Economia criativa e inovação para criar lugares melhores para se viver.

CAIO ESTEVES  12.24

Durante muito tempo, acreditou-se que o turismo era a única forma legítima de “marcar” um lugar — uma ideia que priorizava o hardware dos lugares, isto é, seus aspectos físicos.

Era necessário que o lugar fosse “belo” para que pudesse ser trabalhado. Em outras palavras: se a sua cidade não tivesse o apelo visual do Rio de Janeiro, de Paris, de Amsterdã ou de Estocolmo, estaria condenada ao ostracismo ou à condição de destino “alternativo”. Na lógica de então, tudo girava em torno do turismo. Ou o lugar era destino — e de preferência, um destino belo — ou simplesmente não era.

Levaram-se anos e algumas crises econômicas globais para que essa visão começasse a mudar. Hoje se compreende que o turismo é apenas um dos vetores possíveis — e não o único — para que um lugar se consolide como uma marca-lugar.

Inovação e criatividade como vetores de desenvolvimento

Neste artigo, destacamos um vetor cada vez mais relevante — talvez menos glamouroso do que o turismo, mas potencialmente mais eficiente: a inovação.

Sim, essa palavra tão usada quanto pouco explicada. Um conceito que parece servir a tudo e a todos, como se inovação fosse uma promessa universal de sucesso — seja qual for o setor.

Mas, afinal, qual é o papel da inovação dentro da cadeia da economia criativa? Qual a relação disso com os lugares? E, antes de tudo: o que é exatamente a economia criativa?

Segundo o caderno de inovação da FGV/EASP, economia criativa é “o conjunto de negócios baseados no capital intelectual, cultural e na criatividade, gerando valor econômico”. De acordo com a mesma fonte, o Brasil possui hoje cerca de 243 mil empresas formais nesse setor, empregando quase 1 milhão de pessoas e representando 2,7% do PIB. Um número nada desprezível.

O termo “economia criativa” foi cunhado no Reino Unido e ganhou força com o livro de John Howkins, Creative Economy: How People Make Money from Ideas (2001).

“A economia criativa abrange todo o ambiente de negócios que existe em torno da indústria criativa, aquela baseada em bens e serviços criativos.”
— Ana Carla Fonseca

O Manual de Oslo define inovação como:

“A implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou de um novo processo, método de marketing ou método organizacional nas práticas de negócios, no ambiente de trabalho ou nas relações externas.”

Talvez a definição mais clara e aplicável esteja no UK Innovation Report:

“Inovação é a exploração bem-sucedida de novas ideias.”

Ou seja, não basta ter uma boa ideia — ela precisa ser viável, colocada em prática e gerar impacto econômico ou social.

Mas o que tudo isso tem a ver com os lugares?

Place branding é o processo que identifica vocações, amplia identidades e fortalece os lugares a partir da perspectiva das pessoas. Um de seus resultados concretos é a clareza sobre quais são os vetores possíveis de crescimento econômico de um lugar.

Um caso quase sempre citado é o Vale do Silício. Alguns afirmam que sua origem remonta ao início do século XX, com os laboratórios ligados ao rádio. Nos anos 1940/50, o reitor da Universidade de Stanford incentivou professores e ex-alunos a abrirem suas próprias empresas — muitas delas nascidas no próprio campus. A universidade funcionava como âncora do lugar que viria a se tornar o epicentro global da inovação.

Mas o fator decisivo por trás do sucesso do Vale não foi sua localização geográfica ou atributos físicos. O que fez a diferença foram as pessoas, as ideias e uma vocação muito bem articulada, capaz de se reinventar ao longo do tempo — do rádio à tecnologia digital.

O posicionamento original, voltado à tecnologia de ponta, nasceu de forma top-down — o reitor escolheu quais empresas queria ali. E deu certo.

Mas hoje, a pergunta que se impõe é:
são as marcas que validam o Vale, ou é o Vale que valida as marcas?
Talvez essa distinção nem importe. O fato é que o lugar se tornou tão relevante que basta estar lá para se considerar inovador. E isso o torna, inegavelmente, uma marca-lugar forte. O “lugar da inovação”.

Construir um lugar de inovação

Inovação não é um elemento isolado. Pouco adianta ter algumas poucas empresas inovadoras em um lugar se o ecossistema ao redor não favorece seu desenvolvimento. Por outro lado, esse ecossistema pode ser construído.

A partir de uma vocação identificada com profundidade — mapeando o potencial local, as demandas regionais e as necessidades da comunidade — é possível estruturar um polo de inovação. Nesse processo, o placemaking se torna uma ferramenta essencial.

“Placemaking é um conceito criado pela ONG Project for Public Spaces (PPS) para definir processos colaborativos de desenho de lugares públicos, considerando os desejos e necessidades das comunidades locais.”

Há uma ligação evidente entre ecossistemas inovadores e juventude. Não que apenas jovens inovem — mas a juventude é, por natureza, mais propensa à disrupção, ao questionamento e à experimentação. Além disso, as novas gerações exigem cada vez mais equilíbrio entre propósito e bem-estar. Isso exige que os lugares de inovação não sejam enclaves fechados, mas sim ecossistemas urbanos integrados.

A Apple pode ter optado por um campus autocentrado. Mas para a maioria das empresas criativas, a conexão com a cidade é vital. Criar lugares públicos de qualidade, espaços de encontro e convivência, é também uma forma de expressar propósito e gerar identificação com a comunidade.

Inovação e cidade: o caso 22@Barcelona

Um exemplo de como inovação e lugar se encontram de forma sistêmica é o projeto 22@Barcelona — que transformou 200 hectares de zona industrial em um distrito de inovação, com infraestrutura de ponta, espaços flexíveis e uso misto.

O projeto está alinhado com a visão de “Barcelona, Cidade do Conhecimento”. Mesmo sendo um destino turístico consolidado, a cidade investiu em novos vetores de desenvolvimento. O 22@ é um reflexo dessa ambição estratégica.

Entre os destaques:

  • Incentivo a atividades baseadas em talento;
  • Redução de deslocamentos casa-trabalho;
  • Espaço urbano desenhado para as pessoas — não para os carros;
  • Prédios tecnológicos convivendo com crianças brincando de amarelinha;
  • Âncoras culturais como o Museu del Disseny e a Torre Agbar.

Conclusão

Como em tudo que envolve cidades, não existe uma única solução. Não se trata apenas de arquitetura, nem apenas de mobilidade, nem só de políticas públicas.

Inovação e economia criativa são vetores reais de desenvolvimento. E talvez estejam entre os mais relevantes para construir cidades mais resilientes — ou melhor, antifrágeis, como propõe Caio Esteves.

O conceito de parques tecnológicos — historicamente isolados — perde força diante da emergência das cidades inovadoras, mais conectadas com o tecido urbano, onde usos se misturam e a vida pulsa.

A pergunta que fica é:

O que esse lugar tem de único enquanto lugar?
A inovação que você busca é importada, ou nasce das singularidades que já existem aí?

Queremos ser o Vale do Silício de algum lugar?
Ou queremos construir, a partir do que somos, os lugares futuros que precisamos?