Dias (ainda) mais curtos, cidades (cada vez) mais longas? Ritmos urbanos, promessas anacrônicas e a disputa pelo futuro dos lugares

O tempo nas cidades passa cada vez mais rápido.

“Quem impõe um único ritmo a um lugar assina a sentença de morte da pluralidade.”

A Terra acelera e o relógio da cidade atrasa.

Dia 10 de julho foi o mais curto de 2025 até agora, 1,36ms menos do que 24 horas. Parece irrelevante, mas pelo visto, basta um soluço cronológico para chamar a atenção de cientistas e, sobretudo, do imaginário urbano: o que acontece quando o relógio atômico entra em conflito com o tempo vivido nas ruas?

“A cidade não é apenas uma organização espacial; é também uma construção temporal.”

Sim, novamente falarei do tempo, esse compositor de destinos, como já cantava Veloso, mas se até o planeta acelera, fica evidente o questionamento do tempo como linha de produção, linear e único. Já argumentei em artigo recente para o Connected Smart Cities, a existência de múltiplos relógios sobrepostos nas cidades, do mercado, da burocracia, do cuidado, da natureza, do planeta, e planejar lugares como se houvesse apenas um único e absoluto tempo é produzir uma violência invisível, porém impactante.

Cidade de 15 Minutos: promessa em ritmo único, incômodo em tempos variados

Talvez o maior exemplo de temporalidade explicita nas cidades, e o mais conhecido, seja o conceito de Carlos Moreno chamado “Cidade de 15 minutos”. O slogan é sedutor: tudo a quinze minutos de casa, a pé ou de bicicleta. Contudo, uma cidade não é metrônomo; é orquestra. O crono-urbanismo de Moreno supõe um tempo médio e universal, mas o tempo de quem?

Não é preciso muita imaginação para romper o perímetro “ideal” dos 900 segundos. A logística invisível que abastece o mercadinho do bairro continua rodando horas de caminhão; a valorização imobiliária dispara mais rápido do que a renda local com a expansão da malha de transporte público, expulsando quem garantia a vitalidade, e por que não, autenticidade.  Embora seja um crítico feroz a ideia de “qualificação = gentrificação”, é impossível negar sua existência, já vimos acontecer vezes demais para fingir que ela não está lá, a espreita, só esperando uma pequena oportunidade. Ao mesmo tempo que a concentração de trabalho, lazer, educação e moradia num raio tão curto seja quase idílica, principalmente ao pensarmos nas grandes cidades, essa forma “Kronológica” de pensar a cidade, ao invés de encurtar distâncias sociais, pode instalar um cronômetro de gentrificação.

Por que anacrônica?

Porque congela Kronós (tempo linear) acreditando que todos os demais ritmos se encaixarão. Mas o lugar também pulsa em Kairós (o instante propício) e Aiôn (a duração profunda que faz uma cultura enraizar-se). Ao impor compasso único, a cidade-relógio despreza a Singularidade do Lugar, que é a forma que trato a sobreposição de Essência, Alma e Caráter dos lugares, e envelhece rápido, pois pessoas, serviços, economia e planeta, dificilmente compartilham o mesmo relógio.

Urbanismo de “gravidade zero”: The Line

Outro exemplo de “crono-urbanismo”, mais contemporâneo e menos conhecido, provavelmente por sua origem não europeia, é o pretensioso The Line. Se a Cidade de 15 Minutos tenta comprimir o espaço, a Arábia Saudita aposta em anulá-lo. O The Line, é um imponente, e um tanto alienígena, corredor de 170 km, 500 m de altura e 200 m de largura onde nove milhões de habitantes viveriam empilhados entre dois espelhos paralelos. Nesse caso, o percurso some e o presente congela. É o chamado urbanismo de gravidade zero: comprimir o plano de solo, verticalizar funções e conectar tudo por um eixo longitudinal de alta capacidade. Na prática, isso cria um movimento diagonal (vertical + longitudinal) que pretende “achatar” tempos de acesso, como se a soma do elevador com o trem anulasse as fricções do percurso.

O efeito é pode parecer sedutor nas belas imagens e vídeos, em seu “showroom-manifesto” em Riade, na Arábia Saudita, uma experiência imersiva bastante impactante, mas podemos discutir se essa abordagem não altera mais do que a geometria, altera a temporalidade do lugar. Ao trocar rua, quarteirão e esquina por plataformas e portas de embarque, o tempo vivido (o do encontro, da pausa, do acaso) cede lugar ao tempo de transferência (espera, fila, transferência). A promessa de “cinco minutos” opera como contabilidade de cronômetro, não como experiência urbana. Ganha-se eficiência de Kronós e perde-se Kairós.

Há ainda a escala e a localização. Trata-se de uma megaestrutura em construção no noroeste saudita. Se internamente, tenta equalizar tempos; externamente, está a centenas de quilômetros dos principais polos regionais. Ou seja: por mais que comprima deslocamentos “dentro”, projeta tempos longos “fora” para cadeias de suprimento, serviços especializados, redes acadêmicas, circuitos culturais. Tudo supostamente deveria ser internalizado nessa “linha-nação” ou, ao aspirar abolir a gravidade do espaço, acabará por esbarrar na gravidade do lugar.

A narrativa temporal de “5, 15, 20 minutos” é um tempo-marca; o canteiro, o cotidiano é um tempo-mundo. Entre um e outro, mora uma pergunta central: igualar os tempos de acesso e deslocamento é o mesmo que qualificar os tempos do lugar? Se a resposta for não, e tudo me indica que seja, então o The Line nos serve não como um novo padrão universal, mas como experimento limite: mostra o que ganhamos (compacidade, baixa motorização, densidade técnica) e o que arriscamos perder (acaso, pluralidade temporal e vínculos com o lugar).

Antifragilidade temporal: quando o URBANSCANNER vira motor de foresight para lugares à prova de futuro

Antifragilidade, nos lugares, não é “aguentar o tranco”; é aprender com ele. No plano temporal, isso significa sair da obsessão por Kronós para orquestrar ritmos, acolher Kairós e Aiôn. O ponto de virada é tratar tempo como infraestrutura viva, e não como resíduo do planejamento. É aqui que a nossa tríade: Place Branding + Placemaking + Strategic Foresight se torna prática.

Enquanto a Antifragilidade temporal dá a direção (lugares que se fortalecem com eventos traumáticos), o método URBANSCANNER oferece uma lente que enxerga oito dimensões de tempos diferentes do mesmo lugar; e o Foresight cria o motor em ciclos contínuos de sentido → exploração→ decisão → experimentação → feedback.

Dimensões do Urbanscanner que analisa as dimensões dos drivers de mudança, sinais e tendências urbanas

Como isso opera, de verdade?

O Sentido (identidade e vocação): mapea conflitos de ritmos (mercado vs. comunidade; logística vs. lazer; turismo vs. cotidiano). Aqui a Singularidade do Lugar protege o que é não negociável.

A Decisão (opcionalidade): em vez de uma “solução ótima”, criar portfólios de opções temporais (janelas, turnos, usos reversíveis, redundâncias).

A Experimentação (projetos e experiências): intervenções temporais que testam novos ritmos (bibliotecas 24h, parques noturnos, mercados de madrugada).

Feedback (aprender rápido): indicadores temporais voltam ao início do ciclo, ajustando políticas e desenho.

URBANSCANNER como painel de observação dos tempos.

Voltando a santíssima Trindade da N/LF, podemos concluir que, enquanto o O Place Branding narra a polirritmia (o porquê, os símbolos, os pactos) e o Placemaking materializa ritmos (onde, quando, com quem), o Foresight garante ciclo longo (como o lugar aprende ao longo dos choques).

Ser lugar à prova de futuro não é caber em um único relógio, é governar relógios múltiplos. Quando o mundo nos rouba milissegundos, respondemos com durações que fazem sentido: não mais um tempo único para todos, mas vários tempos para que o lugar continue sendo um só.

Bibliografia

ESTEVES, Caio. Lugares Futuros: place branding, placemaking e strategic foresight para fortalecer lugares, cidades e países. Homo Urbanus, 2024.

ESTEVES, Caio. O tempo das cidades e os futuros possíveis. Connected Smart Cities, 2025.

IERS – International Earth Rotation and Reference Systems Service. Bulletin A – Earth Rotation Data. 2022.

MORENO, Carlos; ALLAM, Zaheer. “The 15-Minute City: Creating Sustainable and Inclusive Urban Environments.” Smart Cities, 2021.

O Impacto do Tecnofeudalismo no futuro das Cidades  

Corredor de um data center com inúmeras unidades de armazenamento organizadas em racks, iluminado por luzes de operação em tons verdes e azuis.

O tecnofeudalismo é um conceito que sugere que a economia digital contemporânea não é mais propriamente capitalista, mas sim um novo tipo de feudalismo, onde o poder econômico e social está concentrado nas mãos de grandes corporações de tecnologia. Nesse modelo, empresas como Apple, Meta, TikTok e X (antigo Twitter) atuam como “senhores feudais digitais”, enquanto usuários, criadores de conteúdo e até mesmo governos tornam-se “vassalos”, dependentes dessas plataformas para comunicação, trabalho e comércio. Se essa tendência continuar sem regulação ou alternativas descentralizadas, o futuro pode ser marcado por uma nova era de dependência digital, onde poucos controlam o acesso à informação, à economia e até à própria autonomia das sociedades. 

 
O conceito de tecnofeudalismo começou a ganhar força no final da década de 2010, mas sua formulação mais estruturada surgiu nos anos 2020. Tem suas raízes na crítica ao capitalismo digital e foi popularizado por economistas e teóricos como Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças da Grécia, e Cédric Durand, economista francês.  

Principais características do tecnofeudalismo: 

  1. Monopólios Digitais – Poucas corporações controlam setores inteiros da economia digital, dificultando a concorrência e estabelecendo regras próprias. 
  1. Controle sobre Infraestruturas – Diferente do capitalismo clássico, onde a posse dos meios de produção é essencial, no tecnofeudalismo, o que importa é a posse das infraestruturas digitais (redes sociais, sistemas operacionais, marketplaces, inteligência artificial). 
  1. Extração de Renda Sem Produção – Plataformas lucram não apenas vendendo produtos, mas extraindo valor dos dados e atenção dos usuários, sem necessariamente gerar bens tangíveis. 
  1. Fidelização Forçada – Como os usuários não possuem os dados nem as redes que constroem nessas plataformas, tornam-se “prisioneiros” das big techs. 

Nesse modelo algumas grandes corporações não apenas dominam mercados, mas controlam as infraestruturas digitais onde a economia e a sociedade funcionam, criando uma nova forma de dependência. As big techs operam como senhores feudais modernos porque não apenas vendem produtos, mas também possuem os “terrenos” digitais onde todos precisam operar. Diferente do capitalismo tradicional, onde empresas competem em mercados livres, as big techs cobram tributos (comissões, algoritmos pagos, extração de dados) e limitam a autonomia de empresas e usuários. 

Qual o impacto do Tecnofeudalismo no futuro das cidades?  

Pensar o tecnofeudalismo como uma realidade sistêmica em formação é essencial porque nos permite reconhecer que a crescente concentração de poder das Big Techs não é apenas uma característica do presente, mas um modelo sistêmico que se estabelece para as próximas décadas. Diferente do capitalismo industrial, onde a produção e a concorrência entre empresas moldavam a economia, no tecnofeudalismo, o controle das infraestruturas digitais se torna a principal forma de poder. 

Se hoje essas empresas já dominam as plataformas onde transações, comunicações e até processos políticos ocorrem, seu papel tende a se expandir ainda mais, afetando profundamente a autonomia de indivíduos, governos e mercados. Nas cidades, isso se traduz em um controle crescente sobre serviços essenciais e a própria organização do espaço urbano. Desde o transporte por aplicativos e a entrega de alimentos até a segurança pública mediada por câmeras e inteligência artificial de empresas privadas, as Big Techs estão redefinindo a experiência urbana. 

Em um cenário tecnofeudal, as cidades podem se tornar grandes “feudos digitais”, onde a qualidade de vida, o acesso a serviços e até mesmo a circulação de pessoas são cada vez mais gerenciados por algoritmos opacos e plataformas privadas. A vigilância digital pode se intensificar, a privacidade diminuir e a capacidade dos governos locais de gerir seus próprios espaços pode ser comprometida pela dependência de soluções tecnológicas de monopólios. A “cidade inteligente” prometida pode, na prática, ser uma cidade sob o controle de poucos, com seus dados e interações monetizadas em benefício dos “senhores” digitais. 

Grupo de executivos e líderes empresariais reunidos em evento formal, vestidos com trajes sociais, posando para uma foto coletiva.
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/01/musk-e-outros-donos-de-big-techs-tiveram-lugar-de-honra-na-posse-de-donald-trump.shtml

A consolidação e os Riscos da Servidão Digital 

A proximidade entre as Big Techs e os centros de poder político é cada vez mais evidente e preocupante. A posse de Trump, com a presença destacada de líderes dessas corporações, é um exemplo notório de como esses atores não são apenas agentes econômicos, mas também se tornam mediadores do poder político. Indo além, a imagem do filho de Elon Musk brincando no Salão Oval, um símbolo do poder global, serve como uma metáfora impactante: ela sublinha a intimidade e o acesso sem precedentes que essas figuras têm às esferas de decisão mais elevadas. 

Elon Musk com uma criança sobre os ombros ao lado de Donald Trump sentado à mesa no Salão Oval da Casa Branca, com bandeiras dos Estados Unidos ao fundo.
https://edition.cnn.com/2025/02/12/tech/elon-musk-x-oval-office

Redes sociais controlam o alcance da informação, mecanismos de busca determinam quais conhecimentos são mais acessíveis, e infraestruturas de computação em nuvem sustentam operações governamentais e corporativas. Esse grau de dependência nos aproxima de um cenário em que as grandes corporações tecnológicas não apenas moldam as regras do jogo, mas definem os próprios caminhos possíveis para o futuro. 

Assim, a ideia de que vivemos um tecnofeudalismo ganha cada vez mais aceitação, pois: 

  • As grandes plataformas digitais não produzem diretamente, mas vivem da renda gerada pelos usuários
  • Governos e até eleições dependem da infraestrutura dessas empresas
  • Pequenos negócios e criadores de conteúdo são forçados a seguir as regras dessas plataformas, muitas vezes sem transparência ou possibilidade de negociação. 

Se aceitarmos essa lógica como inevitável, o risco é que avancemos para um cenário onde as relações sociais, políticas e econômicas sejam intermediadas quase exclusivamente por essas plataformas privadas. Esse modelo pode resultar em uma “servidão digital”, onde indivíduos e pequenos negócios são forçados a seguir regras arbitrárias, algoritmos opacos e condições de uso inegociáveis, sem alternativas reais. Assim como no feudalismo histórico, onde a posse da terra garantia o poder dos senhores feudais, hoje o controle das infraestruturas digitais determina quem prospera e quem se torna refém das plataformas. 

O Futuro Não Está Selado: Alternativas e Autonomia 

No entanto, a compreensão do tecnofeudalismo também nos impõe o desafio de reconhecer que o futuro não está selado.  

Existem outros caminhos possíveis, como :  

  • Fortalecimento da regulação sobre as Big Techs 
  • Descentralização da internet 
  • Incentivo a plataformas abertas e cooperativas  
  • Desenvolvimento de infraestruturas digitais públicas ou comunitárias.  

Para as cidades, isso significa buscar soluções que permitam aos governos locais e aos cidadãos retomar o controle sobre seus dados e infraestruturas digitais, promovendo a governança democrática e a participação cívica genuína. Em um cenário alternativo, a tecnologia poderia servir à autonomia dos usuários e das comunidades urbanas, e não à sua submissão a monopólios digitais. 

A questão central, portanto, não é apenas compreender o tecnofeudalismo como um fenômeno contemporâneo, mas decidir se esse será o modelo predominante para as próximas décadas. Reconhecer esse futuro como uma possibilidade concreta nos dá a chance de questioná-lo, enfrentá-lo e propor novas arquiteturas para o digital, onde a inovação tecnológica esteja a serviço da sociedade – e não de novos senhores feudais. 

Foto de capa: https://www.elsaltodiario.com/opinion/tecnofeudalismo 

O Futuro do Mercado Imobiliário 

Fachada de edifício residencial com varandas repletas de árvores e vegetação, exemplo de arquitetura verde ou floresta vertical.

Quando comecei a trabalhar com as questões urbanas, meu foco recaia nas cidades, regiões e países, objeto de estudo do dito place branding tradicional. Minha primeira consultoria, não por acaso também a primeira 100%  dedicada as marcas-lugar do país tinha esse recorte.

Foi numa aula do curso de cidades inteligentes onde compartilhava minha experiência sobre o assunto que as coisas mudaram. O curso naquele formato não existe mais, talvez pelo fato de logo no primeiro final de semana de aula (as aulas eram aos sábados e domingos, de manhã e de tarde) os professores eram, na sequência, meu amigo Caio Vassão e eu, que então falavam tudo exatamente oposto ao que o senso comum imaginava sobre cidades inteligentes.

O fato é que na minha aula, um domingão paulistano típico, estava na primeira fila, com seu colete Michelin tradicional, meu hoje amigo, Paulo Toledo, que certamente todo mundo do mercado imobiliário que eventualmente venha a ler esse texto conhece. Depois de umas perguntas cabeludas, típicas dos alunos folgados que querem testar o professor, ele se acalmou e talvez tenha ali concluído que o dia poderia valer a pena. No final da aula nos falamos e na semana seguinte já estávamos viajando juntos pelo Nordeste, numa mistura de um MBA impagável sobre o mercado imobiliário e um teste para ver se eu aguentava o tranco de acompanhar seu ritmo frenético de trabalho. Nesse momento tinha sido oficialmente dragado para o mercado imobiliário.

Sempre tive a iniciativa privada como uma possibilidade de atuação, bairros planejados, grandes empreendimentos tinham, a meu ver, a necessidade de se relacionar com a identidade do lugar ao invés de preocupar-se exclusivamente com o lugar do ponto de vista geográfico. Essa nova abordagem inclusive seria capaz de qualificar lugares até então pouco sedutores ao mercado. Meu primeiro projeto de place branding propriamente dito foi um enorme bairro, junto a iniciativa privada.

A fome de lenhador por novos termos (e a incapacidade de implantá-los) 

Mas ser o “amigo esquisito do Paulo” me deu oportunidade de conhecer players e projetos importantíssimos do mercado brasileiro e o prazer de trabalhar em grande parte deles. Uma das minhas primeiras conclusões, não antes de algumas bolas fora que hoje são piadas internas, é que o mercado imobiliário é, na mesma medida, um lugar absolutamente avesso a inovação e ávido por novidades. O que pode parecer um contrassenso a princípio é facilmente explicado. É justamente essa aversão a inovação que faz com que ele, o mercado, busque sempre a última moda, as tendências (como muitas vezes gostam de chamar erroneamente, o que no ramo chamamos de “fad” ou na melhor tradução, “modismo”). Eu mesmo senti isso na pele, tanto com o place branding quanto com o placemaking, ambos devorados, mastigados e cuspidos numa velocidade impressionante, sem grandes transformações ou impactos, simplesmente porque eram uma “novidade”, muito mais interessante enquanto discurso do que enquanto implantação (afinal implantar da um trabalho considerável, já falar…)

Não foi surpresa nenhuma ver que a discussão sobre os futuros também se tornou alvo do enorme apetite do mercado. Me deparei com termos bizarros, como “futurologismo”, além do próprio uso modal do termo futuro.

Sempre tentamos, e sempre falhamos miseravelmente

Desde sempre tentamos prever o que nos aguarda adiante, desde o oráculo de Delphos, na antiguidade, passando por cartomantes, búzios, bolas de cristal, polvos adivinhos (abração para o polvo Paul) até chegarmos na inteligência artificial. O fato é que, infelizmente, nunca tivemos sucesso (me desculpe os adeptos das práticas ocultas), ou pelo menos um sucesso concreto e verificável.

Demorei um bom tempo até me entender, e aceitar, de fato como um futurista (estratégico), precisei estudar muito, escrever vários artigos, desenvolver projetos, ser colunista do que considero maior hub de futuros do país, e até escrever um livro para fazer as pazes com o termo, e principalmente, ter a sorte da companhia de grandes nomes do futurismo do Brasil nessa jornada e, claro, a validação deles com um igual.

Uso esse artigo para compartilhar alguns aprendizados desse meu último livro e dos últimos projetos, na esperança de ajudar um mercado tão tradicional quanto o imobiliário na compreensão de algo profundamente importante, algo que não pode ser levado como modismo, “os futuros”.

Sempre plural, por mais contraintuitivo que pareça.

O ponto central da discussão do futuro é que ele é plural e imprevisível por natureza, logo, vocês já entenderam o clickbait no título. Não existe UM futuro para o mercado imobiliário, porque o futuro simplesmente, por não existir ainda, não é singular e falar dele no singular é, necessariamente, falar do presente. Os futuros podem e devem ser explorados, imaginados, criados, mas nunca previstos. A esse tipo de prática/ falácia, usando o futuro como um verniz ou uma maquiagem para velhos hábitos e métodos, damos o nome de futurewashing, aquela camada do discurso para parecer contemporâneo e inovador sem se ter ideia do que isso representa ou implica. 

A abordagem dos futuros é uma forma de anteciparmos oportunidades e nos prepararmos para incertezas e criarmos um sistema que chamo de “lugares à prova de futuro”, não porque sejam herméticos e imutáveis, mas justamente pelo contrário, por estarem preparados para as mudanças (de contexto, de comportamento…).
Explorar os futuros é trabalhar num leque de possibilidades que orientam decisões estratégicas do presente. 

Como um empreendimento imobiliário que demorará, muitas vezes, cinco anos para ser lançado e dez ou quinze anos para tornar-se maduro pode ser baseado, unicamente, em pesquisas de hoje com dados de ontem? Será que ainda não aprendemos que o mundo muda velozmente ao nosso redor? 

Estamos projetando para o amanhã ou reproduzindo nossas “certezas” de hoje? Explorar os futuros não é sobre prevê-los, é sobre: largarmos a ilusão confortável da previsibilidade.

Quanto ao mercado imobiliário, lanço a pergunta: ele está preparado para abordar os futuros com seriedade ou vai tratá-los como o modismo da vez? Você tem segurança na sua certeza sobre o futuro? Seu empreendimento está preparado para ser future-proof?

Adolescência e Redes Sociais: insights importantes sobre a série

Cena da série Adolescência em que a advogada de Jamie o confronta durante uma visita ao centro de detenção. A troca de olhares intensa expõe a gravidade do momento: um adolescente acusado de homicídio, diante das consequências reais de seus atos.

Lançada em março de 2025, a série Adolescência tem causado muito burburinho por contar a história de um jovem de 13 anos acusado de cometer um homicídio contra uma colega de classe. No Brasil, a juíza Vanessa Cavalieri, titular da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, apresenta dados interessantes e estarrecedores no episódio Vanessa Cavalieri não quer prender o teu filho, no podcast Fio da Meada com Branca Viana. Basicamente, as percepções sobre as dimensões de espaços e territórios se transformaram e a pouca compreensão sobre estas novas formas de espaços ampliam a propagação de violências e acrescentam um grau de sofisticação até então desconhecido.  

Existe uma relação entre os tipos de crimes e perfis sociais, por exemplo: há algum tempo a juíza Vanessa Cavalieri recebia jovens que cometiam atos infracionais análogos a roubo, furto e tráfico de drogas, crimes para a rápida aquisição de renda e que se relacionam com a desigualdade social e o consumismo, ou seja, existia uma recepção de jovens em maior situação de vulnerabilidade social. Contudo, nos últimos anos o perfil de jovens encaminhados até a Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro se modificou, jovens de classe média, classe média alta e frequentadores de escolas de renome passaram a responder por atos violentos, como terrorismo, apologia ao nazismo, racismo e estupro de vulnerável e esses atos infracionais eram comunicados pela Interpol. 

E por que a Interpol? 

Os atos infracionais cometidos pelos jovens são organizados na internet, por meio de grupos ou panelas (no caso do Discord), e as evidências ficam ‘guardadas’ na nuvem. O Google e a Meta, a exemplo, possuem alertas de mensagens e imagens que, quando encontradas, são encaminhadas para a Interpol. É dessa forma que atos violentos estão sendo mitigados pelo sistema de inteligências das empresas em contato com as organizações de segurança. No Brasil, os casos são direcionados à polícia federal e, infelizmente, muitas vezes os pais não têm ideia do que está acontecendo, não têm acesso as redes dos filhos e acreditam piamente que eles estão seguros navegando em smartphones. 

Voltando a série, os pais de Jamie acreditavam que ele estava seguro no quarto ao lado. Mas, eles estavam errados porque o filho tinha se transformado em um assassino. 

Cena da série Adolescência mostra os pais de Jamie tentando entender como o filho, até então “seguro no quarto ao lado”, pode estar envolvido em um crime tão grave.
Crédito da Imagem: GZH

Existe uma dificuldade em compreender a maneira com a qual a internet e as redes sociais afetam as gerações, a gente percebe em como afetam as eleições, modos de ser e agir, percepções e até nas projeções de futuros das juventudes. A interação que se tem com a internet e as redes sociais às transformaram em lugares e existe uma dificuldade de vinculá-los com a realidade, as limitações impostas, como limite de idade, são facilmente burladas e a maneira com a qual os algoritmos distribuem os conteúdos para cada usuário gera questionamentos. 

O funcionamento deste novo lugar, que são as redes sociais, se opõem ao mundo real em que os territórios devidamente separados, com normas, acordos e leis que protegem e limitam os indivíduos que ali vivem. Contudo, quando se trata do mundo virtual existe uma dificuldade na compreensão de que é possível acessar o mundo inteiro em segundos, de que as situações expostas nas redes conseguem uma projeção global e que, diferente do mundo real, não há um controle total sobre como acessarão suas informações. 

Então, por que existe uma preocupação com os lugares onde os nossos filhos vão, quando vão e quando voltam? Enquanto existe a falsa crença de que saber o que e quem os filhos acessam em seus smartphones e computadores é invasão de privacidade.  

As telas correspondem à uma praça cheia de desconhecidos, você acha seguro deixar seus filhos lá sem supervisão? Ou melhor, você deixaria seus filhos numa cidade que você não conhece, com pessoas que você não conhece, sem qualquer instrução prévia? É claro, as preocupações e liberdades variam de acordo com a idade. 

O grande problema é que nas redes sociais não existe um controle, em especial por parte de pais e responsáveis. Há uma dificuldade por parte da família em supervisionar as ações de seus filhos e uma facilidade dos filhos em esconder os seus acessos. 

É perceptível a dificuldade das famílias, de maneira geral, em compreender as redes sociais como lugares que afetam e direcionam as vivências de seus filhos. 

Em contrapartida, foi promulgada a  Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas o que expõem a preocupação por parte do Estado com o aumento de casos de violências envolvendo crianças e adolescentes e redes sociais. A nível global, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou em janeiro o fim da checagem de fatos, decisão tomada, de acordo com cientistas políticos, como sinal de aproximação à Donald Trump. Esta atitude expõe como as redes sociais podem e são utilizadas como ferramenta de aproximação ou distanciamento de governos, afinal a aproximação à Trump, por Zuckerberg, e Elon Musk com um cargo no governo norte-americano evidencia a discordância e distanciamento entre os EUA e a União Europeia quanto à influência das redes sociais em seus governos. 

Mediante todas as divergências entre atuação de famílias, governos e big techs, é suficiente restringir e/ou proibir os celulares das escolas? Qual é o controle que os jovens terão nas redes fora da escola? Como o que é dito nas redes, fora da escola interfere na vivência escolar? É possível agir como se as redes não interferissem nas nossas vidas? Como ficaria o trabalho sem as redes sociais?  

Não é possível voltar no tempo e agir como se internet e redes sociais não existissem e ignorar as facilidades incorporadas nas nossas vidas por elas, contudo é importante entender que os perigos mudaram com o tempo, eles estão mais sofisticados. 

Se redes sociais se transformaram em lugares presentes nas cidades, regiões e países afetando a organização social, as eleições e a socialização de crianças e adolescentes o que pode ser feito para mitigar os problemas? A União Europeia se antecipou aos problemas e em 2022 aprovou a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) e a Lei do Mercado Digital (Digital Markets Act – DMA) que regulam o comércio nas redes sociais e existe uma tentativa de diálogo no Brasil sobre a regulamentação das redes sociais. Infelizmente, as soluções propostas e implementadas não foram capazes de alinhar o mundo virtual com o mundo real

É possível ter maior controle sobre o que acessamos, entender ao que somos expostos em nossas redes e o funcionamento dos algoritmos que, embora filtrem uma fração de todo o tráfego, trazem consequências enormes para o mundo real. Agora imagine, se pode ser complexo para adultos adquirir esta compreensão como exigi-la de crianças e adolescentes? 

Quais são os impactos para o mundo real? 

Recentemente uma menina de 8 anos foi encontrada desacordada pelo avô, de acordo com as investigações ela estava fazendo o ‘Desafio do desodorante’. Infelizmente, ela não sobreviveu. Ainda em abril, a Polícia Federal deflagrou Operação Adolescência Segura e um dos chefes dessa rede de crimes, que incluía crimes de ódio, tentativa de homicídio, maus tratos à animais e armazenamento de pornografia infantil era um adolescente de 14 anos. Estes são dois exemplos dos impactos das redes no mundo real, em especial para crianças e adolescentes! 

A percepção de que redes sociais são lugares, permite que jovens encontrem seus pares e se sintam pertencentes a grupos. Mas não impede que a ânsia por pertencer e as violências existam, elas ficam camufladas pela ingenuidade de que existe segurança no mundo virtual, que os nossos filhos estão protegidos em casa. 

Contudo, assim como na série, basta um clique para acessar um lugar repleto de possibilidades e, muitas vezes, sem qualquer supervisão, instrução ou habilidade para compreender o excesso de informações expostas nas redes. É assim que muitas crianças e adolescentes estão socializando, em completa desconexão com o mundo real.