
Adolescência e Redes Sociais: insights importantes sobre a série
LETICIA CARVALHO 04.25
Lançada em março de 2025, a série Adolescência tem causado muito burburinho por contar a história de um jovem de 13 anos acusado de cometer um homicídio contra uma colega de classe. No Brasil, a juíza Vanessa Cavalieri, titular da Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, apresenta dados interessantes e estarrecedores no episódio Vanessa Cavalieri não quer prender o teu filho, no podcast Fio da Meada com Branca Viana. Basicamente, as percepções sobre as dimensões de espaços e territórios se transformaram e a pouca compreensão sobre estas novas formas de espaços ampliam a propagação de violências e acrescentam um grau de sofisticação até então desconhecido.
Existe uma relação entre os tipos de crimes e perfis sociais, por exemplo: há algum tempo a juíza Vanessa Cavalieri recebia jovens que cometiam atos infracionais análogos a roubo, furto e tráfico de drogas, crimes para a rápida aquisição de renda e que se relacionam com a desigualdade social e o consumismo, ou seja, existia uma recepção de jovens em maior situação de vulnerabilidade social. Contudo, nos últimos anos o perfil de jovens encaminhados até a Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro se modificou, jovens de classe média, classe média alta e frequentadores de escolas de renome passaram a responder por atos violentos, como terrorismo, apologia ao nazismo, racismo e estupro de vulnerável e esses atos infracionais eram comunicados pela Interpol.
E por que a Interpol?
Os atos infracionais cometidos pelos jovens são organizados na internet, por meio de grupos ou panelas (no caso do Discord), e as evidências ficam ‘guardadas’ na nuvem. O Google e a Meta, a exemplo, possuem alertas de mensagens e imagens que, quando encontradas, são encaminhadas para a Interpol. É dessa forma que atos violentos estão sendo mitigados pelo sistema de inteligências das empresas em contato com as organizações de segurança. No Brasil, os casos são direcionados à polícia federal e, infelizmente, muitas vezes os pais não têm ideia do que está acontecendo, não têm acesso as redes dos filhos e acreditam piamente que eles estão seguros navegando em smartphones.
Voltando a série, os pais de Jamie acreditavam que ele estava seguro no quarto ao lado. Mas, eles estavam errados porque o filho tinha se transformado em um assassino.

Existe uma dificuldade em compreender a maneira com a qual a internet e as redes sociais afetam as gerações, a gente percebe em como afetam as eleições, modos de ser e agir, percepções e até nas projeções de futuros das juventudes. A interação que se tem com a internet e as redes sociais às transformaram em lugares e existe uma dificuldade de vinculá-los com a realidade, as limitações impostas, como limite de idade, são facilmente burladas e a maneira com a qual os algoritmos distribuem os conteúdos para cada usuário gera questionamentos.
O funcionamento deste novo lugar, que são as redes sociais, se opõem ao mundo real em que os territórios devidamente separados, com normas, acordos e leis que protegem e limitam os indivíduos que ali vivem. Contudo, quando se trata do mundo virtual existe uma dificuldade na compreensão de que é possível acessar o mundo inteiro em segundos, de que as situações expostas nas redes conseguem uma projeção global e que, diferente do mundo real, não há um controle total sobre como acessarão suas informações.
Então, por que existe uma preocupação com os lugares onde os nossos filhos vão, quando vão e quando voltam? Enquanto existe a falsa crença de que saber o que e quem os filhos acessam em seus smartphones e computadores é invasão de privacidade.
As telas correspondem à uma praça cheia de desconhecidos, você acha seguro deixar seus filhos lá sem supervisão? Ou melhor, você deixaria seus filhos numa cidade que você não conhece, com pessoas que você não conhece, sem qualquer instrução prévia? É claro, as preocupações e liberdades variam de acordo com a idade.
O grande problema é que nas redes sociais não existe um controle, em especial por parte de pais e responsáveis. Há uma dificuldade por parte da família em supervisionar as ações de seus filhos e uma facilidade dos filhos em esconder os seus acessos.
É perceptível a dificuldade das famílias, de maneira geral, em compreender as redes sociais como lugares que afetam e direcionam as vivências de seus filhos.
Em contrapartida, foi promulgada a Lei nº 15.100/2025, que restringe o uso de celulares nas escolas o que expõem a preocupação por parte do Estado com o aumento de casos de violências envolvendo crianças e adolescentes e redes sociais. A nível global, Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou em janeiro o fim da checagem de fatos, decisão tomada, de acordo com cientistas políticos, como sinal de aproximação à Donald Trump. Esta atitude expõe como as redes sociais podem e são utilizadas como ferramenta de aproximação ou distanciamento de governos, afinal a aproximação à Trump, por Zuckerberg, e Elon Musk com um cargo no governo norte-americano evidencia a discordância e distanciamento entre os EUA e a União Europeia quanto à influência das redes sociais em seus governos.
Mediante todas as divergências entre atuação de famílias, governos e big techs, é suficiente restringir e/ou proibir os celulares das escolas? Qual é o controle que os jovens terão nas redes fora da escola? Como o que é dito nas redes, fora da escola interfere na vivência escolar? É possível agir como se as redes não interferissem nas nossas vidas? Como ficaria o trabalho sem as redes sociais?
Não é possível voltar no tempo e agir como se internet e redes sociais não existissem e ignorar as facilidades incorporadas nas nossas vidas por elas, contudo é importante entender que os perigos mudaram com o tempo, eles estão mais sofisticados.
Se redes sociais se transformaram em lugares presentes nas cidades, regiões e países afetando a organização social, as eleições e a socialização de crianças e adolescentes o que pode ser feito para mitigar os problemas? A União Europeia se antecipou aos problemas e em 2022 aprovou a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) e a Lei do Mercado Digital (Digital Markets Act – DMA) que regulam o comércio nas redes sociais e existe uma tentativa de diálogo no Brasil sobre a regulamentação das redes sociais. Infelizmente, as soluções propostas e implementadas não foram capazes de alinhar o mundo virtual com o mundo real.
É possível ter maior controle sobre o que acessamos, entender ao que somos expostos em nossas redes e o funcionamento dos algoritmos que, embora filtrem uma fração de todo o tráfego, trazem consequências enormes para o mundo real. Agora imagine, se pode ser complexo para adultos adquirir esta compreensão como exigi-la de crianças e adolescentes?
Quais são os impactos para o mundo real?
Recentemente uma menina de 8 anos foi encontrada desacordada pelo avô, de acordo com as investigações ela estava fazendo o ‘Desafio do desodorante’. Infelizmente, ela não sobreviveu. Ainda em abril, a Polícia Federal deflagrou Operação Adolescência Segura e um dos chefes dessa rede de crimes, que incluía crimes de ódio, tentativa de homicídio, maus tratos à animais e armazenamento de pornografia infantil era um adolescente de 14 anos. Estes são dois exemplos dos impactos das redes no mundo real, em especial para crianças e adolescentes!
A percepção de que redes sociais são lugares, permite que jovens encontrem seus pares e se sintam pertencentes a grupos. Mas não impede que a ânsia por pertencer e as violências existam, elas ficam camufladas pela ingenuidade de que existe segurança no mundo virtual, que os nossos filhos estão protegidos em casa.
Contudo, assim como na série, basta um clique para acessar um lugar repleto de possibilidades e, muitas vezes, sem qualquer supervisão, instrução ou habilidade para compreender o excesso de informações expostas nas redes. É assim que muitas crianças e adolescentes estão socializando, em completa desconexão com o mundo real.