordo de Paris prejudica a economia dos EUA. Ele demonstra pouca preocupação com o aquecimento global, o que se reflete em sua política energética, fortemente baseada em fontes não renováveis, especialmente o petróleo.
Sua abordagem traça um caminho para os EUA que vai na contramão da crescente preocupação global com a agenda ambiental. Os impactos das mudanças climáticas já são cada vez mais evidentes, manifestando-se em ondas de calor, chuvas intensas, enchentes e queimadas.
O Acordo de Paris é um tratado internacional adotado em 2015 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), em Paris, com o objetivo de combater as mudanças climáticas. Ele foi assinado por quase todos os países do mundo e representa um compromisso global para limitar o aumento da temperatura média do planeta bem abaixo de 2°C, preferencialmente 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais.
O que é a COP?
A Conferência das Partes (COP) é o principal evento global sobre mudanças climáticas, realizado anualmente sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Durante a COP, líderes mundiais, cientistas, ONGs e o setor privado discutem estratégias e acordos para combater a crise climática.
A próxima COP 30 será realizada no Brasil, na cidade de Belém, em 2025. Essa escolha tem grande relevância porque:
- Amazônia como epicentro climático: desempenha papel crucial na regulação climática global e na absorção de carbono.
- Pressão para políticas de conservação: reforça a necessidade de medidas mais eficazes para proteger a Amazônia e combater o desmatamento.
- Visibilidade internacional: destaca o Brasil nas discussões ambientais, impulsionando políticas públicas e investimentos em sustentabilidade.
Mas por que o Acordo de Paris é importante?
- Reduz o impacto das mudanças climáticas: busca mitigar efeitos do aquecimento global, como secas, tempestades, elevação do nível do mar e perda de biodiversidade.
- Estabelece metas claras de redução de emissões: os países signatários devem apresentar Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), revisadas a cada cinco anos. Durante a COP 30, os países devem apresentar suas NDCs atualizadas.
- Fomenta o financiamento climático: prevê US$ 100 bilhões anuais para ajudar países em desenvolvimento a implementar políticas climáticas e desenvolver economias sustentáveis.
- Promove a transição para energias limpas: incentiva investimentos em energias renováveis, eficiência energética e tecnologias sustentáveis.
- Garante cooperação global: é um compromisso coletivo de quase todos os países, promovendo esforços conjuntos para reduzir emissões.
- Pressiona governos e empresas a agir: influencia políticas públicas e práticas empresariais, incentivando a adoção de estratégias sustentáveis e inovações ecológicas.
Importante: o acordo não impõe obrigações, sendo responsabilidade de cada país estruturar suas políticas públicas para cumprir as NDCs acordadas.
Relatório da Lacuna de Emissões do PNUMA
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) é a principal autoridade ambiental da ONU. Desde 2010, publica anualmente um relatório sobre as emissões de GEE no mundo. Suas análises foram essenciais para embasar as negociações internacionais que culminaram no Acordo de Paris durante a COP21.
Atualmente, o Relatório sobre a Lacuna de Emissões (Emissions Gap Report), analisa a diferença entre:
- As emissões globais reais de gases de efeito estufa (o que os países estão emitindo).
- As emissões necessárias para limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C (as metas do Acordo de Paris).
O último Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024 destaca que as emissões globais de gases de efeito estufa continuam em trajetória ascendente, colocando em risco as metas estabelecidas no Acordo de Paris. Nele é destacado os principais emissores de gases de efeito estufa:

O relatório enfatiza a necessidade urgente de reduções significativas:
- Redução de 42% até 2030 para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.
- Redução de 57% até 2035 para manter essa trajetória.
O relatório destaca que, embora alguns países tenham reduzido suas emissões, os níveis globais continuam elevados, colocando o planeta em risco de um aquecimento de até 3,1 °C até o final do século, caso não sejam adotadas medidas mais ambiciosas.
Se isso ocorrer, os impactos serão graves e irreversíveis, incluindo ondas de calor extremas, queimadas, aumento do nível do mar, tempestades mais intensas, secas severas e colapso de ecossistemas. Esses efeitos resultam em crises hídricas, insegurança alimentar, deslocamento populacional (refugiados climáticos) e perdas econômicas significativas.
A fim de mitigar os impactos das mudanças climáticas, o Acordo de Paris estabeleceu um limite de aquecimento bem abaixo de 2°C, preferencialmente 1,5°C, pois acima disso os danos podem ser catastróficos.
Impacto da saída dos EUA do Acordo de Paris
Com a nova retirada dos EUA, a situação se agrava. Sendo o segundo maior emissor de GEE do mundo, sua saída reduz a pressão internacional por cortes de emissões, enfraquecendo ainda mais os esforços globais de mitigação climática, especialmente porque o Acordo de Paris é um compromisso voluntário, não uma obrigação. Isso pode ampliar a lacuna de emissões e dificultar ainda mais o alcance das metas climáticas estabelecidas. Ainda mais, com os EUA planejando intensificar os investimentos em fontes de energia não renováveis nos próximos anos, aumentando ainda mais as emissões de GEE.
Diante da incerteza global e do agravamento das mudanças climáticas, torna-se cada dia mais indispensável pensar em cidades e territórios à prova de futuros.
Como as cidades podem e devem agir?
O impacto das mudanças climáticas já é visível em muitas cidades brasileiras, e a tendência é que esse cenário se agrave ainda mais, dado os rumos globais que o problema vem tomando.
Um exemplo recente é Voçoroca, no Maranhão, que decretou estado de calamidade pública devido ao avanço da erosão, ameaçando mais de 1.200 pessoas. Da mesma forma, as enchentes no Rio Grande do Sul e as ondas de calor recordes têm mostrado a necessidade urgente de adaptação das cidades aos eventos climáticos extremos. Esses casos evidenciam como a falta de planejamento territorial e de infraestrutura resiliente pode agravar os efeitos climáticos e colocar comunidades inteiras em risco.

Para enfrentar esses desafios, o primeiro passo é compreender como a rede de espaços públicos das cidades está ajudando ou piorando os impactos climáticos. Estamos desenvolvendo um Guia para Lugares à Prova de Futuro, que será disponibilizado ainda este ano, para auxiliar cidades na análise e adaptação de seus espaços urbanos.
O guia parte de critérios urbanísticos e ambientais para analisar redes de espaços públicos e identificar deficiências, orientando cidades a avançarem em direção à antifragilidade. Um de seus eixos centrais é o de mudanças climáticas, que avalia como os espaços públicos podem promover resiliência e adaptação. Os principais parâmetros analisados incluem:
- Soberania alimentar
- Infraestrutura verde
- Regulação climática
- Adaptabilidade a distúrbios
- Água
A ideia é não apenas diagnosticar, mas também demonstrar como os espaços públicos podem ser protagonistas na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, ajudando a construir territórios mais equilibrados, diversos e antifrágeis.
Fontes:
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA). Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2024: Chega de calor… por favor! Nairobi: PNUMA, 2024. Disponível em: https://www.unep.org/pt-br/resources/relatorio-sobre-lacuna-de-emissoes-2024.