Cidades Comestíveis: Um Futuro para as Cidades?
VICTORIA MAIA 01.25
O conceito de Cidades Comestíveis (Edible cities) é uma abordagem inovadora para o planejamento urbano, propondo que a produção de alimentos seja integrada à paisagem e ao cotidiano das cidades. Essa ideia não se limita a hortas comunitárias; ela visa transformar os espaços urbanos em sistemas produtivos que promovam a soberania alimentar, a resiliência climática e a proximidade entre as pessoas e os recursos naturais.
Um dos grandes diferenciais da proposta das Cidades Comestíveis é o incentivo e valorização da participação comunitária nas práticas de agricultura urbana, da reutilização de recursos locais (como resíduos orgânicos e água) e da criação de espaços verdes que melhoram a qualidade de vida urbana. Essa abordagem articula-se com a atual proposta de infraestrutura verde urbana que vem repensando a forma de ligar áreas recreativas e Soluções Baseadas na Natureza (SBN).
O que são Soluções Baseadas na Natureza (SBNs)?
SBNs são originalmente definidas como soluções que são inspiradas e apoiadas pela natureza e que simultaneamente proporcionam benefícios ambientais, sociais e econômicos e ajudam a construir resiliência.
As referências de iniciativas de Edible Cities apresentam como ponto chave o envolvimento direto e duradouro das práticas produtivas com os cidadãos em processos sociais. Cria um senso de pertencimento, na medida em que sua participação vai desde a concepção conjunta (co-criação) até a co-implementação e co-gestão a longo prazo desses espaços verdes produtivos, que estão em constante evolução/transformação (Säumel et al., 2019).
O impacto das mudanças climáticas torna-se cada vez mais evidente e exige soluções que unam a produção de alimentos, a preservação ambiental e a qualidade de vida nas cidades. Ainda mais visto que atualmente, aproximadamente 80% da população brasileira vive em áreas urbanas, e a urbanização continua a crescer em ritmo acelerado em todo o mundo, com projeções de que todas as regiões do planeta se tornem ainda mais urbanizadas até 2050 (FAO, 2018). Como pensar o futuro cada vez mais urbano?
A agricultura urbana, ao aproximar a produção de alimentos dos consumidores, reduz significativamente as emissões de carbono associadas ao transporte de longa distância. Além disso, a incorporação de vegetações comestíveis em espaços públicos promove a regulação climática local, melhora a permeabilidade do solo, reduz o impacto de enchentes, aumenta a biodiversidade e proporciona uma conexão mais direta entre os moradores e o meio ambiente. As Cidades Comestíveis, surgem como uma abordagem integradora, capaz de mitigar os efeitos das mudanças climáticas e melhorar as condições urbanas.
A Alemanha é uma das precursoras na sistematização do conceito “Edible Cities”, combinando inovação, políticas públicas e pesquisa interdisciplinar para integrar a produção de alimentos a estratégias urbanas sustentáveis.
Andernach
Um exemplo inspirador desse modelo é a cidade de Andernach, na Alemanha. Desde 2010, Andernach transformou áreas ornamentais em plantações de frutas, legumes e ervas, abertas à colheita gratuita pela população. Essa iniciativa integra a produção de alimentos ao tecido urbano, criando um ciclo de benefícios que se estende por várias dimensões:
- Sustentabilidade e Clima: Andernach reduz emissões, melhora a qualidade do ar e transforma áreas urbanas em sumidouros de carbono.
- Proximidade e Resiliência: A produção local de alimentos torna a cidade mais auto suficiente e menos vulnerável a crises climáticas e interrupções na cadeia alimentar.
- Inclusão e Comunidade: O livre acesso aos alimentos fortalece a equidade, promove um senso de pertencimento e engaja a população em práticas sustentáveis.
- Educação e Conscientização: As plantações se tornam espaços pedagógicos, aumentando a conscientização sobre o impacto das escolhas alimentares na crise climática.
- Saúde Pública e Qualidade de Vida: Promove o consumo de alimentos frescos e saudáveis, enquanto transforma os espaços públicos em áreas de convivência e lazer.
Andernach não apenas exemplifica o potencial transformador das cidades comestíveis, mas também serve como um modelo de como os centros urbanos podem se adaptar para enfrentar as mudanças climáticas. Essa iniciativa demonstra que cidades podem ser protagonistas na construção de um futuro mais sustentável e conectado, onde os alimentos são produzidos perto de onde as pessoas vivem, promovendo resiliência, qualidade de vida e uma nova relação com o ambiente.
O caso de Andernach nos desafia a repensar a cidade como um organismo vivo, capaz de alimentar não apenas seus habitantes, mas também o equilíbrio entre sociedade e natureza.
Fonte: SÄUMEL, I.; REDDY , S.E.; WACHTEL, T. Edible City Solutions — One Step Further to Foster Social Resilience through Enhanced Socio-Cultural Ecosystem Services in Cities. Sustainability, 11(4), 972. 2019.
FAO.(2018-a). Transforming food and agriculture to achieve the SDGs: 20 interconnected actions to guide decisionmakers. FAO.https://www.fao.org/documents/card/en/c/I9900EN/
Foto de capa: https://urbangreenbluegrids.com/projects/the-bible-city-andernach/